O Globo
Atritos e falta de interlocução ameaçam tanto investimentos do PAC quanto pauta arrecadatória
O casamento entre o governo Lula e o
Congresso nunca foi convencional. Interesses mútuos ditaram uma lua de mel
pragmática, sem amor, que durou da PEC da Transição à reforma tributária.
Agora, a relação entrará numa nova fase na volta do recesso, e, por ora, os
sinais são de crise.
Arthur Lira precisava do governo para se
reeleger sem sustos. O governo precisava de Lira para colocar as promessas de
campanha de Lula no Orçamento de Bolsonaro. Esses foram os termos que ditaram a
união nada estável. O 8 de Janeiro acabou reforçando os laços que ainda eram
bem tênues. A governabilidade trôpega foi construída a partir desse pacto
fundador, e graças a ela foram aprovadas medidas como o marco fiscal e a
reforma tributária.
Mas para que os votos sejam renovados há algumas dificuldades adicionais. A começar pelo fato de a agenda do governo não ser única. Há o projeto de Fernando Haddad de colocar as contas públicas nos eixos aumentando a arrecadação, para o qual ele depende do Congresso. E existe a outra plataforma, de Lula e Rui Costa, que é fazer deslanchar o canteiro de obras, para a qual o governo e o Congresso competem por recursos na inflada coluna do gasto. Haja DR para compatibilizar tantos interesses dispersos.
O esperado veto a cerca de R$ 5 bilhões em
emendas ao Orçamento gestado na Casa Civil só ajuda a agravar a tensão que
antecede a volta dos trabalhos legislativos. E, diferentemente da relação que
existe com Haddad, a boa vontade com o time palaciano, Alexandre Padilha à
frente, é zero. Lula precisará reconstruir pessoalmente essa interlocução se
não quiser começar o ano com Câmara e Senado sentando em cima dos projetos do
Executivo para tocar uma agenda própria.
Um cacique do Parlamento recomendou a um
ministro que os integrantes dos governos sejam “comedidos com as palavras”,
porque o clima “não está legal”. Recado mais claro não poderia haver.
A obstrução, se vier, não deverá atingir a
regulamentação da reforma tributária, uma vez que é voz corrente no Legislativo
que esse nunca foi um projeto do governo Lula, visto como mero auxiliar na
aprovação da emenda. Portanto as leis complementares que detalham as mudanças
deverão ter prioridade. Mas a pauta arrecadatória de Haddad, ainda mais
contaminada pela forma considerada truculenta no envio da MP “4 em 1” na virada
do ano, corre mais riscos.
O ministro está decidido a defender, mesmo
diante da probabilidade grande de derrota, a tese segundo a qual alguns
benefícios tributários a grupos específicos não geram ganhos para toda a
sociedade. Para ter alguma chance de êxito, ainda que parcial, terá de voltar à
mesa de negociação disposto a ceder não só na forma, mas também no conteúdo,
algo de que ainda não está convencido.
O prazo para o governo desarmar as minas
terrestres nessa relação com o Congresso é mais curto: se concentra no primeiro
semestre, uma vez que o segundo será tomado pela campanha municipal e, já na
sequência, pela disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.
Lira e Rodrigo Pacheco farão de tudo para
exercer plenamente o poder nas Casas que comandam até as disputas ganharem
tração. Se isso depender de fincar posição e confrontar o governo para manter
coesos seus próprios grupos, não hesitarão.
É a essas nuances que o governo tem de estar
atento se não quiser abdicar cedo demais da definição de prioridades para o
país. Isso vale para a maratona arrecadatória de Haddad e para a sanha
gastadeira de Lula e Costa. Mesmo com sentidos contrários, os dois vetores do
governo não caminharão tentando impor na marra ao Congresso suas crenças e
necessidades. Isso já deveria ter ficado claro com a dinâmica de casamento
arranjado que vigorou em 2023.
Verdade.
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