quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Trump representa perigo imenso para o mundo

O Globo

Prévias republicanas mostram que é preciso desde já levar a sério o risco de sua volta à Presidência

As duas primeiras prévias do Partido Republicano — nos estados de Iowa e New Hampshire — confirmaram o favoritismo de Donald Trump. Descartados efeitos de eventos imprevisíveis, como condenações judiciais nos processos em que é réu, o mais provável é que seu nome esteja nas cédulas em novembro. Pelas pesquisas, ele hoje derrotaria o presidente Joe Biden, virtual candidato democrata, na maioria dos estados necessários para vencer a eleição. É verdade que tudo pode acontecer até lá, mas o risco de uma eventual vitória de Trump precisa ser levado a sério desde já.

Líderes políticos e empresariais de todo o mundo começam a traçar cenários sobre sua volta à Casa Branca. Não causa surpresa que as conclusões sejam preocupantes. As avaliações, afinal, não são feitas com base em suposições. Nos quatro anos em que ocupou a Presidência, entre 2017 e 2020, Trump criou um clima de caos e incerteza em torno de sua personalidade errática e mercurial. Desagradou mais a aliados que a inimigos históricos dos Estados Unidos. Foi explícito ao pôr em questão a Otan, aliança militar com os europeus. Aproximou-se de Vladimir Putin, Kim Jong-un e outros autocratas. Num eventual segundo mandato, a única certeza é a incerteza.

Mesmo assim, algumas de suas inclinações sugerem os rumos prováveis. É o caso da retirada de apoio à Ucrânia e da reaproximação da Rússia de Putin. Ou do recrudescimento do protecionismo. Um dos planos expostos na pré-campanha é impor uma tarifa de importação de 10% a todos os países, com consequências negativas nos planos interno e externo. O risco é uma nova guerra comercial de dimensão global.

Para o planeta, o perigo mais insidioso seria o recuo na agenda ambiental. Em 2017, Trump anunciou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, reação da humanidade contra as mudanças climáticas. Segundo Trump, o acordo é injusto com trabalhadores e empresas americanas. “Fui eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris”, disse na época. Ao assumir, Biden restaurou a adesão dos Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa. Uma nova ruptura sob Trump ameaçaria as metas e poria em xeque o futuro do planeta.

Há, por fim, o risco que Trump representa à própria democracia americana, demonstrado pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Na campanha, ele deu a entender que pretende enviar tropas a cidades governadas por democratas, invocando uma lei que amplia os poderes do Executivo. Só não fez isso no primeiro mandato porque foi convencido do contrário por militares e assessores. Tentaria de novo?

De acordo com dois ex-secretários do governo Trump — Bill Barr, de Justiça, e Mark Esper, de Defesa —, ele sempre põe seus interesses à frente do nacional. Sobre o 6 de Janeiro, o ex-vice Mike Pence declarou ter sido instado a escolher entre Trump e a Constituição. Para John Kelly, seu ex-chefe de gabinete, Trump “é a pessoa mais imperfeita que conheci”. Quem acompanha a equipe atual de Trump não vê gente com estatura moral para frear seus impulsos.

Muitas promessas de campanha de 2016 não viraram realidade por falta de experiência e organização. Um novo governo Trump promete ser mais eficaz. Seria desejável que a sociedade americana aproveitasse o tempo que resta até novembro para oferecer alternativas melhores ao eleitor. Do contrário, o risco para o mundo será imenso.

Punição por massacre do Carandiru depende de ação ágil do Supremo

O Globo

Plenário deve examinar liminar sobre indulto de Bolsonaro, para que crimes cometidos há 31 anos não prescrevam

Trinta e um anos depois, o Massacre do Carandiru — ação policial que resultou na morte de 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992 — permanece impune, a despeito das inúmeras idas e vindas que emperraram o processo para condenar os policiais militares acusados pela matança. Seria um absurdo a demora, ainda sem perspectiva de ter fim, levar à prescrição dos crimes.

Faz um ano que a então ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu um indulto concedido pelo então presidente Jair Bolsonaro sob medida para beneficiar os acusados pelo massacre. No indulto, eram contemplados policiais condenados, ainda que provisoriamente, por ato cometido há mais de 30 anos que não era considerado crime hediondo no momento da prática. Um mês antes, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) começara a definir as penas de 69 PMs condenados pelas mortes. Eles respondem por homicídio qualificado, crime que só passou a ser considerado hediondo em 1994.

