quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Vera Rosa - O dia em que dona Marta do PT gritou

O Estado de S. Paulo

Ex-prefeita já mandou Maluf calar a boca e não tem perfil para vice decorativa

O debate estava tenso quando, de repente, um grito ecoou no auditório da TV Bandeirantes: “Cala a boca, Maluf!”. A “ordem” partiu da psicóloga Marta Suplicy, que, dias antes, havia ensaiado aquela forma impactante de interromper Paulo Maluf, seu adversário no segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo. Era outubro de 2000.

Durante a campanha, marqueteiros apresentavam Marta como uma mulher que não levava desaforo para casa. Mas pesquisas mostravam que São Paulo era uma capital conservadora. A estratégia foi traçada, então, para buscar um meio-termo, na tentativa de não colar o nome da candidata ao PT de Luiz Inácio Lula da Silva.

Maluf, que de bobo nunca teve nada, percebeu a tática e passou a chamar a rival de “Dona Marta do PT”. Chegava mesmo a aumentar o tom de sua voz anasalada ao pronunciar “do PT”, como se quisesse carimbá-la.

Vinte e três anos se passaram e, de lá para cá, muita coisa mudou na cena política. Dona Marta do PT nunca mais conseguiu se eleger prefeita de novo. Há quem diga que ela perdeu a identidade ao deixar as fileiras petistas, migrar para o MDB e fazer uma escala no Solidariedade.

Sondagens indicam, porém, que a maioria dos eleitores ainda acha que ela é do PT, partido para o qual retorna agora, após acordo construído por Lula para fazê-la vice da chapa encabeçada por Guilherme Boulos (PSOL) na corrida à Prefeitura.

Embora Marta tenha rompido com o PT há 9 anos, dizendo que a legenda era “protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção”, Lula se reconciliou com ela. O mesmo não se pode dizer de Dilma Rousseff, que não a perdoa por ter votado a favor do impeachment.

Em 2022, Marta apoiou Lula contra Jair Bolsonaro e foi anfitriã do almoço que selou a adesão de Simone Tebet (MDB) à campanha. O presidente quer reeditar agora aquela frente ampla porque mira 2026, quando pretende disputar a reeleição.

Fincar bandeiras em São Paulo é crucial para o jogo de Lula, principalmente depois que Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro, ganhou o governo do Estado. Desde 2012, o PT vem perdendo prefeitos: elegeu 635 naquele ano, quando Fernando Haddad chegou ao poder, com o apoio de Maluf. Em 2020, foram 179, nenhum em capital.

Marta pode ajudar a desconstruir preconceitos contra Boulos e, se ele vencer, não será vice decorativa. De qualquer forma, a campanha do prefeito Ricardo Nunes (MDB) fará tudo para imprimir na ex-secretária de Relações Internacionais a pecha de traidora. Mas Lula não liga: acha que a política é como nuvem, cada dia está de um jeito. E, nessas idas e vindas, o “Cala a boca” de hoje vira casamento com o Centrão amanhã. Ou não.

 

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