sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Novo secretário da Segurança é acerto de Lewandowski

O Globo

Indicação de Mário Sarrubbo revela foco no combate ao crime organizado e distância saudável da ideologia

Logo depois de anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski afirmou ao GLOBO que a segurança pública seria “prioridade absoluta”. Nesta semana, transformou as palavras em ato ao convidar o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, para assumir a Secretaria de Segurança Pública. A escolha deu fim a temores de indicação de acadêmicos ou políticos sem experiência em uma área crítica para o êxito não apenas da gestão de Lewandowski no ministério, mas do próprio governo Lula.

Sarrubbo integra o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) desde 1989 e tem longo histórico no combate ao crime organizado, tendo trabalhado com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Sua prioridade no governo, como revelou a colunista do GLOBO Vera Magalhães, será promover maior integração entre Polícia Federal, polícias estaduais e ministérios públicos. É o rumo certo. A pulverização dos dados de inteligência por diferentes silos e investigações isoladas tem há muito beneficiado as redes criminosas, cuja atuação se espalha por diferentes estados ou mesmo países. Sarrubbo levará para Brasília os métodos bem-sucedidos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP paulista, no uso de inteligência e estrangulamento financeiro do crime organizado.

Ao fazer o convite, Lewandowski demonstrou não se deixar guiar por inclinações ideológicas. Há poucos meses Sarrubbo entrou com ação no STF contestando decisão do ministro Dias Toffoli de anular todas as provas da delação da Odebrecht. Quando ministro do STF, Lewandowski sempre foi um defensor dos ritos jurídicos, do devido processo legal e um crítico contumaz dos abusos que atribuía à Operação Lava-Jato.

Dentro do Planalto há quem argumente que segurança pública é responsabilidade constitucional dos estados e, ao intervir na área, a União corre o risco de queimar a própria imagem assumindo crises que não são de sua alçada. Felizmente, a tese vem perdendo força, como revela a escolha de Lewandowski. O modelo compartimentado de atuação já demonstrou estar falido diante de organizações criminosas que agem em escala regional, nacional ou internacional. A opinião pública sabe que é insubstituível o papel do governo federal na coordenação da prevenção e do combate ao crime.

A expansão das facções criminosas por todo o país é uma realidade visível na oferta de drogas ilícitas nas ruas, na situação caótica dos presídios, nos casos de corrupção de agentes públicos e no domínio de extensas áreas nas grandes cidades por traficantes e milicianos. O PCC, que ameaça todo o país, foi fundado em São Paulo na década de 1990 e tinha cerca de 3 mil integrantes em 2014. Hoje conta com dezenas de milhares. Os assassinatos, apesar da queda registrada ao longo da última década, continuam em 22,4 por 100 mil habitantes, patamar altíssimo para os padrões internacionais. Como ministro, a principal missão de Lewandowski será enfraquecer as estruturas do crime organizado, além de prevenir e reduzir os crimes violentos.

Aumento na concentração de renda demonstra relevância da educação

O Globo

Tributação mais justa e transferências diretas são importantes. Mas só a melhora no ensino resolverá questão

O Brasil é conhecido pela concentração de renda — e ela tem piorado nos últimos anos, como constatou um novo estudo do Observatório de Política Fiscal, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Usando dados das declarações de Imposto de Renda divulgados pela Receita Federal e estatísticas do IBGE, o economista Sérgio Gobetti concluiu que, entre 2017 e 2022, a renda dos mais ricos cresceu duas a três vezes mais rápido que a do restante da população.

Quanto maior a renda, mais ela subiu. No milésimo mais rico, topo da pirâmide constituído por 153 mil brasileiros, os rendimentos aumentaram 87% durante os cinco anos (de R$ 236 mil para R$ 441 mil por mês). No centésimo mais rico, ou 1,5 milhão de pessoas, o salto na renda mensal foi de 67% (de R$ 52,6 mil para R$ 87,8 mil). Entre os 5% mais ricos, de 51% (de R$ 19,6 mil para R$ 29,5 mil). Para os 95% restantes da população adulta, ou 154,3 milhões de brasileiros, a renda mensal média cresceu apenas 33% em cinco anos (de R$ 1,7 mil para R$ 2,3 mil). Ajustando a lupa sobre a faixa de 0,01% dos mais ricos, ou 15 mil brasileiros, o crescimento foi de 96%, o triplo do registrado para os 95% mais pobres.