A liminar que suspendeu o indulto ainda não foi analisada em plenário. O TJSP diz aguardar uma decisão do Supremo para dar prosseguimento ao caso. O Ministério Público de São Paulo tem exigido decisão rápida. O promotor Maurício Lopes afirma que são grandes as chances de o crime ficar impune, principalmente para os réus com mais de 70 anos (idade em que o prazo de prescrição cai à metade).

O esforço para punir os responsáveis pelo massacre enfrentou toda sorte de obstáculo. Como a cena do crime não foi preservada, os laudos eram imprecisos, dificultando as provas. A demora para decidir se o processo ficaria na Justiça Militar também causou atraso. Houve problemas para definir condutas individuais, uma vez que os agentes atuaram em conjunto. Somente entre 2013 e 2014, mais de 20 anos depois, 74 policiais foram condenados a penas de 48 a 624 anos (cinco já morreram). Em 2016, o TJSP as anulou, sob alegação de que não era possível saber como cada um agira. Só foram restabelecidas pelo STJ em 2021. Até hoje todos respondem em liberdade.

Nos anos 1990, o Brasil registrou crimes bárbaros que repercutiram dentro e fora do país. Apenas um ano depois do Carandiru, aconteceram as chacinas de Vigário Geral e da Candelária, que deixaram 29 mortos no Rio de Janeiro. Em meio ao clamor popular, 59 pessoas foram denunciadas (51 no caso de Vigário e oito no da Candelária), a maioria PMs. Só oito foram condenadas, e sete cumpriram as penas. Os processos expuseram as dificuldades para investigar e punir agentes da lei.

O plenário do STF deveria apreciar logo a liminar de Rosa Weber para decidir se o indulto poderia ser aplicado a um crime que não era classificado como hediondo quando cometido. E o TJSP precisa definir rapidamente as penas dos condenados, independentemente do que aconteça no Supremo. É lamentável que crimes de tamanha repercussão permaneçam impunes. É dever da Justiça dar uma resposta às famílias das vítimas e à sociedade.

Em meio à greve geral, plano de Milei avança no Congresso

Valor Econômico

A capacidade de mobilização dos sindicatos é grande, mas a partida decisiva para Milei será jogada no Congresso

O presidente Javier Milei enfrenta agora os primeiros e duros testes a seus planos de governo, que não pecam por moderação. Nas ruas, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), poderosa central sindical alinhada ao peronismo, realizou sua primeira greve geral em 5 anos, esvaziando as ruas de Buenos Aires, em um massivo protesto contra a reforma trabalhista, em particular, e os pacotes econômicos de Milei em geral. Em comissões no Congresso, o bloco de apoio ao presidente conseguiu maioria que permite que seu pacote de leis vá a plenário. Inicialmente marcada para hoje, a avaliação deverá ocorrer na próxima semana, por acordo com a oposição.

O protesto da CGT foi pacífico e arrastou líderes e políticos peronistas para as ruas, como o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, ex-ministro da Economia de Cristina Kirchner. Os efeitos políticos da paralisação miram mais o Congresso, que se prepara para votar as propostas de Milei, do que propriamente angariar apoio popular. Os sindicalistas peronistas sempre organizaram manifestações poderosas contra os governos de outros partidos, a ponto de nos últimos 77 anos apenas o governo do liberal Mauricio Macri ter conseguido concluir seu mandato.

Milei, um estranho no ninho do jogo partidário tradicional e minoritário no Congresso, será um alvo mais frágil nas tentativas de desestabilização. Suas reformas, que implicam maior liberdade para as empresas contratarem e dispensarem empregados, redução de indenizações etc., desafiaram frontalmente o poder dos sindicatos argentinos. A insatisfação latente com a inflação de 211,4% em 2023, liberação de preços geral e aumentos fortes e sucessivos das tarifas criam um ambiente propício às manifestações da oposição, que também estão sendo testadas em seu poder de mobilização.

