O Estado de S. Paulo
Está criada para Jair Bolsonaro a obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação. Não há como esquecer os eventos que o envolvem direta ou indiretamente
O ex-presidente Jair Bolsonaro teria dito:
“Me esqueçam, já tem outro governando o País”. Imitou o também ex-mandatário
João Figueiredo, quando, 40 anos atrás, pediu que o esquecessem. Ambos apelaram
para o esquecimento, não desejavam ser lembrados. Talvez soubessem que boas
lembranças deles não se teria. Não importam as razões desse desejo. Elas são
pessoais, absolutamente subjetivas.
No entanto, há uma diferença marcante entre
os dois que nos impede de esquecer o último deles a deixar o comando do Brasil:
ele tentou, segundo fortíssimos indícios, destruir a democracia. O outro passou
para a História como responsável pela chamada abertura democrática. Ambos com a
mesma origem, mas Figueiredo, talvez premido por circunstâncias impositivas,
tomou o caminho da legalidade institucional.
Os fatos já em parte revelados exigem uma
apuração meticulosa e abrangente para determinar as responsabilidades criminais
dos envolvidos.
São eventos que não podem ser olvidados, assim como os seus protagonistas não podem ficar à margem da lei, esquecidos.
Nós, advogados criminais, sabemos que no
início das investigações, quando ainda não se conhece por completo o quadro
probatório, para certos casos a estratégia é simplesmente o acusado negar a
autoria ou se manter em silêncio. Pode usar evasivas, alegar uma amnésia
temporária, seletiva. Essa tática se justifica sob o aspecto jurídico, pois o
suspeito não conhece os fatos colhidos ou a colher contra si, não podendo,
pois, contestálos ou até afirmá-los. Há um preceito universal que reza não
estar ninguém obrigado a fazer prova contra si. Essa é a base do direito
outorgado ao acusado de ficar em silêncio ou de só depor com pleno conhecimento
dos elementos probatórios existentes.
No entanto, é diversa a situação do
ex-presidente. Ao analisar as circunstâncias amplamente divulgadas de uma
articulação engendrada no ambiente íntimo do Planalto, que se estendeu para
outras plagas, verifica-se que foram armazenadas informações suficientes para
formar um painel indiciário e, mesmo, probatório suficiente para um juízo de
certeza quanto à ocorrência dos eventos.
Esta articulação, pelo que foi revelado,
atingiu as altas esferas governamentais, incluindo gabinetes militares, mas não
sensibilizou os quartéis.
Assim sendo, em relação a alguns fatos
comprovados, não há como o investigado mor, a quem as armações golpistas
beneficiariam, limitarse a afirmar estar sendo vítima de perseguição e que as
imputações são invencionices. Há evidências de que ao menos ele tinha plena
ciência das manobras pré-golpistas. Caso ele não esclareça alguns dados
concretos, especialmente aqueles registrados em mensagens e em vídeos,
crescerão as suspeitas de sua conivência com a tentativa de ruptura
institucional.
Está, pois, criada para Jair Bolsonaro a
obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação. Não há como esquecer
os eventos que o envolvem direta ou indiretamente.
O seu dever para com o povo tem origem nos
pleitos eleitorais que disputou, pois com eles criou um vínculo que não pode
ser rompido pelo silêncio com os seus eleitores e mesmo com a parcela que não o
apoiou, afinal ele foi o presidente da República. O País exige uma posição
clara, esclarecedora e verdadeira. Não falar ou apenas negar constitui um
deboche, podendo até parecer reconhecimento de culpa. Caso a queira admitir,
que o faça explicitamente. Caso continue a negar, que justifique as evidências
e esclareça as dúvidas.
Não pode continuar a se dizer vítima de uma
implacável perseguição. Este seu posicionamento está criando uma grave
consequência. Poderá aumentar o clima de discórdia implantado por ele mesmo no
seio da sociedade. Embora muitos de seus decepcionados correligionários viram o
mito se desfazer, tantos outros não. Estes ainda creem no Messias e aderem à
sua ladainha persecutória. Nesse ponto reside o mal, pois estes seus
seguidores, tomados pela intolerância raivosa e até pelo ódio, fazem uma
irracional defesa do grande guia, pois entendem estar ele a caminho do
calvário.
Este segmento acometido pela cegueira não só
verbaliza a sua ira feroz, como já a transmitiu por ações concretas, como se
viu em 8 de janeiro do ano passado, em alguns episódios isolados e que poderão
se repetir com intensidade em face da crença de que o mártir está sendo
sacrificado.
Talvez não seja uma utopia, um devaneio
piegas e pueril esperar que, em face da gravidade de sua situação pessoal, mude
de discurso e de atitude e sinalize para a concórdia nacional, acalme os seus
furiosos e reconheça os seus erros.
De qualquer forma, independentemente de sua
atitude, a ele deve ser garantido o pleno exercício do sagrado direito de
defesa. Mas não deve ser atendido o seu desejo ao esquecimento, pois isso
equivaleria a esquecer os desassossegos, as intranquilidades e reais
padecimentos impostos ao povo e à Nação. Equivaleria a que se renunciasse à
justiça que deve ser realizada e deve prevalecer. •
*Advogado
PERFEITO!
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