Como resultado do enriquecimento crescente à medida que se sobe na pirâmide social, os mais ricos também aumentaram sua participação na renda total: o centésimo mais rico passou a concentrar 23,7% da renda (ante 20,7%). Mais de 80% da concentração ocorreu em benefício do milésimo mais rico, os 153 mil brasileiros que, em 2022, tinham renda média mensal de R$ 441 mil.

Gobetti atribui o crescimento da concentração de renda a isenções tributárias. “A melhor performance da renda dos mais ricos se explica sobretudo pelo aumento de lucros e dividendos distribuídos, hoje isentos de tributação, e por um segundo componente que pouca atenção tem despertado nas análises: a renda da atividade rural, cuja maior parcela também está isenta de tributação”, escreveu em nota técnica. A pandemia também contribuiu para agravar a concentração, por reduzir a atividade econômica e os rendimentos do trabalho.

É ilusório, porém, acreditar que a resposta para reduzir concentração está apenas ou principalmente na tributação. Se a distribuição de lucros e dividendos não paga Imposto de Renda, isso é compensado pela cobrança da pessoa jurídica, questão a ser equacionada em breve. É verdade que há outras distorções tributárias favorecendo quem tem maior renda, e elas devem ser corrigidas, mas a causa de fundo da concentração, que Gobetti não aborda, é outra: a desigualdade de oportunidades na sociedade, resultado de um sistema educacional incapaz de formar mão de obra de qualidade, necessária para haver mais produtividade e riqueza bem distribuída. Acelerar a melhoria do ensino básico na rede pública é urgente. Mecanismos de transferência direta de renda ou uma estrutura de impostos com menos distorções são necessários. Mas apenas a educação será capaz de promover mudanças reais.

Inovação rebaixa performance comparativa global do Brasil

Valor Econômico

Uma das piores avaliações está na capacidade brasileira de exportar serviços avançados

A figura econômica do Brasil tem se desbotado ao longo do tempo nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, que reúne a elite empresarial global todos os anos em Davos, na Suíça. O baixo crescimento do país, após a severa recessão de 2014-2016, explica parte da perda de prestígio. O desempenho abaixo da média mundial, como alinhou o relatório “O futuro do crescimento”, divulgado na quarta-feira, mostra que o país ainda tem um caminho difícil pela frente para poder crescer mais, de forma equilibrada, inclusiva, inovadora e sustentável.

O documento usa estas quatro categorias (inovação, sustentabilidade, resiliência e inclusão) para aferir, para além das estatísticas econômicas conhecidas, a qualidade do crescimento nos próximos anos. Como se fossem avaliações de 0 a 100, o Brasil tem sua pior nota individual em inovação (41,8), às vésperas de uma revolução tecnológica, e a melhor em sustentabilidade (56). No quesito resiliência, a capacidade de resistir a choques externos adversos, por exemplo, o país obteve 52, e em inclusão, 55. Com exceção de sustentabilidade, ficou abaixo da média mundial nos demais itens.

Como nos relatórios do Banco Mundial, “Doing Business”, descontinuados, o Brasil vai mal em inovação, fundamental para o aumento da produtividade, capacidade de crescimento e sustentação da expansão. Os fatores inibidores são conhecidos. O Brasil tem baixo estoque de investimento per capita aplicado em ciência e tecnologia, que é usado pelos autores como um proxy da adoção de tecnologias digitais na economia - 13,3 em “nota” de 0 a 100. Os gastos em pesquisa e desenvolvimento, que medem a aplicação contínua de recursos em conhecimento e tecnologia, por exemplo, tiveram 23,3 pontos na mesma escala. O país também não vai bem em vários itens do ecossistema institucional, por exemplo, no quesito de capital humano no serviço público, que mede “habilidades e competências nos setores oficiais”. Como é conhecido, tampouco o país se destaca na estabilidade das políticas e no planejamento de longo prazo (30,5). Algo parecido acontece com a proporção do emprego intensivo em conhecimento, indicador da especialização e capacidade da mão de obra (28).