Milei obteve vitórias iniciais importantes no Congresso, ainda que parciais. Após discussões que vararam a madrugada e entraram no dia da greve geral, ele obteve uma maioria para levar o Congresso a votar sua lei, que emagreceu de 664 artigos para 523. A maioria, composta pela Liberdade Avança, partido do presidente, Pro, do ex-presidente Macri, Coalizão Federal e Inovação Federal, obteve 55 apoios, ante 45 da oposição dos peronistas e da esquerda. O problema, mais que previsível, é que 34 dos 55 deputados que apoiam o pacote de Milei o fizeram com ressalvas que não são triviais. As objeções da ala “rebelde” da tradicional UCR, e de membros da Coalizão Cívica, de Elisa Carrió, dizem respeito às “retenções” das exportações agrícolas e ao mecanismo de indexação das aposentadorias, dois itens que influem na arrecadação e na meta de superávit primário do governo. Nas conversas com o FMI, que vai liberar US$ 4,7 bilhões para a Argentina, o presidente não se contentou em zerar o déficit primário (2,9% do PIB), como prometeu um superávit de 2% do PIB.

As ressalvas dos aliados significam que, caso não sejam atendidos, eles poderão votar contra esses pontos em plenário. O governo concordou em retirar retenções que afetem as províncias, mas não abre mão do núcleo de receitas representado pelo aumento das retenções de 31% para 33% no caso da soja, e de 12% para 15% nos de trigo e milho. Sem um bloco monolítico, isso significa que só se saberá ao certo a feição final da legislação proposta pelo governo após a votação artigo por artigo - e há uma imensidão deles.

Milei está fazendo um verdadeiro batismo de fogo em negociações políticas, para as quais seu temperamento é inadequado e sua experiência, pequena. As modificações feitas e a caminho nas propostas indicaram que ele se mostrou disposto a deixar de lado fatores altamente divisivos, que poderiam levar a um desgaste político inútil, porque não são centrais para enfrentar a imensa crise econômica e social no qual está imerso o país.

O governo concordou, por exemplo, em jogar todo o capítulo da reforma política - fim das primárias, mudança no sistema eleitoral com só um deputado eleito por distrito - para as sessões ordinárias do Congresso, no ritmo tradicional da tramitação das leis. O mesmo destino terão todas as numerosas modificações indicadas no Código Civil e Comercial. Mais importante, o prazo de vigência que pediu para legislar sem o Congresso, via decreto nacional de urgência, foi reduzido pela metade - um ano, prorrogável por mais um ano, se obtiver aval dos parlamentares. A YPF foi retirada da lista de privatizações, enquanto que o Banco Nación poderá ser vendido “parcialmente”, com o governo retendo poder de veto.

O radicalismo de Milei foi uma estratégia para demonstrar que queria ir às ultimas consequências para realizar seu programa de governo e, também, uma tática de barganha na qual ele pode se livrar de acessórios e excessos que incomodam aliados e adversários, sem prejuízo de seus objetivos centrais. A capacidade de mobilização dos sindicatos é grande, mas a partida decisiva para Milei será jogada no Congresso, no qual ele é o presidente cujo poder parlamentar é desprezível. No entanto, sem deixar de fazer mais barulho do que seria necessário, Milei está aprendendo a contornar obstáculos e só tem a ganhar com isso.

Déficit de reforma

Folha de S. Paulo

Em crise, municípios cedem a servidores e negligenciam mudança previdenciária

Com enorme atraso, o Congresso aprovou em 2019 uma reforma previdenciária que, entre outras medidas, estabeleceu idades mínimas para as aposentadorias. Mais de quatro anos depois, é escandaloso que a maior parte dos entes federativos ainda não tenha adotado as normas básicas para a viabilidade das finanças públicas.

Segundo dados reunidos pelo governo federal, dos 2.146 municípios e estados que dispõem de regimes próprios de Previdência para seus servidores, somente 732, ou 34,1%, adotaram ao menos 80% das regras para os benefícios fixados na reforma. Dois terços deles, portanto, seguem em falta.

Entre os recalcitrantes estão máquinas portentosas como as de Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro capital e Belo Horizonte. A irresponsabilidade é concentrada, entretanto, nas cidades do interior —de 2.093 com regimes próprios, só 701 fizeram reformas amplas.

Os dados evidenciam a força do lobby dos servidores, das metrópoles aos grotões. Nas negociações para a reforma de 2019, os militares, os estados e os municípios foram excluídos das mudanças; acordou-se que os entes federativos tomariam suas medidas para se adequar à nova Previdência.

A quase totalidade adotou a alíquota mínima de 14% para as contribuições do funcionalismo, o que é um mandamento constitucional. Os ajustes para o controle da despesa, porém, foram negligenciados.

As consequências são mais que conhecidas, a despeito do negacionismo de tom ideológico que ainda degrada o debate sobre o tema.

