sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

César Felício - Enfim, o grande acordo nacional

Valor Econômico

Presença do ex-presidente Fernando Collor à posse de Ricardo Lewandowski foi um símbolo do vigor do establishment político depois do vendaval da Lava-Jato

A presença do ex-presidente Fernando Collor no Palácio do Planalto na manhã dessa quinta, durante a posse de Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça, em linha reta diante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nada teve de anormal. Pelo contrário, foi um símbolo do vigor do establishment político depois do vendaval da Lava-Jato.

Collor não recebeu a deferência de ser citado na cerimônia, como foi seu antecessor, José Sarney, mas lá estava na primeira fila, a mesma em que se sentavam os ministros do Supremo Tribunal Federal que começam a julgar a partir do dia 9 o embargo de declaração que o ex-presidente apresentou contra sua condenação a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva, no âmbito da Operação Lava-Jato. A situação jurídica do ex-presidente é delicada, mas o ambiente político lhe é favorável.

O julgamento, virtual, deve se encerrar antes da posse de Flávio Dino, agora ex-ministro da Justiça, no STF, a casa de Lewandowski até abril do ano passado. Muitos titulares da Justiça já foram para o Supremo no passado, e uns poucos aposentados da suprema corte foram para o governo, mas esse movimento nunca havia acontecido simultaneamente. A harmonia entre Judiciário e Executivo parece ter atingido um de seus níveis mais altos.

Dentro em breve, provavelmente ainda este mês, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), símbolo maior da operação que condenou Collor, tem um encontro marcado com seu destino. O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná irá julgar as ações do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro e da coligação do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que buscam a cassação do seu mandato por abuso do poder econômico. Cabe a Lula indicar um dos integrantes do TRE que irá julgar seu antigo julgador. Situação jurídica delicada, ambiente desfavorável.

A maré em Brasília é a de reescrever a história. Ainda nessa quinta-feira, o ministro do STF Dias Toffoli determinou a suspensão do pagamento das multas da Odebrecht, aliás Novonor, no âmbito do acordo de leniência firmado com a Lava-Jato. Decisão previsível, uma vez que em setembro do ano passado Toffoli declarou como imprestáveis as provas que embasaram o acordo.

Uma nova renegociação deve acontecer depois que a empresa tiver acesso ao acervo da Operação Spoofing, em que estão as mensagens comprometedoras trocadas por Moro e integrantes da extinta força-tarefa. O caso envolvendo a empresa já foi classificado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como “o maior caso de suborno da história”. Mas para Lula a versão é outra: “Tudo o que aconteceu nesse país foi uma mancomunação entre alguns juízes desse país e alguns procuradores desse país subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos que nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras ”, disse há duas semanas.

Quem via a cena de hoje percebe uma distância no tempo inacreditável entre fevereiro de 2024 e aquele março de 2016 em que Lula foi flagrado em uma conversa (irregularmente gravada pela Polícia Federal e divulgada por Moro, é bom que se frise) com a então presidente Dilma Rousseff.

Na conversa, Lula se exasperava: “Nós temos um Supremo totalmente acovardado, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos últimos tempos é que o PT e o PCdoB é que acordaram e começaram a brigar. Nós temos um presidente da Câmara f..., um presidente do Senado f..., não sei quanto parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar”.

Ninguém se salvou no curto prazo, todo mundo se salvou no longo prazo, ou está prestes a se salvar. O Supremo Tribunal Federal definitivamente não está acovardado e a cena dessa quinta, em que depois de empossar um ex-ministro do STF Lula compareceu à abertura do ano do Judiciário diante da República em peso, se explica porque entre o assombro de 2016 e a acomodação de 2024 apareceu o hacker de Araraquara. Houve também a reação contra a ameaça da ruptura. E a constatação que lavajatismo e bolsonarismo se irmanaram.

O ex-presidente Jair Bolsonaro representou do início ao fim de sua passagem pelo poder um risco permanente de golpe contra as instituições, por episódios já exaustivamente expostos. O risco era tão grande que voltou-se contra o próprio Moro, que saiu do Ministério da Justiça em 2020 denunciando o aparelhamento político da Polícia Federal. Bolsonaro queria enfiar goela abaixo de Moro o nome de Alexandre Ramagem para o comando da PF, o mesmo Ramagem investigado por aparelhar a Abin, alvo do inquérito comandado por Alexandre Moraes na semana passada.

A decisão de Moro de integrar o governo passado, depois de ter condenado o então líder das pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2018, foi de caráter pessoal. Foi um de seus muitos gestos, sempre marcados pela ruptura de compromissos, que o levaram de juiz a auxiliar de Bolsonaro, consultor de uma empresa privada, presidenciável por um partido e senador por outro,

O senador e ex-ministro nunca reconheceu erro ao largar a magistratura, mas não há muitas dúvidas de que sua trajetória deu lastro para a consagração da tese de “lawfare” desenvolvida pelo advogado Cristiano Zanin, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.

 

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