quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco - Netanyahu não quer desculpas de Lula

O Globo

Declaração de presidente brasileiro sobre Holocausto presenteou governo de Israel com a miragem de um inimigo externo

Lula errou ao citar o Holocausto em declaração sobre a matança de palestinos em Gaza. O nazismo escreveu um capítulo único na história da desumanidade. Não é preciso invocar o extermínio de 6 milhões de judeus para criticar as práticas do governo de Israel.

A crise poderia ter sido contornada com uma retratação rápida. Isso não ocorreu, e agora o caminho foi bloqueado pela reação de Benjamin Netanyahu e seu gabinete de extrema direita.

Ainda no domingo, o premiê israelense disse que as palavras de Lula eram “vergonhosas e graves” e apelou ao acusar o brasileiro de “tentar prejudicar o povo judeu”. Até aí, era chumbo trocado entre dois políticos que não podem ser acusados de inexperiência.

A situação se agravou após o governo israelense convocar o embaixador do Brasil em Tel Aviv. A reunião se revelou uma armadilha. Em vez de ouvir queixas, o diplomata Frederico Meyer foi submetido a um ritual de humilhação.

Numa quebra de protocolo, o brasileiro foi levado ao Museu do Holocausto, onde o ministro Israel Katz fez uma imprecação contra Lula em hebraico. O chanceler usava um microfone na lapela, uma evidência de que planejou a cena para causar barulho nas redes.

Sem repetir o espetáculo, o Itamaraty avisou ao embaixador israelense que Lula não pediria desculpas. Tel Aviv dobrou a aposta na radicalização. Um perfil oficial do governo acusou Lula de negar o Holocausto, o que não aconteceu, e o ministro Katz afirmou que a fala do presidente foi “um cuspe no rosto dos judeus brasileiros”. Declarações “inaceitáveis e mentirosas”, reagiu ontem à noite o chanceler Mauro Vieira.

Não é difícil constatar que Lula tem menos a ganhar com o imbróglio do que Netanyahu. No front externo, o presidente prejudicou sua pretensão de se apresentar como mediador de conflitos. No interno, sua incontinência verbal deu munição para os bolsonaristas saírem da defensiva. A deputada Carla Zambelli lançou o factoide de um pedido de impeachment por “ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra”.

Questionado em seu próprio país, Netanyahu se viu presenteado com a miragem de um inimigo externo. Para ele, esticar a crise é muito mais útil que ouvir um pedido de desculpas.

 

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