Com o aumento da longevidade e o envelhecimento da população, as despesas com aposentadorias e pensões crescem continuamente e tomam o espaço orçamentário de prioridades como educação, saúde e segurança públicas.

Não é coincidência que, passados os impactos do generoso socorro financeiro recebido na pandemia e do salto da arrecadação após a crise sanitária, os municípios tenham mais uma vez mergulhado em crise financeira.

Depois de um extraordinário superávit fiscal de R$ 25,9 bilhões em 2022, excluídos da conta os gastos com juros, o conjunto das prefeituras amargava um déficit de R$ 11,5 bilhões nos 12 meses encerrados em novembro do ano passado.

Como a esmagadora maioria delas não tem acesso a crédito, o rombo ameaça diretamente a prestação de serviços à população. A saída, em geral, é fazer pressão política por ajuda da União.

Desta vez, ao menos, foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição que obriga os municípios a seguirem as regras previdenciárias federais. É um trise reconhecimento de que a política local falhou em equacionar a questão.

Mulheres a postos

Folha de S. Paulo

Alegação do Exército de que fisiologia feminina afeta o combate não tem respaldo

Para o Exército brasileiro, a fisiologia feminina compromete o desempenho de mulheres, razão pela qual certos postos de combate devem permanecer fechados a elas.

Esse arrazoado faz parte da documentação que o Exército apresentou à Advocacia Geral da União para embasar a posição do governo em ações diretas de inconstitucionalidade, em tramitação no Superior Tribunal federal, que contestam o veto a mulheres em algumas posições nas Forças Armadas.

A AGU acolheu a orientação e se manifestou contra a ampla concorrência feminina para a carreira militar —sem mencionar a fisiologia.

Contudo a experiência de nações da Otan e de outras como Austrália e Israel mostra que, de um modo geral, mulheres estão aptas a servir em funções de combate. Ressalte-se que são países cujas tropas participaram de guerras, algo que os militares brasileiros felizmente não fazem há mais de um século.

Ainda que se argumente que a força física é atributo essencial para determinadas posições, como tropas de assalto, vetar mulheres não constitui boa medida.

A seleção deve dar-se em bases individuais, não por categorias demográficas. É preciso estabelecer qual é o nível de força necessário e criar um teste físico para aferi-lo.

Nos EUA, esses exames seguem protocolos de modo que não apresentem viés contra as candidatas. Em 2020, o país ocupava a segunda posição na taxa de mulheres em efetivo militar entre os membros da Otan, com 18% —perdia somente para a Hungria (20%). No Brasil, o índice atual é de 10%.

Outros argumentos contrários incluem a coesão da tropa, que seria menor em grupos mistos, e até os custos, como a criação de banheiros e dormitórios femininos em submarinos, por exemplo.

A psicologia de grupo pode constar do treinamento dos soldados, assim como as áreas física e tática. Já os gastos em situações específicas podem de fato ser altos, mas cabe a cada país decidir se vale a pena arcar com eles. A maioria dos membros da Otan que operam com submarinos decidiu que vale.

A presença feminina também exige combate firme à violência sexual, que costuma ser maior entre militares do que entre civis.

Que fardados recorram à fisiologia das mulheres para negar-lhes acesso a certos postos é lamentável. Que a Advocacia Geral da União de um governo que se diz progressista e inclusivo respalde o veto é algo que demanda explicação.

Horizonte estreito

O Estado de S. Paulo

O programa de reindustrialização apresentado com fanfarra nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de 2026. Não é, portanto, um plano de Estado, mas de governo

O governo Lula da Silva reagiu à saraivada de críticas que o plano de reindustrialização recebeu nos últimos dias. Houve um evidente esforço para destacar as diferenças entre o programa atual e as iniciativas de gestões petistas anteriores, mas faltam muitas explicações sobre alguns dos principais pilares da proposta, como os requisitos de conteúdo local, as metas aspiracionais do Nova Indústria Brasil (NIB) e o papel que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assumirá nesse contexto.

Medidas que incentivem a compra e o uso de produtos e serviços fornecidos por empresas nacionais não são uma novidade no País. Ao contrário, já foram muito utilizadas na tentativa de estimular o desenvolvimento de novas empresas e empregos na cadeia do petróleo e na indústria naval. Eivadas de boas intenções, tais políticas quase nunca alcançam os resultados almejados e, na última década, tiveram consequências trágicas na economia e no mercado de trabalho do Rio de Janeiro.

