O Globo
A fuga de dois presos da penitenciária
federal de segurança máxima de Mossoró expôs uma nova modalidade de
delinquência organizada no mercado de serviços e venda de equipamentos para o
aparelho de segurança do Estado brasileiro.
O presídio não tinha muros, o teto das celas
não tinha reforço de concreto, as câmeras de segurança estavam cegas, havia um
alicate no caminho dos bandidos, e com ele cortaram o alambrado. Esse era o
mundo real.
Ele se contrapõe a outro, o das fantasias
oficiais. Os presídios federais estão equipados para o século XXII. Têm redes
de câmeras que transmitem imagens para a vigilância local e também para uma
central de Brasília; isso e mais aparelhos de raios X, detectores de metais e
body scans para inspeções. Se alguém escapar será perseguido por helicópteros e
drones.
Não existe uma estatística de quanto a Viúva gastou em equipamentos futuristas federais e estaduais, mas, por baixo, é coisa de bilhões de reais. Essas cifras alimentam mirabolâncias.
Quando os dois presos fugiram de Mossoró,
pelo menos 160 câmeras estavam quebradas ou funcionavam mal. Presídio sem muro,
porém equipado com traquitanas, deriva de diversos fatores. Equipamentos
produzem publicidade modernosa. Após a fuga de Mossoró, falou-se na compra de
mais uma geringonça, para reconhecimento facial.
Muro é coisa relativamente barata e não exige
manutenção regular. As câmeras, como todos os badulaques, custam caro e
demandam manutenção. Em São Paulo, por exemplo, elas custaram R$ 120 milhões, e
a assistência técnica sai por R$ 19,8 milhões mensais. (Em um ano o fornecedor
ganha com a assistência o dobro do que faturou com a venda dos aparelhos.) Nas
operações da PM paulista, já morreram 32 pessoas e não há notícia de câmera que
tenha registrado algum confronto. Revista diária das celas em Mossoró, como manda
o protocolo, nem pensar.
Os repórteres André Shalders, Vinícius Valfré
e Tácio Lorran revelaram que a empresa R7 Facilities, contratada para fazer
obras na penitenciária de Mossoró, teve um sócio-administrador que recebeu
auxílio emergencial durante a pandemia e funcionava numa casa da periferia de
Brasília. Ela hoje tem pelo menos 47 contratos com o governo federal, no valor
de R$ 357 milhões, dos quais R$ 305 milhões foram assinados com o atual
governo.
A ordem pública precisa de forças policiais
disciplinadas. Em São Paulo, onde está o maior aparelho de segurança do país, a
população assiste a uma saia justa entre os coronéis da PM e o secretário de
Segurança. Isso no andar de cima. No de baixo, um PM destruiu a câmera de uma
comunidade e foi filmado.
Ministro folião
O ministro Kassio Nunes Marques é um folião
aplicado. No último carnaval esteve em Salvador, de onde voou para o Rio e
assistiu ao desfile de segunda-feira no camarote Arpoador. Hospedou-se no
Fasano e moveu-se naquilo que chamou de “nosso aviãozinho”.
Na segunda-feira desfilou a Mocidade
Independente, cujo patrono é o contraventor Rogério Andrade. Em agosto de 2022,
Nunes Marques revogou a prisão preventiva de Andrade, em decisão confirmada por
seus colegas da segunda turma do STF. O sobrinho do falecido Castor de Andrade
não pôde desfilar com sua tornozeleira eletrônica. Contentou-se vendo Fabíola,
sua mulher, passar pela Sapucaí como rainha da bateria.
Molecagem diplomática
Israel Katz, o ministro das Relações
Exteriores de Israel, fez uma molecagem com o embaixador brasileiro Frederico
Meyer levando-o para o Museu do Holocausto para ouvir uma reprimenda pública em
hebraico, sem intérprete. Moleques não são necessariamente mentirosos, mas Katz
acumula as qualificações. Disse que havia intérprete na cena, quando não havia.
Israel já teve tradição diplomática, quando
seu chanceler era Abba Eban (1966-1974). Faz tempo que se desqualificou, com
embaixadores malcriados e, num caso, com otras cositas más.
Depois da palhaçada de Katz, o chanceler
Mauro Vieira recebeu o embaixador Daniel Zonshine e perguntou-lhe se precisava
de intérprete.
Caso o doutor Zonshine não tenha percebido,
era um tapa com luva de pelica, dado por um profissional.
O chanceler israelense entrou na galeria de
comediantes diplomáticos celebrizados pelo ditador boliviano Mariano Melgarejo
no século XIX e pelo ugandense Idi Amin Dada no XX. Um botou o embaixador
inglês para desfilar nu, montado num burro; o outro fez-se carregar numa
cadeira, levada por quatro empresários ingleses.
Uma girafa para o cardeal
D. Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São
Paulo, padece na defesa de causas inglórias. Em 2013, foi um dos cotados para a
sucessão de Bento XVI e perdeu gás depois de defender a administração do banco
do Vaticano. Agora, além dos casos que tem sobre a mesa, chegou-lhe o do padre
José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese de Osasco. Ele caiu na rede da
Polícia Federal por assessorar a infantaria do golpe, indo inclusive ao Palácio
do Planalto para conversar com pequenos demônios. Esse padre se recusa a fornecer
a senha do seu celular em nome de um “sigilo sacerdotal”.
Tremenda girafa. Os padres ouvem confissões
em situações específicas e estão obrigados a preservar esse sigilo. Usando o
celular, o sacerdote é assinante de um serviço regulado por leis. Admitindo-se
que a girafa entre no zoológico da Justiça brasileira, como ficam os aparelhos
de servidores de outras denominações religiosas?
A joia do polo naval foi a pique
Os deuses não perdoam. Um mês depois de o
presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciar que “nós precisamos fazer
navios, já fizemos”, o administrador da Sete Brasil, uma das joias da coroa do
polo naval de Dilma Rousseff, pediu à Justiça que declare a falência da
empresa. Se desse certo, ela fabricaria 26 navios-sonda para a Petrobras.
Desde o século XVII o Brasil sabe fazer
navios. O que os governos não sabem, desde o século passado, é contar como
foram a pique três polos navais, com enormes prejuízos para a Viúva.
O doutor Mercadante poderia designar uma
pequena equipe de economistas e advogados para contar ao público porque a Sete
Brasil faliu, com um espeto final de pelo menos R$ 1 bilhão. Além da Viúva,
dançaram bancos e fundos de pensão de estatais, do FGTS e estaleiros que
entraram na aventura para ganhar algum dinheiro e agradar amigos de Brasília.
Falava-se em investimentos da ordem de R$ 20 bilhões. Em 2016 a empresa entrou
em recuperação judicial devendo R$ 28 bilhões.
Quando a Operação Lava-Jato bateu na
Petrobras, o ladravaz que ajudou a conceber a empresa confessou ter recebido
US$ 97 milhões em propinas. Nos arquivos do Judiciário há mais de uma dezena de
confissões em que vão contadas as roubalheiras do episódio.
Há brasileiros que sabem fazer navios e espertalhões que sabem enriquecer com polos navais que produzem mais milionários do que embarcações. Estes esperam sempre pela próxima rodada.
Pois é.
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