Folha de S. Paulo
Dois novos discos sobre Carlos Lyra reafirmam
sua presença na aristocracia musical brasileira
Carlos Lyra, o mestre da bossa nova que nos deixou no dia 16 último, teve tempo de ouvir e se emocionar com "Afeto", o CD produzido pelo Sesc-SP (leiam-se Regina Oreiro e Danilo Miranda dos Santos), em homenagem aos seus 90 anos completados em maio. É um produto especial, com 14 faixas a cargo da aristocracia dos cantores brasileiros e do primeiro time dos músicos de hoje. Não há espaço para citá-los, mas, se o Brasil ainda é capaz de reunir tanta gente boa em um projeto, talvez possamos ser salvos.
A música de Carlos Lyra não despertava somente admiração —amor,
também. Quase todo o repertório de "Afeto" vem dos anos heroicos da
bossa nova, 1957-1965, em que, com canções em série, ele nos avassalava de
beleza. Uma das mais recentes é "E Era Copacabana", de 2005, com
letra de Joyce Moreno. Está entre as melhores letras que suas melodias
receberam e merecia ser gravada e regravada até se tornar um standard. O que
não acontecerá, porque o mercado já não comporta standards —hoje, cada nova
canção nasce e morre com seu próprio compositor-intérprete.
Outra homenagem de 2023 a Lyra é o instrumental "Bossa 65 - Celebrating Carlos
Lyra and Roberto Menescal", pelo pianista e compositor Antonio Adolfo, à
frente de um vibrante noneto. É uma celebração a dois autores de obra tão rica
e também ao samba-jazz, uma contribuição definitiva do Brasil ao repertório
universal nos anos 60 e que nós próprios, como sempre, abandonamos.
"Bossa 65" não existe fisicamente.
Só no streaming. No passado, Antonio Adolfo desafiou as gravadoras e fez os primeiros
discos brasileiros independentes. Na época, diziam que era loucura. Hoje todos
os discos, físicos ou não, são independentes. Ele estava certo: o que importa é
a música, venha de onde vier.
Das 17 canções de Carlos Lyra nos
dois discos, só duas se repetem. Mas o que ainda ficou dele para gravar é uma
loucura.
Muito bom.
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