sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Vera Magalhães - Uma extrema direita que vive do caos

O Globo

Grupos como o MBL só vicejam na confusão; sem um presidente que dá ao público doses diárias de tumulto, as opções vão escasseando

A revelação feita pelo ministro Alexandre de Moraes da existência de exortações, em grupos bolsonaristas, a seu assassinato mostra o grau de doutrinação extremista a que foram submetidos os seguidores do ex-presidente mais predispostos à radicalização.

Um ano depois da explosão de insanidade golpista de 8 de janeiro de 2023, com mais de 30 condenados e outros tantos em julgamento, o que restou a essa extrema direita órfã de seu líder máximo, mas ainda viciada em estímulos ao ódio à esquerda? Factoides como a ideia de fazer uma CPI para investigar um religioso que dedica a vida a cuidar dos mais pobres.

Difícil imaginar a instalação de uma forca em plena Praça dos Três Poderes, onde seria executado o presidente da Corte eleitoral. Mas a veiculação dessa ideia desarrazoada em grupos fechados de mensagens e no submundo das redes sociais tem a função justamente de destravar os instintos mais primitivos de uma turba alimentada a discurso de ódio em doses diárias ao menos desde 2017, quando o bolsonarismo surgiu mais claramente como movimento antipolítica em plataformas como o Facebook.

A pesquisadora Michele Prado pontua com precisão que o uso da imagem da forca não é aleatório. O instrumento vem sendo usado por extremistas, dos supremacistas brancos aos aceleracionistas, como símbolo de justiçamento contra os impuros, os traidores — seja na questão racial ou em temas como patriotismo. Não à toa, uma forca “cenográfica” foi instalada do lado de fora do Capitólio norte-americano nos dias que antecederam a invasão de 6 de janeiro de 2021.

Mandar Moraes “à forca”, ainda que metaforicamente, era uma pregação condizente com o grau de mobilização insana que se instilou ao longo de anos em pessoas capazes de deixar suas casas e suas famílias, acampar em frente a quartéis por meses e acatar ordens para se enfiar em ônibus, marchar a Brasília, quebrar tudo nas sedes dos Três Poderes e, ainda assim, achar que não cometiam crime algum.

O ministro aponta corretamente o acerto de medidas que trataram de cortar a correia de transmissão que os idealizadores do 8 de Janeiro tinham em mente: criar um clima de anomia tal no país, com focos em vários estados, que justificasse alguma ação dos militares para tentar uma ruptura institucional. Faltou combinar com vários “russos”, dos próprios fardados aos governadores de oposição. Nesse ponto, há que louvar a pouca inteligência dos nossos arremedos de Trump e seus “meninos orgulhosos” (sic).

Com os perpetradores do vandalismo enjaulados, condenados, com os financiadores da tentativa de golpe em via de encontrar o mesmo destino e com Bolsonaro inelegível em menos de um ano, o que resta a quem foi levado à extrema direita por um misto de conspiracionismo, negacionismo e desinformação? Tentar insistir na fórmula para manter a clientela.

Grupos como o MBL e seus representantes só vicejam na confusão. Sem um presidente que fornece ao público doses diárias de tumulto, as opções vão escasseando. O Padre Júlio Lancellotti virou alvo da turma há alguns anos. Agora, tenta-se arrastar a Câmara Municipal da maior cidade do país, em pleno ano eleitoral e com problemas concretos aos borbotões, para uma CPI que reúne em sua exposição de motivos doses cavalares de fake news e perseguição política e religiosa. O que confere ao episódio, além de todo seu caráter abjeto, também uma pontada de ironia: afinal, não seria o PT que, uma vez eleito, perseguiria cristãos?

Moraes acerta quando aponta a urgência de impedir que as redes sociais continuem a ser terra de ninguém na promoção de lavagem cerebral e discurso de ódio. Com a punição exemplar aos que foram adestrados para tentar um golpe canhestro, elas ainda dão vida à escumalha que faz da tentativa de destruição de adversários a única forma de existência política.


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