Valor Econômico
Ideia é que, ao detectar um erro, multa não seja aplicada imediatamente, mas que se dê à empreza um prazo para se autorregularizar
Ao assumir a Presidência da República,
Fernando Collor de Mello (1990-1992) colocou no comando da Receita Federal o
delegado Romeu Tuma, conhecido do grande público por sua midiática passagem no
comando da Polícia Federal. O que se viu nos primeiros meses de sua gestão, sem
que tivesse havido elevação de alíquotas, foi um aumento da arrecadação. Na
época, os fiscais chamaram o fenômeno de “efeito Tuma”: temerosos de serem
flagrados em alguma irregularidade, os contribuintes acharam melhor andar na
linha e pagar todos os impostos.
Na época, o leão simbolizava o órgão público.
A presença ameaçadora buscava aumentar, no imaginário da população, a percepção
do risco de ser flagrado pela fiscalização.
Há duas semanas, o governo anunciou o envio ao Congresso Nacional de um projeto de lei que pretende mudar o relacionamento entre o fisco e os contribuintes. Sai o leão, entra uma pegada ASG (ambiental, social e governança).
Por exemplo: ao detectar um erro, o fiscal
não irá aplicar a multa de 75%, como é habitual. Vai orientar a empresa e dar a
ela um prazo para se autorregularizar.
O programa é mais amplo. Empresas com bom
histórico pagarão menos impostos e terão preferência em licitações públicas,
por exemplo.
Apesar do contraste com a tradicional imagem
da Receita no Brasil, essa abordagem já existe em outros países, como a Suíça,
a Alemanha e os Estados Unidos.
Ao anunciar o programa, o secretário da
Receita Federal, Robinson Barreirinhas, contou que seus pais se mudaram para o
exterior e abriram um negócio. O estabelecimento logo foi visitado pela
fiscalização, que apontou uma série de erros. O pai do secretário pensou que
havia quebrado logo na largada. Mas não foi o que aconteceu. Ele recebeu
orientação para regularizar sua situação em 30 dias.
Aqui no Brasil, a ideia de mudar a forma de
relacionamento com os contribuintes começou a ser discutida há uma década,
disse à coluna o ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid. Desde 2002,
existe um “bônus de adimplência” para as empresas com bom histórico.
Os programas de conformidade começaram a
ganhar corpo na Receita e nos fiscos estaduais a partir de meados da década
passada. A inspiração é a pirâmide adotada pela Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De forma simplificada, a pirâmide considera
que na base estão os contribuintes que cumprem suas obrigações. Constituem a
maioria. No meio, existe um grupo que quer andar na linha, mas nem sempre sabe
como. No alto, os que praticam irregularidades de forma deliberada. Para cada
uma dessas faixas, existe uma abordagem diferente: premiar os da base, orientar
os do meio e fiscalizar com rigor os do topo.
O avanço de tecnologias permite separar qual
contribuinte está em qual camada da pirâmide, disse o presidente da Unafisco,
Mauro Silva. A Receita dispõe de muita informação e pode fazer a distinção a
partir de sua base de dados.
A mudança na forma de atuação dos fiscais vem
sendo discutida há muitos anos em congressos da categoria, disse Silva. Ele
avalia que a ideia vai se consolidar, acompanhando a tendência dos fiscos em
outros países e a evolução tecnológica.
Integrante da Receita desde 1995 e formado na
filosofia de aplicar todo o rigor aos contribuintes, o sindicalista avalia que
hoje não há resistência na corporação à mudança. Ao menos, em teoria.
Na prática, ele considera que é preciso fazer
mudanças mais amplas. Por exemplo: a atuação dos fiscais é regulada pelo Código
Tributário Nacional (CTN). São regras da década de 1960, que pautam ações na
linha punitiva. É preciso ter garantias de que a nova abordagem não será
entendida, posteriormente, como falha na atuação do auditor.
A proposta também traz desconfiança para os
contribuintes. “Quem vai sentar com o leão para discutir seu planejamento
tributário?”, questiona o tributarista Ricardo Lacaz, sócio do escritório Lacaz
Martins, Pereira Neto, Gurevitch & Schoueri.
A adesão ao programa é voluntária, frisou o
secretário. Na vertente desenhada para grandes empresas, foi batizado de
“Confia” exatamente porque pressupõe confiança mútua. O braço do programa para
o comércio exterior, chamado Operador Econômico Autorizado (OEA), funciona com
sucesso desde 2015.
As mudanças propostas pela Receita passarão
pelo crivo do Congresso Nacional. Rachid vê o risco de deputados e senadores
expandirem os benefícios a serem dados às empresas que andam na linha.
Outro ponto do projeto, o que define
devedores contumazes (“picaretas”, segundo Barreirinhas), deve encontrar
dificuldades para avançar. Duas proposições parecidas estão paradas no
Legislativo.
No Brasil, o sistema tributário é tão
complicado que até quem quer fazer tudo certinho erra. Menos mau que a ideia
agora seja reconhecer a boa-fé, em vez de jogar todos na vala comum dos
“picaretas”.
Bônus
Terminou na semana passada uma novela que se
arrastava desde 2017. Foi fechado um acordo para pagar um bônus de desempenho
aos fiscais da Receita. Empresas reclamavam da greve, que durou 81 dias.
Lendo e aprendendo.
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