Não por acaso, requisitos de conteúdo local geram muita apreensão na iniciativa privada e, inclusive, em parte do governo. Nesse sentido, a ausência dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, na cerimônia de apresentação do plano da proposta não passou despercebida.

Não foi o único recado interno. Em entrevista ao Estadão, o assessor especial do Ministério da Fazenda e coordenador da agenda verde dentro da equipe econômica, Rafael Dubeux, cobrou cautela na implementação dessa política e o estabelecimento de prazos para que um determinado segmento beneficiado pela medida alcance padrões de competitividade internacional. “Se não evolui nada, tem de descontinuar”, afirmou, ressaltando que apenas setores nos quais o País tem chance de disputar mercados externos deveriam ser considerados.

Há também muitas dúvidas sobre o caminho para alcançar as metas aspiracionais do plano até 2033. Entre os objetivos definidos no documento estão a obtenção de autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa; a produção nacional de 70% das necessidades do País na área de medicamentos, vacinas, dispositivos, materiais, insumos e tecnologias em saúde; e o suprimento de 95% do mercado agropecuário por máquinas e equipamentos de produção nacional.

Tão ambiciosas quanto pouco críveis, elas teriam sido a causa da irritação demonstrada pelo presidente Lula da Silva no anúncio do programa. Por isso, segundo o Estadão, foram retiradas da apresentação e do discurso do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin

Já o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon, negou que o Tesouro fará aportes à instituição financeira. Não explicou, no entanto, como a emissão de Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD) não afetará a política fiscal, uma vez que o banco pertence integralmente ao governo. Descartou, também, a possibilidade de o BNDES comprar ações de empresas, além da reedição da fracassada política de campeãs nacionais, mas disse que o banco lançará fundos para incentivar áreas “estratégicas” alinhadas às seis missões do plano.

Para o governo, as críticas ao plano são infundadas e vieram de especialistas que nem se deram ao trabalho de ler a proposta. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), é ainda pior: elas vêm de quem é contra o desenvolvimento do País. Reações como essas interditam um debate pertinente e que deveria ser feito com muito cuidado e com ampla participação da sociedade, haja vista o custo dos erros cometidos no passado recente na tentativa de impulsionar a indústria e a economia.

Políticas industriais bem-sucedidas no exterior priorizaram investimentos em pesquisa e inovação, o aumento da produtividade e o desenvolvimento de capital humano, a partir de áreas nas quais os países já tinham competitividade.

O programa de reindustrialização apresentado nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de 2026. Não é, portanto, um plano de Estado, mas de governo.

Aos 90 anos, a USP precisa avançar

O Estado de S. Paulo

Universidade brasileira que mais se aproxima das boas práticas globais, a USP compartilha com o sistema nacional do ensino superior as vulnerabilidades que impedem um progresso maior

Uma das heranças malditas do regime colonial no Brasil foi o atraso do ensino superior. As primeiras faculdades foram criadas só no século 19. Quando a primeira universidade foi fundada no Rio de Janeiro, em 1920, já havia 78 universidades nos EUA e 20 na América Latina.

Nascida há exatos 90 anos, a Universidade de São Paulo (USP) tem muito o que celebrar. Amparada pelo compromisso do Estado de São Paulo com o financiamento ao ensino superior, a USP foi pioneira na dedicação integral de docentes, na consolidação da pósgraduação e na autonomia financeira. Seria ocioso enumerar todas as suas conquistas. Basta lembrar que há décadas ela desfruta da reputação de melhor universidade do Brasil e uma das melhores da América Latina, figurando frequentemente como a melhor nos rankings internacionais.

Tudo isso é motivo de orgulho, mas não autoriza a complacência. Há um potencial inexplorado, e, se na América Latina as universidades brasileiras se destacam, a região está defasada em relação a países emergentes sobretudo na Ásia, como China, Coreia do Sul ou Índia. O Brasil é a segunda maior democracia do Ocidente e uma das dez maiores economias do mundo, mas está longe de ter uma universidade de “classe mundial”.

Nos sistemas internacionais de avaliação há um consenso sobre os fatores que determinam a excelência universitária: acima de tudo, ensino e pesquisa de qualidade, mas também competência das publicações, internacionalização, empregabilidade, sustentabilidade e eficiência institucional. No Brasil, a USP se destaca e tem avançado em todos estes aspectos. Mas ela também compartilha de vulnerabilidades do ecossistema do ensino superior nacional que refreiam esses avanços.