Uma das piores avaliações está na capacidade brasileira de exportar serviços avançados (8,1) - pior que ela, só a de registro de patentes (2,4), o que diz muito sobre o estágio de desenvolvimento da digitalização na economia. “No atual contexto geopolítico”, relata o documento, sem especificar o Brasil, “com espaço limitado para expansão do comércio de mercadorias, um futuro importante de possibilidades passará pelo comércio de serviços”. Como nas cadeias de produção de bens, um baixo nível de digitalização e conectividade impedirá os países de participarem nas novas cadeias digitais de valor globais.

A participação do emprego em serviços no total mundial cresceu de 35% para 51% nos últimos 30 anos. E os serviços são parte integrante de acréscimo de valor nas redes de produção de manufaturas. Nos países da OCDE, serviços digitais intensivos incorporados à exportação de bens industriais representam 24% do valor. Enquanto que a exportação de serviços avançados atingiu 6% do PIB dos países ricos, sua fatia nos países em desenvolvimento foi de 3%.

A capacidade de inovação do Brasil teria ainda nota pior não fossem avanços na infraestrutura. A cobertura de celular foi de 92,4% da população, assim como o volume de pagamentos digitais (77,7). Mas quantidade não é tudo. O estudo observa, genericamente, que entre 30% e 40% das economias latino-americanas são cobertas por sinais que não ultrapassam a tecnologia 3G, o que é um obstáculo para muita coisa, inclusive para exportar serviços sofisticados.

O Brasil foi encaixado entre os países de renda média alta, de até US$ 18 mil per capita por paridade de poder de compra (2023). Nesse grupo, no entanto, sua avaliação é superior ao da média em todas as quatro categorias. Em inovação, ultrapassa todos os países da região (Argentina, Peru, Equador, Colômbia) e mesmo México, que por ter acordo comercial com os EUA tem recebido investimentos maciços após o cisma EUA-China, mas cujo estado da arte é inferior ao brasileiro. O Brasil fica para trás, no entanto, em relação às nações asiáticas, como Tailândia, Malásia, Indonésia, ou as do Leste Europeu, como Georgia, Sérvia e Bulgária.

O WEF reagrupou os países em arquétipos buscando similitudes nas notas em todas as categorias, e o Brasil ficou em um time que inclui Benin, Costa do Marfim, Gana, Índia, Jordânia, Marrocos, Filipinas e Tanzânia, um sinal evidente de que precisa melhorar bastante sua performance econômica geral.

Por tudo isso, e pelo baixo crescimento, o Brasil deixou pela primeira vez em uma década de estar entre os 10 países mais estratégicos para os 4.700 CEOs ouvidos em pesquisa da consultoria PwC. Sua melhor colocação foi a 4ª em 2014, ano do início de grave recessão. Em 2024, estava como 14ª prioridade. Sem avanços na inovação, o que pressupõe prioridade para a educação em todos seus níveis e para pesquisas, o país continuará em lenta decadência. É possível revertê-la com boas políticas que, no entanto, tardam a vir.

Gargalo educacional

Folha de S. Paulo

Com dados que mostram retrocesso no ensino médio, urge avançar em reforma

O Brasil não pode se dar ao luxo de retrocessos no ensino médio, o principal gargalo da educação nacional —eles têm ocorrido, contudo.

Em 2022, de acordo com os dados mais recentes do Censo Escolar do MEC, a taxa de evasão nessa etapa do aprendizado chegou a 6,5%, acima dos 5% de 2021. As razões para o abandono dos estudos por adolescentes e jovens são conhecidas; as políticas para enfrentá-las ainda são incipientes.

