quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco – Borracha no passado

O Globo

Jair Bolsonaro convocou sua tropa para mostrar força e tentar barganhar uma anistia. Três dias depois de silenciar na Polícia Federal, o capitão abriu o bico na Avenida Paulista.

Seu apelo foi explícito: “O que eu busco é a pacificação. É passar uma borracha no passado. É buscar maneiras de nós vivermos em paz. É não continuarmos sobressaltados”.

De volta ao palanque, o ex-presidente falou em “conciliação” e “anistia para aqueles pobres coitados que estão presos”. Na prática, quer um acordão para proteger aliados e salvar a própria pele.

O comício de domingo provou que Bolsonaro ainda tem capacidade de mobilização. Derrotado nas urnas e declarado inelegível, ele mantém a condição de líder inconteste da direita.

Isso explica a presença dos governadores de São Paulo, Minas e Goiás, todos interessados em herdar seus votos em 2026. O governador do Rio, mais preocupado em fugir da polícia, escapuliu para Portugal.

O capitão conseguiu a foto que buscava. Para seu azar, a imagem não deve comover os ministros do Supremo. Na tentativa de se defender, ele ainda se complicou ao citar a minuta de golpe que escondia na gaveta.

Alegou que o estado de sítio está previsto na Constituição, o que é uma meia-verdade. A Carta só autoriza a medida em casos extremos: declaração de guerra, agressão armada estrangeira ou “comoção grave de repercussão nacional”. O presidente não pode fechar o regime porque o povo resolveu votar em outro candidato.

Ao clamar por anistia, Bolsonaro deixou claro que não tem muita esperança de ser absolvido. Quer que a Justiça ignore os autos e esqueça o que ele fez. “Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil”, afirmou.

Desde a proclamação da República, o país se especializou em perdoar militares que se envolveram em quarteladas. O professor Paulo Ribeiro da Cunha contabilizou 48 anistias a partir de 1895, quando o presidente Prudente de Morais indultou os rebeldes da Revolução Federalista.

Em nome da conciliação, estimulou-se a permanência do golpismo na caserna. Ao pregar a “borracha no passado”, o capitão tenta restaurar essa cultura de impunidade fardada. Em causa própria.

 

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