Folha de S. Paulo
Crítica foi precipitada e estereotipada; há
defeitos velhos e novidades interessantes
O
plano de reindustrialização de Lula 3 não é tudo isso que dele estão
dizendo. Em particular, não
é tudo isso de ruim, segundo a opinião mais comum do economista padrão,
"mainstream".
As reações ao anúncio do Nova Indústria Brasil
(NIB) foram estereotipadas. Pouca gente leu as 102 páginas muito resumidas do
projeto; pelo menos este jornalista não conhece quem seja capaz de avaliar o
conjunto de tantas providências relativas a aspectos diversos dos setores
público e privado.
Não se trata de reedição de políticas
de Lula 2
e Dilma 1. Quanto a dinheiro, por exemplo, não está previsto endividamento
exorbitante do governo a fim de inflar os fundos de empréstimo do BNDES.
O NIB terá recursos de uns R$ 300 bilhões em
quatro anos (2023-2026), dos quais R$ 250 bilhões em empréstimos do BNDES.
São R$ 62,5 bilhões por ano, menos do que os R$ 100 bilhões dos desembolsos anuais do banco de 2022 e 2023.
Uns outros R$ 10 bilhões por ano virão da
Finep, que gere o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
mero direcionamento, talvez, de dinheiro já previsto.
Em geral, ao menos na parte "nova"
do NIB, não se prevê a criação de setores econômicos por intervenção direta do
Estado ou escolha de empresas "campeãs nacionais" —o pior do
desenvolvimentismo nacionalista.
Sob Lula 2 e Dilma 1, o governo financiou a
criação de oligopólios, sem consideração de eficiência —o resultado foi o
contrário, quando não houve corrupção grossa. No caso do NIB, o setor privado
vai buscar o dinheiro, se quiser (em tese).
O NIB é um plano de metas de estímulo a
setores "estratégicos" e "inovadores" da economia por
meio de empréstimos a juros de pai para filho, ok, com dinheiro dedicado a
fundo perdido (ou por crédito) para pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
É auxiliado por muitos projetos interessantes
de melhorar a administração pública, a regulação, o diálogo público-privado e,
em menor escala, a formação de mão de obra.
No pacote foram incluídos programas já velhos
e, no formato atual, anacrônicos, como subsídios para montadoras e indústria
química. De intervenção direta, há iniciativas de ressuscitar fábricas de chips
e hemoderivados, até aqui fracassadas.
Há também metas esquisitas, como a de
nacionalizar a produção de máquinas agrícolas, embora não se preveja uma
Tratorbrás. Para formular a questão em termos bem simples: por que não importar
máquina boa e barata e gastar em outra coisa?
Há subsídios implícitos nas taxas de juros,
sim, mas uma fração pequena do que se dá à agricultura.
De alerta vermelho, há o plano de incentivar
empresas por meio de compras governamentais.
Isto é, o governo pode escolher pagar mais
caro em suas aquisições de bens e serviços desde que veja por aí uma
oportunidade de beneficiar tal e qual setor ou empresa de interesse potencial.
A hipótese já estava prevista na lei de licitações de 2021, que precisa de
regulamentação (olha o lobby aí).
É óbvio que a ideia embute ao menos de início
uma ineficiência (paga-se mais caro), que em tese viria a ser compensada pelo
desenvolvimento de empresa ou setor que inove ou que nacionalize a produção, no
futuro mais eficiente.
Como saber se vai dar certo? Quem vai medir?
Outro risco óbvio é o de corrupção na escolha de fornecedores.
O risco dos empréstimos baratos do BNDES é o
de sempre. Primeiro, o dinheiro pode ir para empresas que investiriam de
qualquer modo e se aproveitam da oportunidade para reduzir o custo de capital
(Lula 2 e Dilma 1).
Segundo, se o dinheiro chegar "a quem
precisa" (empresa menor e/ou inovadora), é problema saber se essas firmas
farão investimento mais eficiente.
Um problema básico de qualquer política
industrial é saber se esse dinheiro dirigido vai criar negócios com retornos
totais (para a economia, para a sociedade) importantes e produtivos, os quais,
por falhas de mercado ou coordenação, não existiriam sem a mão do Estado.
Se não for esse o caso, resta a questão de
como desmamar a empresa ou setor, politicamente muito difícil. O plano é
enorme; uma mera introdução exige várias destas colunas, que voltarão ao
assunto.
Pois é.
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