O Globo
Necessidade de ter um canal permanente com o
Supremo para se blindar de derrotas no Congresso deixa até segurança pública em
segundo plano
Quando Jair Bolsonaro anunciou, orgulhoso,
que indicaria alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal
Federal, e quando, meses depois, cumpriu a promessa indicando seu então
ministro da Justiça, André Mendonça, o mundo caiu, com razão. Ser evangélico —
ou católico, espírita, agnóstico — não é condição para integrar a mais alta
Corte de Justiça do país.
Nesta quinta-feira, ao formalizar o que não deixa de ser uma triangulação não direta, com a ida de Flávio Dino para o STF e a “vinda” de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça, em seu lugar, meses depois de ele se aposentar do mesmo Supremo, Lula louvou o fato de ter mandado um político para a Corte, justamente a pecha que os adversários da indicação do maranhense mais combateram. De novo: não está naqueles atributos listados pela Constituição ser político, e a mistura de magistratura e política tem se mostrado bastante espinhosa nos últimos anos.
É espantoso que presidentes tão distintos
quanto Bolsonaro e Lula escancarem sem nem corar o cálculo de sobrevivência
política que fazem ao indicar ministros para o STF. As coisas eram ao menos
revestidas de uma camada de verniz bem maior nas passagens anteriores de Lula
pelo governo, e a atitude de alguns de seus nomeados no mensalão virou a
“explicação” para que o presidente, de volta ao posto, tenha passado a indicar
pessoas que lhe são próximas, e não apenas pelo tão démodé notório saber
jurídico.
Com isso estou negando que Flávio Dino,
Cristiano Zanin ou mesmo André Mendonça possuam o requisito? De forma alguma.
Só notando o óbvio: não foi isso que pesou em primeiro lugar para sua nomeação,
assim como se mandou às favas a reação, mesmo na comunidade jurídica ou em
setores da própria base social, no caso de Lula com o “tô nem aí” diante do
clamor pela nomeação de uma mulher.
A ideia de contar com o STF como um
ministério a mais, explicitada pelas escolhas recentes de ministros, também se
espraia para a escolha de Lewandowski para a Justiça. Sim, o ministro traz
consigo a respeitabilidade de quem vestiu a toga mais prestigiosa do país por
quase 20 anos, mas é para lá de inusual que quem tenha ocupado uma daquelas 11
cadeiras faça tão rapidamente a travessia da Praça dos Três Poderes e passe a
dar expediente no governo que outrora tinha a missão de julgar em diferentes
contextos.
Ao deixar claro que pretende contar com a
“sinergia” entre Justiça e Supremo — algo que uma aula rápida de semiótica
permite depreender só da foto em que juntou o ministro que entra e o que sai,
numa espécie de cumprimento de basquete —, Lula demonstra que sua prioridade na
sucessão da Justiça está em ter uma garantia para reverter ou se blindar de
derrotas no Congresso, e não a segunda atribuição da pasta, a espinhosa
Segurança Pública.
Toda a aposta de Dino e Ricardo Cappelli era
em que os serviços prestados nessa seara garantiriam ao número dois da pasta a
titularidade. Ficou evidente a frustração diante da escolha, mesmo com o
intensivão dos últimos dias, que incluiu uma batelada de entrevistas do próprio
secretário e do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, lembrando
realizações concretas em casos como o 8 de Janeiro e o inquérito da morte de
Marielle Franco.
Depois de ouvir argumentos que incluíam o
desmembramento da pasta em duas, Lula parece ter recuado alguns passos em
assumir a Segurança como bandeira de seu governo. Já escrevi a respeito: pesou
o argumento dos que veem nisso uma cilada, pois os governadores se apressariam
em jogar no colo do governo federal seus fracassos. Daí por que a opção por
Lewandowski, estranho nesse ninho, mostre que o foco passou a ser em ter na
porta giratória entre Justiça e STF a bola de segurança para desventuras no
Judiciário e no Congresso. Ecos do passado falando mais alto.
Jesus!
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