Nas últimas décadas, as políticas de ensino superior enfatizaram excessivamente a expansão, privilegiando critérios quantitativos, como o número total de publicações ou a dimensão institucional. Some-se a isso outra ênfase mais recente, na inclusão social, que, como apontou Simon Schwartzman numa análise em seu website sobre O Brasil no ranking internacional de universidades, “adquiriu uma prioridade quase absoluta nas políticas públicas de ensino superior, deixando em segundo plano a questão da excelência, que precisa voltar à agenda”.

Não que se deva abrir mão de estratégias de massificação e inclusão do ensino superior público. Mas o País precisa pensar em meios de canalizar recursos proporcionalmente maiores em um grupo minoritário de instituições de excelência em pesquisa, em oposição a um conjunto majoritário de instituições focadas no ensino e preparação ao mercado de trabalho, com custos menores. A Suécia, por exemplo, gasta US$ 20 mil por estudante nas universidades de excelência e US$ 7 mil nas universidades “pós-secundárias”. A concentração de recursos em universidades de ponta também explica os avanços asiáticos.

As universidades públicas padecem dos padrões de uma administração estatal centralizada e burocrática. Isso explica em parte por que são comparativamente baixas a atividade de inovação e a capacidade de obter recursos do setor produtivo, assim como a qualidade das pesquisas.

Um dos desafios estruturais que a USP precisa enfrentar é o seu tamanho. Instituições nos topos dos rankings são de tamanho médio para pequeno, com menos de 20 mil alunos. A USP tem quase 100 mil, e ainda é responsável por administrar entidades extra-acadêmicas, como hospitais ou museus. Esse gigantismo traz problemas crônicos de gestão, como orçamentos engessados e comprometidos pelo excesso de servidores administrativos. O corporativismo burocrático também prejudica o princípio do mérito. Relacionado a esse quadro, talvez o maior desafio da USP seja intensificar sua internacionalização. Embora ela tenha crescido nos últimos anos, ainda é comparativamente baixa.

Apesar de tudo, as políticas paulistas para o ensino superior são as que mais têm se aproximado das boas práticas internacionais, e os resultados são visíveis nos rankings globais. As universidades paulistas, puxadas pela USP, estão no caminho certo, e são um modelo para o País, mas podem e devem remover barreiras ao seu avanço e acelerar o passo.

Ideologia não tapa buraco

O Estado de S. Paulo

Lula menospreza os paulistanos ao tratar a eleição local como ‘terceiro turno’ contra Bolsonaro

Em entrevista recente à Rádio Metrópole, de Salvador (BA), o presidente Lula da Silva fez um novo movimento para tentar transformar a eleição para a Prefeitura de São Paulo em uma espécie de “terceiro turno” da eleição presidencial de 2022. O petista disse que considera a disputa na capital paulista “muito especial” para ele e para seu partido porque o pleito seria, em sua visão, a “confrontação direta entre o ex-presidente e o atual presidente; entre eu (sic) e a figura (Jair Bolsonaro)”.

Não bastasse ser interesseira, para não dizer mentirosa, a fala do presidente da República chega a ser ofensiva à inteligência e à sensibilidade dos quase 9 milhões de eleitores paulistanos. Lula os trata como sujeitos incapazes de pensar sobre os temas próprios da realidade local, aqueles que os afetam diretamente, para, diante da urna, decidirem seus votos motivados por sua rinha pessoal contra Bolsonaro – que está inelegível, convém lembrar.

É evidente que o ex-presidente também tem grande interesse em “nacionalizar”, como tem sido dito, a eleição municipal na maior cidade do País. Banido das disputas eleitorais até 2030, Bolsonaro se ampara em qualquer fiapo de oportunidade para mostrar que ainda tem relevância na vida política do País e disso extrair tanto quanto puder de benefícios pessoais.

Ou seja: reduzir os futuros candidatos à Prefeitura de São Paulo a meros coadjuvantes da guerra particular que travam entre si é do interesse apenas de Lula e de Bolsonaro, que não vivem um sem o outro. Para ambos, que se danem os interesses dos munícipes. Comportando-se dessa forma, um e outro revelam que não conhecem a fundo o eleitorado paulistano, que decerto terá sabedoria para não se deixar enganar por falsas questões.

