O Globo
Desde o primeiro momento, Jair
Bolsonaro disse que seu maior objetivo com a manifestação do último
domingo era produzir uma “fotografia para o mundo”.
Como Bolsonaro não costuma ser bom em
esconder seus reais propósitos, é razoável apostar que ele não esperava comover
ninguém que já não o apoie com seus pedidos de pacificação e anistia — muito
menos o Supremo Tribunal Federal (STF).
Tampouco achava que convenceria alguém de que não planejou um golpe de Estado.
O que ele queria era a imagem mesmo, e para passar mensagens bastante claras.
A primeira, para o STF. A foto da Avenida
Paulista mostra que prender Bolsonaro não será uma operação fácil,
agora ou mais adiante. Quem se lembra do comício de Lula em São
Bernardo do Campo em abril de 2018, horas antes de ser levado
para Curitiba pela Polícia
Federal, sabe por quê.
A Suprema Corte está até hoje expiando o
trauma de ter prendido um ex-presidente popular, e mesmo o intrépido Alexandre
de Moraes vai pensar algumas vezes antes de confrontar os
bolsonaristas.
Outro recado foi aos aliados, especialmente aos governadores que se aboletaram no carro de som.
Depois da operação da PF sobre os militares
envolvidos no plano de golpe de Estado, sobre o próprio Jair Bolsonaro e sobre
o presidente do PL, Valdemar
Costa Neto, os líderes partidários detectaram um movimento de
pré-candidatos a prefeito e vereador que até então planejavam ir para o PL
considerando ingressar noutras legendas para se prevenir contra complicações
jurídicas.
A multidão se comportando em estrita
obediência aos comandos de não levar faixas, cartazes ou palavras de ordem
contra o STF funcionou como aval para Bolsonaro dizer aos seus que eles não têm
muita opção e estão amarrados a ele pelo menos até a eleição municipal.
Um terceiro destinatário da mensagem de
domingo foi o próprio Lula, que passou recibo em entrevista à Rede TV/UOL “A
manifestação foi grande, quem não quiser é só ver a imagem”, disse, mesmo
classificando o evento como “meio alucinante” e “a favor do golpe”.
A maior lição para Lula, porém, não está na
foto, mas fora dela, e pôde ser aferida numa pesquisa de opinião divulgada na
quarta-feira pela Genial/Quaest. O levantamento, que mediu a impressão da
população a respeito do ato e da situação jurídica de Bolsonaro, mostra que o
quadro de polarização de 2022 permanece forte e vivo.
Eleitores de Lula e de Bolsonaro respondem de
forma diametralmente oposta se acham que o ex-presidente é perseguido, se
planejou um golpe de Estado, se deveria ter sido declarado inelegível ou se
seria injusto prendê-lo. Lulistas estão certos de que ele deveria estar atrás
das grades, bolsonaristas dizem que é completamente inocente.
A pesquisa mostrou também que um amplo
contingente dos que votaram em branco ou anularam em 2022 acredita que
Bolsonaro planejou um golpe (47%), que seria justo prendê-lo (58%), que foi
certo torná-lo inelegível (52%) e que não há perseguição política nas
investigações (56%).
Os dados reafirmam a Lula que, apesar do
apoio significativo e inabalável de um setor do eleitorado a Bolsonaro,
continua havendo espaço para convergência com quem não está nem em uma bolha
nem em outra.
Num ambiente de polarização tão extrema,
nichos pequenos definem eleições. Mas o presidente, que já reconheceu na última
conferência eleitoral do PT, em
dezembro, a necessidade de “falar o que o povo espera de nós”, parece ter
esquecido o próprio chamado.
É verdade que seu governo já anunciou apoio à
imunidade tributária a igrejas e templos religiosos e divulgou que pretende
instituir a contribuição previdenciária e a remuneração por hora para
motoristas de aplicativo.
Mas foi boicotado na jornada ao centro pelo
próprio Lula, que se vangloriou de ter colocado um “comunista” no STF, comparou
as ações do governo Benjamin
Netanyahu em Gaza ao
Holocausto e vem fingindo não ver a caçada que a ditadura de Nicolás
Maduro promove contra opositores na Venezuela.
Numa conversa recente, um lulista histórico,
fiel e com muito voto mostrou-se angustiado com a demonstração de força de
Bolsonaro na Paulista:
“Lula pode até estapear a esquerda se quiser,
que na próxima eleição ela vota nele do mesmo jeito. Já o centro e a
centro-direita, não. É com esses que ele precisa estar preocupado o tempo todo
se quiser impedir a volta da extrema direita em 2026”
Esse mesmo aliado, ecoando um diagnóstico
bastante repetido em Brasília, diz
que falta no Planalto quem alerte o presidente todos os dias sobre as cascas de
banana que precisa evitar. A massa verde e amarela na Paulista deveria cumprir
esse papel.
Pois é.
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