Folha de S. Paulo
Tentativa promovida pelo então presidente foi
um processo e não se resume a um ato singular
No dia 12 de fevereiro, Joel
Pinheiro da Fonseca, colunista da Folha que também escreve nesta seção, publicou
um texto intitulado "Bolsonaro
tentou ou só planejou o golpe?". Em seu entendimento, Bolsonaro teria
apenas planejado, mas não tentado dar um golpe. O que confirmaria a tentativa
seria a emissão do decreto golpista, preparado por Bolsonaro e
seus assessores, o que não ocorreu.
Para Fonseca, "considerar uma reunião
para combinar um golpe como sendo parte da execução do golpe parece uma
interpretação bem exagerada e feita sob medida para condenar o alvo".
Então, conclui que não seria possível punir Bolsonaro, pois a lei pune apenas a
tentativa de golpe, e não seu planejamento.
No entanto, a tentativa de golpe promovida pelo então presidente e seus assessores e apoiadores em altos escalões foi um processo. Não se resume a um ato singular. Assim, a emissão do decreto pode ser interpretada como um passo decisivo neste processo ou como o próprio golpe em si. O "roteiro golpista", ou o "planejamento", como aponta Fonseca, já havia deixado o plano das ideias havia muito tempo. A referida reunião é justamente parte do processo golpista, e não um planejamento anterior.
Inúmeras ações em prol do golpe já haviam
sido tomadas previamente, e, inclusive, continuaram a ser realizadas a despeito
da pressão sofrida dentro e fora do país contra seu nítido caráter de atentado
contra a democracia. Esse é exatamente o significado de tentar: empenhar-se em
prol de um objetivo, inclusive sob condições adversas.
O articulista aponta ainda que, mesmo que
fosse comprovada a tentativa de golpe, a lei condena apenas tentativas
ocorridas mediante grave ameaça ou violência. Em sua visão, porém, a ideia de
grave ameaça parece valer apenas para pessoas, o que não faz sentido. Afinal,
não se trata de um crime comum, e sim de um golpe de Estado.
Em abril de 2021, Bolsonaro afirmou que só
deixaria a Presidência se morresse. Um mês depois, no dia 6 de maio, declarou
em uma live: "Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem
falar mais nada. (...) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a
eleição. Acho que o recado está dado".
Em julho do mesmo ano, em um protesto,
comparou seus eleitores a um Exército e disse que "eleições que
não sejam limpas não são eleições". Duas semanas após a proposta
de impressão do voto ter sido rejeitada pelo Congresso, em agosto de
2021, Bolsonaro declarou que só
tinha três opções possíveis para o futuro: morte, prisão ou vitória. Todas
estas afirmações são graves ameaças à democracia. Reiteradas mês após mês.
Finalmente, Fonseca argumenta que o ministro
do STF, Alexandre
de Moraes, não teria sofrido grave ameaça pois não sabia que era
monitorado. Em seu entendimento, "a grave ameaça depende da vítima saber
que é ameaçada, de modo a mudar sua conduta por medo".
Mas então o que dizer da declaração de
Bolsonaro, perante milhares de apoiadores no dia 7 de setembro, de que não
cumpriria mais qualquer decisão de Moraes, vociferando: "Tem tempo ainda
de arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de
Moraes. Deixa de ser canalha"? Felizmente, Moraes não alterou sua conduta
por medo.
*Doutora em ciência política pela USP e
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
Excelente resposta ao ridículo artigo de Joel Fonseca. Joel frequentemente quer se mostrar diferente, com fracas argumentações, como neste caso.
ResponderExcluirEu gosto muito do Joel Pinheiro,mas nessa ele bobeou.
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