Pesquisa do IBGE de 2019 mostrou que, entre pessoas de 14 a 29 anos com nível de instrução inferior ao ensino médio, 8,1% deixaram as salas de aula aos 14 anos; o percentual salta para 14,1% aos 15 anos e atinge 17,8% nos 17.

Entre os motivos, 39,1% apontaram a necessidade de trabalhar e 29,2% a falta de interesse. Entre as mulheres, a gravidez foi fator importante, com 23,8%.

Também se andou para trás na adesão dos estudantes ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No mais recente, houve 4 milhões de inscritos, mas somente 2,7 milhões (68%) fizeram a prova. Essa discrepância segue um padrão histórico, mas os números mostram tendência preocupante.

No pico de 2014, as inscrições chegaram a 8,7 milhões, com 5,9 milhões de participantes efetivos. A partir de 2016, as cifras baixam de patamar. De quase 1,8 milhão de alunos matriculados no último ano do ensino médio em 2023, só 838 mil compareceram ao exame —isto é, menos da metade dos formados nessa etapa do ensino.

Não há diagnóstico para a queda de interesse no Enem, que abre as portas para o ingresso em uma pletora de universidades. Tampouco se sabe por que em São Paulo, o estado mais rico, a adesão de 41% é a segunda menor do país, enquanto no Ceará a taxa vai a 80%.

Camilo Santana, ministro da Educação, anunciou que o governo pretende pagar um valor em dinheiro a estudantes de baixa renda do terceiro ano do ensino médio que participarem do Enem, além de uma bolsa estudantil para esse estrato —esta com lei já sancionada pela Presidência da República.

Em tese ao menos, as iniciativas são meritórias, embora nem mesmo se saiba até agora com clareza quais serão as regras para os benefícios instituídos e como serão financiados. O enfrentamento do problema, porém, depende de providências mais importantes.

A mais imediata delas é a agilização da reforma do ensino médio, hoje dependente de um entendimento entre governo federal, estados e Congresso. Espera-se que, com ela, a reformulação dos currículos possa reduzir a evasão.

Para o longo prazo restam as mazelas sociais que afligem os estudantes —e que não são um desafio apenas da educação.

Igreja e Estado

Folha de S. Paulo

Teses persecutórias contaminam debate sobre a tributação de pastores evangélicos

Sob Jair Bolsonaro (PL), a Receita Federal editou norma publicada em agosto de 2022 que ampliava a isenção tributária para ministros de confissão religiosa. Naquele mesmo mês, em seu primeiro ato de campanha pela reeleição, o então mandatário disse a lideranças religiosas que a medida encerrava uma "perseguição" às igrejas.

O ato do fisco —ali indevidamente politizado— disciplinava a interpretação de um dispositivo da lei 8.212/91 que libera da cobrança de contribuição ao INSS valores recebidos por padres, pastores e congêneres, desde que as somas tenham relação com a atividade religiosa e não dependam da natureza e da quantidade de trabalho.

Ao longo dos anos, divergências na leitura desse dispositivo provocaram um contencioso entre entidades, em particular ligadas aos evangélicos, e a Receita, para a qual o texto era utilizado como brecha para distribuir remunerações variadas aos pastores.

Em 2015, chegou-se a aprovar um adendo na lei para orientar a interpretação das condições para o benefício tributário. Não foi o bastante para pacificar a questão, o que levou o fisco a editar o ato do ano retrasado.

Nesta semana, no entanto, a Receita decidiu suspender aquela norma, provocando reações raivosas de expoentes da bancada de parlamentares evangélicos do Congresso Nacional —que optaram por tratar o caso como um confronto entre a igreja e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"É um ato político do governo da esquerda, que quer voltar à velha prática da chantagem", declarou o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), correligionário de Bolsonaro.

A Receita atribuiu sua medida a um processo sobre o caso em curso no Tribunal de Contas da União (TCU); a corte divulgou nota para esclarecer que ainda não tomou decisão definitiva. Em qualquer hipótese, não se justifica partidarizar uma deliberação técnica.

