sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Vera Magalhães - Sem apaziguamento

O Globo

O que se busca a partir de agora é mostrar a cadeia de eventos que desaguou no dia 8 de janeiro, que nada teve de aleatória

Foi deflagrada ontem a 24ª fase da Operação Lesa-Pátria, mas na verdade o que se viu foi apenas o começo de uma etapa crucial das investigações em torno do 8 de Janeiro: a que pretende chegar aos idealizadores, incitadores, organizadores e financiadores da tentativa de provocar uma ruptura institucional por meio da baderna e da abolição da ordem democrática.

Nesse contexto, Carlos Jordy parece ser um peixe pequeno, mas capaz de levar a outros maiores. Assim como a Polícia Federal chegou ao nome do deputado bolsonarista por meio de um dos líderes de grupos que participaram dos atos do dia 8 de janeiro, a expectativa dos investigadores é que a quebra dos sigilos do parlamentar leve a outros nomes envolvidos na mentoria intelectual dos eventos.

Uma das estratégias intensificadas nos últimos meses pela extrema direita é tratar o que houve em Brasília naquele dia como uma espécie de catarse espontânea, sem comando nem objetivo definido. Parece que tem funcionado. Pesquisas realizadas por institutos como Atlas e Quaest mostram ser bem disseminada na sociedade a ideia de que, ainda que condenáveis, os atos não podem ser atribuídos concretamente a Jair Bolsonaro ou a seu grupo.

O fio que começou a ser desenrolado ontem leva à direção oposta. Alexandre de Moraes parece ter um mapa do que vem pela frente na cabeça. Ou não teria usado seu discurso na solenidade que marcou um ano dos ataques para dizer que paz e união não podem ser confundidas com impunidade, apaziguamento e esquecimento. Esses três parecem ser os objetivos nada velados da pregação segundo a qual os condenados, réus e investigados pela barbárie de 2023 são“perseguidos políticos”, e as penas excessivas.

O que se busca a partir de agora é mostrar a cadeia de eventos que desaguou no dia 8, que nada teve de aleatória. O fechamento de rodovias logo depois do segundo turno, como se confirma a partir da troca de mensagens dos envolvidos na nova etapa das apurações, já era fruto de intensa articulação de peixes miúdos, médios e graúdos. Se não, por que o suplente de vereador Carlos Victor de Carvalho escreveria ao “chefe” perguntando se deveria seguir adiante ou retroceder?

Da mesma forma, a queima de carros no dia da diplomação de Lula e o afluxo de ônibus no dia 7 de janeiro a Brasília, para engrossar um acampamento que se prolongava sem admoestação havia dois meses, não se deram por geração espontânea. Tudo isso requer premeditação, conexão entre grupos de diferentes estados, financiamento e grande poder de arregimentação de pessoas.

A saída de Bolsonaro do país, com todos os eventos que a antecederam e lhe sucederam, como o esquema pesado para venda de joias recebidas pelo governo brasileiro, também será um capítulo a ser relacionado ao que houve em janeiro. Não custa lembrar que a delação do tenente-coronel Mauro Cid ainda não é conhecida. As interceptações de seu telefone mostraram que ele era o porta-voz de apelos que vinham até de integrantes da ativa das Forças Armadas, para que Bolsonaro desse algum tipo de sinal para que os militares “agissem”.

Moraes parece ter adotado um ritmo mais lento nessa etapa, que requer provas robustas para não fomentar a tese de perseguição política do Supremo, que corre a pleno vapor nas ainda mobilizadas hostes bolsonaristas. Daí por que venha se amparando na parceria com PF e Ministério Público a cada novo passo que dá. E que não tenha decretado a prisão de Jordy, algo que muitos deputados apostavam que viria nas horas seguintes à busca e apreensão. Quer evitar novo embate com a cúpula da Câmara até ter elementos sólidos. Como ouvi de um envolvido nas investigações, o que se viu ontem foi só o “comecinho”.

 

2 comentários:

  1. "Uma das estratégias intensificadas nos últimos meses pela extrema direita é tratar o que houve em Brasília naquele dia como uma espécie de catarse espontânea, sem comando nem objetivo definido."
    Exatamente o que fez o filósofo bolsonarista Denis Rosenfield recentemente em sua coluna, inclusive neste blog. Segundo ele, não houve tentativa de golpe, eram apenas cidadãos patriotas revoltados... Na sua última coluna, uma semana depois das solenidades a respeito do 8/1, disfarçou e nem tocou mais no assunto, enquanto praticamente todos os outros colunistas opinavam sobre a tentativa de golpe ocorrida há 1 ano no Brasil.

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