Folha de S. Paulo
Nas previsões, recessão seria bem menor que a
do Brasil de 2015-16 e PIB subiria em 2025
A Argentina passará
por um ano ruim de rearranjo econômico em 2024, mas o pior efeito colateral do
remédio passa logo. O doente levanta da cama já em 2025.
A julgar pelas previsões econômicas do final
de 2023, a economia argentina,
ou pelo menos o crescimento do PIB, não sofreria nem metade das dores da
desgraça que se abateu sobre o Brasil em 2015-2016, os anos da Grande Recessão.
No ano passado, o PIB argentino deve ter encolhido 1,4%. Nas estimativas de consultorias e outras instituições compiladas pelo Banco Central da Argentina (BCRA), o PIB cairia 2,6% neste 2024. Para os economistas do brasileiro Itaú, 2,5%. Em 2025, haveria crescimento em torno de 2,5%.
O ajuste teria saído muito barato. Na Grande
Recessão do Brasil, o PIB baixou 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016.
Como seria possível?
As previsões são o que sabemos —quase sempre
estarão erradas, embora algumas delas sejam úteis e seja inevitável fazer esse
trabalho. No caso argentino, a coisa é pior.
Além de um histórico de instabilidade que
apequena até uma bagunça como a brasileira, a Argentina padece agora de uma
também óbvia incerteza, que nos impede até de enxergar o mês que vem.
Estão sub judice dois pacotes imensos e
improvisados de medidas que viram do avesso não apenas a economia, mas os
códigos legais do país em várias áreas, com centenas de artigos.
No núcleo do pacote econômico, se é que dá
para enxergar o centro dessa nebulosa caótica, estão a redução a zero do
déficit nominal do governo central e a repressão braba de rendimentos do
trabalho (salários) e de benefícios sociais.
Déficit nominal: inclui as despesas primárias
(aposentadorias, servidores, investimento, sustento da máquina etc.) e a
despesa com juros.
Isso quer dizer zerar um déficit nominal equivalente a 5,2% do PIB (uns 3% de
primário e uns 2,2% da conta de juros). É brutal.
Trocando em miúdos ainda grossos significa
cortar uns 5% do total do gasto da Previdência, um terço dos subsídios (da
conta de luz, dos transportes etc.) e um quinto de outros benefícios sociais.
O restante da conta seria fechado com um
aumento de impostos de mais de 2% do PIB, isso em um ano de recessão.
Se os reajustes de benefícios sociais
perderem para a inflação, fica
mais fácil chegar ao déficit de fato zero. Vai custar o couro do povo comum,
"de la gente".
A inflação prevista para este 2024 é de 213%,
não muito diferente da registrada em 2023, segundo as estimativas compiladas
pelo BCRA.
Para que assim seja, é preciso que não
sobrevenha disparada adicional do dólar, que os preços e câmbio sejam contidos
mesmo com uma taxa real de juros negativa e que a feia repressão salarial
funcione —quer dizer, que os argentinos, na média, empobreçam com paciência.
Pode ser que, depois de tantos anos de
desgraça econômica, os argentinos padeçam quietos. Quem sabe? Por falar nisso,
há greve geral marcada para 24 de janeiro.
Excluído o desastre teratológico da
Venezuela, a Argentina disputa com Brasil e Equador o título de pior desempenho
econômico da década ou das duas últimas décadas na América do
Sul.
Entre 2013 e 2022, o PIB per capita argentino
baixou 4,9%, assim como o do Equador. O do Brasil caiu 2,4%. O da Colômbia
CRESCEU 21%; no Chile, 10,4%. No conturbado Peru, alta de 14,7%; no Uruguai,
mais 15,3%; no Paraguai, 18,9%.
Ou seja, mesmo que se confirme as previsões
que ora parecem otimistas de modo exótico ou exorbitantes, a Argentina partiria
de uma base baixa, de um fundo de poço, assim como começamos a sair de lá,
devagarzinho, no ano passado, ainda com lama acima do nariz.
De qualquer modo, se as previsões estiverem
certas, vai sair barato, repita-se. Parece muito improvável.
Pois é.
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