Desde 1946, as Constituições brasileiras têm fixado limites à taxação das igrejas. O alcance desse princípio deve estar disciplinado na legislação, e seu cumprimento precisa ser monitorado por órgãos de Estado —garantidos, é claro, os canais de defesa e contestação.

Do ponto de vista da justiça tributária, a demanda por mais benefícios para templos e ministros dificilmente será defensável. O apelo a teses persecutórias, farsescas vindas de uma bancada politicamente poderosa, só avilta o debate.

O Brasil que não deveria ter voltado

O Estado de S. Paulo

No momento em que nenhuma petroleira no mundo ousa investir em novas refinarias, Lula pretende apostar suas fichas na retomada das obras de Abreu e Lima para reescrever o passado

O presidente Lula da Silva decidiu retomar as viagens pelo interior do País. O roteiro passou por Ipojuca (PE), para celebrar as obras de ampliação da Refinaria Abreu e Lima. Para Lula da Silva, não há melhor local para anunciar aos quatro ventos que “o Brasil voltou”. O problema é que o Brasil que está de volta é o Brasil que jamais deveria ter voltado.

Na ânsia de ampliar investimentos e gerar empregos, Lula, em seus dois primeiros mandatos, decidiu que faria da Petrobras um braço a serviço do governo para a execução de grandiloquentes (e caríssimos) planos para supostamente impulsionar o desenvolvimento nacional. Vários projetos ambiciosos foram anunciados, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), as Refinarias Premium I e II, no Maranhão e no Ceará, e a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

A ideia era obter a autossuficiência na produção de combustíveis e reduzir seus preços, aproveitando-se da posição dominante da companhia nesse mercado. O que o governo deliberadamente desconsiderava é que os derivados de petróleo flutuam conforme a cotação do barril no exterior e o comportamento do câmbio, fatores fundamentais para definir a viabilidade econômica de cada projeto.

Como uma empresa de capital misto, a Petrobras submeteu as propostas ao Conselho de Administração, que teria condições de avaliar seus custos e benefícios e o enquadramento na estratégia de atuação da empresa. O governo, no entanto, abusou de sua participação majoritária na companhia para impor suas vontades aos acionistas privados.

Lembrar esse contexto é extremamente relevante no momento em que o governo tenta reescrever a história recente. Na versão petista, não fosse a operação liderada pelo juiz Sérgio Moro, todas as obras da Petrobras teriam sido concluídas e o País estaria em outro patamar de desenvolvimento econômico.

Na delirante versão petista, Moro teria usado a Lava Jato para minar o crescimento do País e da petroleira para atender a interesses norte-americanos. Dado que a investigação caiu em total descrédito, nada mais justo que retomar os planos originais. A fábula de Lula ignora o fato de que a Petrobras já estava em maus lençóis antes mesmo da criação da malfadada força-tarefa de Curitiba.

A desaceleração da economia chinesa a partir de 2009 derrubou os preços das commodities, inclusive do petróleo, e corroeu boa parte do retorno dos projetos da Petrobras. Como se não bastasse, a companhia passou a ser usada como instrumento para controle da inflação, vendendo combustíveis a preços inferiores aos cobrados no exterior. A desvalorização do câmbio agravou os prejuízos e levou seu endividamento a níveis insustentáveis. Sem condições de se financiar, as faraônicas obras começaram a atrasar, e algumas nunca foram iniciadas.

Não havia como a Petrobras conciliar as duas funções que o governo esperava dela – ser um braço dos investimentos e um instrumento da política monetária – sem perder muito dinheiro. Nessa toada, entre 2011 e 2014, a Petrobras acumulou prejuízos da ordem de R$ 100 bilhões, muito mais que as perdas reconhecidas em balanço em razão das descobertas da Lava Jato, de cerca de R$ 6 bilhões.