O debate público na capital paulista será empobrecido se, ao fim e ao cabo, prevalecer essa tentativa de nacionalização da eleição municipal. A cidade tem uma série de problemas e oportunidades que devem estar no centro das discussões entre aqueles que pretendem governá-la a partir de 1.º de janeiro de 2025.

São Paulo está visivelmente malcuidada. Árvores e sinais de trânsito sucumbem aos primeiros pingos de chuva. Ruas mal iluminadas e mal pavimentadas sujeitam os cidadãos a riscos de toda ordem. As deficiências do transporte público atazanam a vida de milhões de pessoas que não querem nada além de sair para trabalhar ou se divertir e chegar em casa com tranquilidade. Há inúmeras vantagens em viver em uma metrópole como a capital paulista, mas também muitos problemas. Ideologia, como já dissemos, não resolve qualquer um deles. Lula e Bolsonaro podem falar o que quiserem, mas seus discursos não taparão buracos nem abrirão uma vaga sequer nas creches ou escolas da Prefeitura.

Os paulistanos terão uma bela oportunidade de mostrar que a polarização paralisante não é destino e que é possível desviar das armadilhas montadas pelos que querem levar o País a acreditar que seu futuro está ligado ao de quem quer dividi-los, movidos por interesses unicamente pessoais.

Mais eficiência e menos regalias

Correio Braziliense

Proposta do governo deverá chegar ao Congresso no início de fevereiro e está sustentada em três eixos: pessoal, digital e organizacional

O serviço público é, com frequência, alvo de críticas da sociedade. Ora por falta de pessoal, ora devido a um mau atendimento, ora pelo excesso de burocracia. Os motivos de insatisfação são os mais variados. O terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inovou ao criar a pasta de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a fim de reformatar o Estado brasileiro, que ainda guarda funções superadas pelos avanços tecnológicos e ressente-se de profissionais afinados com as exigências da modernidade dos diversos setores do conhecimento e com as demandas da sociedade.

Após um ano de avaliação e reestruturação de diferentes carreiras — segurança pública, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), analistas de tecnologia da informação e de política social —, a ministra Esther Dweck, doutora em economia, iniciou 2024 com o anúncio do primeiro concurso nacional unificado — o Enem do serviço público — para o preenchimento de 6.640 vagas, cujas provas serão aplicadas em 220 cidades ao mesmo tempo e para suprir a carência de profissionais dos ministérios e outros órgãos do Executivo.

Nos últimos oito anos, o Estado perdeu 70 mil profissionais, a maioria para a aposentadoria e outros atraídos pelas vantagens oferecidas pelo setor privado. A radiografia mostrou que o Executivo não está "inchado", como supõe boa parte da sociedade. Neste ano, para eliminar a carência de pessoal de todos os ministérios seriam necessários 84 mil servidores. O deficit foi parcialmente suprido com abertura de 9 mil vagas, exceto para a educação, no ano passado. O alto custo da máquina do Executivo se deve aos elevados salários, uma vez que a média da remuneração da grande maioria dos profissionais está em torno de R$ 10 mil.

A ministra Esther Dweck, em entrevista ao Correio, descarta a possibilidade de preencher o deficit de pessoal identificado no ano passado (70 mil). Ela admite que o Estado não tem de ser grande, mas "ter o tamanho necessário" para cumprir o seu principal papel, que é de servir a população, sendo eficaz, eficiente e ágil. O entendimento diverge da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, dispondo sobre a reforma administrativa. Na avaliação da gestora, a PEC, construída pelo governo passado, defende o enxugamento da máquina pública e tem um viés punitivo, do qual o atual governo discorda.

O Ministério da Gestão preparou uma proposta de reforma administrativa para ser apreciada pelo Congresso centrada em três grandes eixos e três princípios: pessoal, digital e organizacional. O documento deverá ser entregue ao Legislativo no próximo mês. Uma reforma restrita ao Executivo é muito pouco, considerando que as demandas por maior eficiência nos serviços públicos se estendem aos órgãos de todos os Poderes. Os contribuintes brasileiros bancam, por meio dos impostos recolhidos, mordomias usufruídas por concursados e não concursados dos Três Poderes, mas nem sempre têm o justo retorno por meio de serviços públicos de qualidade. É preciso que as mudanças ocorram sem distinção a fim de que haja mais inovação e eficiência, além de menos regalias e iniquidades.

 

 

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