O Globo
Grupos como o MBL só vicejam na confusão; sem
um presidente que dá ao público doses diárias de tumulto, as opções vão
escasseando
A revelação feita pelo ministro Alexandre de
Moraes da existência de exortações, em grupos bolsonaristas, a seu assassinato
mostra o grau de doutrinação extremista a que foram submetidos os seguidores do
ex-presidente mais predispostos à radicalização.
Um ano depois da explosão de insanidade
golpista de 8 de janeiro de 2023, com mais de 30 condenados e outros tantos em
julgamento, o que restou a essa extrema direita órfã de seu líder máximo, mas
ainda viciada em estímulos ao ódio à esquerda? Factoides como a ideia de fazer
uma CPI para investigar um religioso que dedica a vida a cuidar dos mais
pobres.
Difícil imaginar a instalação de uma forca em plena Praça dos Três Poderes, onde seria executado o presidente da Corte eleitoral. Mas a veiculação dessa ideia desarrazoada em grupos fechados de mensagens e no submundo das redes sociais tem a função justamente de destravar os instintos mais primitivos de uma turba alimentada a discurso de ódio em doses diárias ao menos desde 2017, quando o bolsonarismo surgiu mais claramente como movimento antipolítica em plataformas como o Facebook.
A pesquisadora Michele Prado pontua com
precisão que o uso da imagem da forca não é aleatório. O instrumento vem sendo
usado por extremistas, dos supremacistas brancos aos aceleracionistas, como
símbolo de justiçamento contra os impuros, os traidores — seja na questão
racial ou em temas como patriotismo. Não à toa, uma forca “cenográfica” foi
instalada do lado de fora do Capitólio norte-americano nos dias que antecederam
a invasão de 6 de janeiro de 2021.
Mandar Moraes “à forca”, ainda que
metaforicamente, era uma pregação condizente com o grau de mobilização insana
que se instilou ao longo de anos em pessoas capazes de deixar suas casas e suas
famílias, acampar em frente a quartéis por meses e acatar ordens para se enfiar
em ônibus, marchar a Brasília, quebrar tudo nas sedes dos Três Poderes e, ainda
assim, achar que não cometiam crime algum.
O ministro aponta corretamente o acerto de
medidas que trataram de cortar a correia de transmissão que os idealizadores do
8 de Janeiro tinham em mente: criar um clima de anomia tal no país, com focos
em vários estados, que justificasse alguma ação dos militares para tentar uma
ruptura institucional. Faltou combinar com vários “russos”, dos próprios
fardados aos governadores de oposição. Nesse ponto, há que louvar a pouca
inteligência dos nossos arremedos de Trump e seus “meninos orgulhosos” (sic).
Com os perpetradores do vandalismo
enjaulados, condenados, com os financiadores da tentativa de golpe em via de
encontrar o mesmo destino e com Bolsonaro inelegível em menos de um ano, o que
resta a quem foi levado à extrema direita por um misto de conspiracionismo,
negacionismo e desinformação? Tentar insistir na fórmula para manter a
clientela.
Grupos como o MBL e seus representantes só
vicejam na confusão. Sem um presidente que fornece ao público doses diárias de
tumulto, as opções vão escasseando. O Padre Júlio Lancellotti virou alvo da
turma há alguns anos. Agora, tenta-se arrastar a Câmara Municipal da maior
cidade do país, em pleno ano eleitoral e com problemas concretos aos borbotões,
para uma CPI que reúne em sua exposição de motivos doses cavalares de fake news
e perseguição política e religiosa. O que confere ao episódio, além de todo seu
caráter abjeto, também uma pontada de ironia: afinal, não seria o PT que, uma
vez eleito, perseguiria cristãos?
Moraes acerta quando aponta a urgência de
impedir que as redes sociais continuem a ser terra de ninguém na promoção de
lavagem cerebral e discurso de ódio. Com a punição exemplar aos que foram
adestrados para tentar um golpe canhestro, elas ainda dão vida à escumalha que
faz da tentativa de destruição de adversários a única forma de existência
política.
Excelente!
ResponderExcluirExatamente.
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