No caso de Abreu e Lima, houve outras agravantes. A parceria com a venezuelana PDVSA, anunciada em 2005 por Lula e o caudilho Hugo Chávez, nunca foi formalizada, e o ônus da refinaria ficou todo com a Petrobras. O custo de construção explodiu, as obras se arrastaram por nove anos e os executivos das construtoras relataram superfaturamentos e propinas a diversos partidos no esquema do petrolão.

Por fim, a capacidade instalada foi reduzida à metade do projeto original, o que fez de Abreu e Lima uma das refinarias mais caras e menos produtivas do mundo – tanto que a Petrobras, quando quis se livrar do ativo, não conseguiu vendê-lo a ninguém.

Agora, quando nenhuma empresa no mundo ousa investir em novas refinarias, é nesta obra que o governo pretende apostar suas fichas. Seja porque pretende se vingar da turma da Lava Jato, seja porque quer reescrever a história, Lula retoma um projeto que deveria custar US$ 2,5 bilhões, consumiu quase US$ 18,5 bilhões, deveria ficar pronto em 2011 e permanece inacabado, tornando-se símbolo da húbris lulopetista que arruinou o País.

A César o que é de César

O Estado de S. Paulo

Embora com atraso, governo agiu corretamente ao dar fim à isenção fiscal sobre a renda de líderes religiosos. Numa República, não cabe esse privilégio, pois todos são iguais perante a lei

A isonomia é o pilar fundamental da República: todos são iguais perante a lei. Portanto, era antirrepublicana e inconstitucional a isenção tributária sobre a remuneração paga por igrejas a seus pastores, ministros e demais lideranças religiosas, conhecida como prebenda. No dia 17 passado, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, revogou o privilégio, generosamente concedido aos religiosos pelo governo de Jair Bolsonaro.

Ainda que tardia, a decisão do Fisco foi correta. À esmagadora maioria dos cidadãos, sejam religiosos ou ateus, jamais foi dada a mais remota chance de escapar da incidência de impostos sobre seus vencimentos. Por que razão, então, pastores e demais lideranças religiosas haveriam de ser agraciados com essa regalia? A pergunta, claro, é retórica. Como registra a história recente do País, essa cortesia com o chapéu do contribuinte quase sempre se prestou a propósitos político-eleitorais, em particular à cooptação dos evangélicos, segmento populacional cada vez mais organizado e representado no Congresso.

A isenção da contribuição previdenciária sobre as prebendas fora concedida pela Receita Federal às vésperas da campanha eleitoral de 2022. Era do interesse do então presidente Jair Bolsonaro consolidar o apoio de lideranças evangélicas à sua tentativa de reeleição. O refresco financeiro foi um dos mecanismos encontrados por Bolsonaro para manter os evangélicos fiéis a ele, e não à Constituição. O ex-presidente ainda defendeu abertamente não só a anistia de multas bilionárias aplicadas às igrejas que não recolheram a contribuição previdenciária, como pressionou o Fisco pela isenção do pagamento de outras contribuições, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O pagamento dessas contribuições não tem relação com a imunidade tributária conferida pela Constituição às entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes. O dispositivo constitucional se presta à garantia da liberdade religiosa no País, de modo a evitar que uma denominação religiosa seja impedida de oferecer conforto espiritual a seus fiéis por falta de dinheiro para pagar impostos relativos a seus locais de culto e obra missionária.

Já os líderes religiosos não são cidadãos mais especiais do que outros para serem agraciados com uma isenção tributária sobre seus vencimentos, seja lá o nome que venham a ter – salário, côngrua, prebenda ou ajuda de custo.

Embora tenha feito a coisa certa, é forçoso notar que o governo do presidente Lula da Silva foi lento para reconhecer algo cristalino como a imoralidade da isenção fiscal aos religiosos, talvez temendo a reação política que decerto viria. Ignorou o quanto pôde um alerta dado pela própria Receita Federal, em março do ano passado. Ao que tudo indica, só resolveu agir depois de novo alerta, agora disparado pelo Tribunal de Contas da União, por meio de seu corpo técnico, apontando indícios de irregularidades e improbidade administrativa na concessão do benefício durante o governo de Jair Bolsonaro. Seja como for, o fato é que esse privilégio não se coadunava com o mais elementar dos princípios republicanos e, também, religiosos – basta lembrar o ensinamento de Cristo sobre a obrigação de pagar impostos (Mateus 22:17-21).

Como não haveria de ser diferente, parlamentares da bancada evangélica e lideranças religiosas do segmento vieram a público contestar em termos veementes o fim da regalia. O deputado Eli Borges (PL-TO) acusou o governo de “sacerdofobia”. Para seu colega Sóstenes Cavalcante (PLRJ), foi “safadeza”.

É absolutamente legítimo que os evangélicos, como quaisquer outros grupos sociais, religiosos ou não, se organizem politicamente para defender seus interesses no Congresso. Outra coisa, muito distinta, é seus líderes aproveitarem essa grande capacidade de mobilização para desvirtuar a representação política, fazendo uso dela para obter um tratamento diferente do que é dado pelo Estado aos demais cidadãos. Isso é manipulação da fé.

Incentivo bem-vindo

O Estado de S. Paulo

Programa de estímulo à conclusão do ensino médio por jovens pobres acerta ao exigir contrapartida

Políticas de transferência de renda, quando bem desenhadas e focadas, já se provaram altamente positivas no Brasil e em outros países com grande desigualdade social. A eficácia aumenta quando são centradas em alvos específicos e exigem contrapartidas dos beneficiados. Essa premissa parece ter sido seguida no projeto de lei que cria a Poupança do Ensino Médio, mais conhecido como Pé de Meia, com o objetivo de estimular jovens de baixa renda a concluírem o ensino médio.

Sancionada pelo presidente Lula da Silva no último dia 16, a iniciativa deve ser complementada por um auxílio adicional, ainda em maturação pelo Ministério da Educação, aos estudantes que levarem a sério o ingresso na universidade pela via do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Como bem se sabe, os indicadores educacionais têm sido há décadas um dos principais gargalos para o crescimento econômico e a redução da desigualdade social no Brasil. Manter as crianças na escola foi uma contrapartida incluída pelos gestores públicos para as famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Escola, no fim dos anos 1990. Com a ampliação desse programa de transferência de renda para o Bolsa Família, na década seguinte, essa e outras exigências foram sabiamente preservadas. O resultado foi o inegável salto nas estatísticas de conclusão do ensino fundamental 1 e menos crianças expostas à mendicância. O governo federal rompe, agora, a lamentável ausência de políticas públicas para motivar a conclusão do ensino médio nos últimos 20 anos.

Promessa de campanha da então candidata à Presidência Simone Tebet, o programa foi incluído pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP) em projeto de lei aprovado pelo Congresso. O Pé de Meia garantirá a injeção de R$ 2.800 ao ano em uma poupança para cada aluno de baixa renda em escola pública, com permissão de retirada de uma parcela mensal. O restante poderá ser resgatado ao fim do ensino médio. Como bem resumiu Tabata Amaral, o mecanismo evitará que cerca de 2,5 milhões de jovens pobres tenham de escolher entre “um prato de comida e o término dos estudos”.

Aos quesitos básicos para manter-se no programa – assistir às aulas e obter a aprovação no ano letivo –, somam-se as obrigações de concluir o ensino médio e realizar os exames do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) e do Enem. Ingressar em uma faculdade, obviamente, será decisão pessoal. Mas os elementos essenciais, em tese, estarão dados.

Os R$ 7 bilhões previstos para o programa neste ano estarão entre os mais significativos investimentos federais. Serão recursos públicos bem gastos se de fato ajudarem a reduzir a evasão anual de 16% de estudantes do ensino médio e a abstenção de quase um terço dos inscritos nas provas do Enem, como verificado em 2023.

Todo esforço é válido para estimular o acesso de jovens de baixa renda ao mercado de trabalho e às universidades. Obviamente, não basta que os alunos sejam incentivados a ficar na escola. É preciso que a escola seja boa o bastante para fazer a diferença na vida desses estudantes.

 

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