Valor Econômico
No alto do pódio da disputa pelo espólio ficou ex-primeira-dama Michele Bolsonaro
O ato em que
Jair Bolsonaro carregou nas tintas de mártir, pedindo anistia para
os presos do 8 de janeiro e reconhecendo a minuta golpista que poderá
levá-lo à prisão, evidenciou tanto a disputa por seu espólio quanto a tentativa
do ex-presidente de pegar carona numa “pacificação”, capaz de “passar uma
borracha no passado”.
No alto do pódio da disputa pelo espólio
ficou ex-primeira-dama Michele Bolsonaro com sua fala emocionada de
fé e família para enfrentar a injustiça, ante um público mais velho, afluente e
a exibir símbolos evangélicos, como as bandeiras de Israel e do leão de judá
(metáfora bíblica de Cristo), vendidas por R$ 60.
Dos quatro governadores presentes – Jorginho Mello (SC), Romeu Zema (MG), Tarcísio Freitas (SP) e Ronaldo Caiado (GO) – o último é o mais focado. Sua determinação não deixa dúvidas de que a direita vai se dividir.
Tarcísio, com quem Bolsonaro e Michelle
almoçaram, no Palácio do Bandeirantes, foi o único a quem foi franqueado o
microfone para saudar o legado do ex-presidente. Sua Polícia Militar, que
sofreu um expurgo da ala resistente ao endurecimento da segurança pública,
ganhou saudação especial no discurso do ex-presidente.
Entusiasta da primeira dama, o presidente do
PL, Valdemar Costa Neto, subiu ao palanque antes de Bolsonaro chegar, em
cumprimento à decisão judicial que impede seu encontro, para agradecer pelos
votos que transformaram o PL no “maior partido do Brasil”.
Nenhum
discurso foi mais agressivo do que o do pastor Silas Malafaia,
promotor do evento. Alvejou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de
Moraes, “juiz que tem lado”, e, dirigindo-se a Bolsonaro, antecipou a
estratégia: “Se eles te prenderem você vai sair de lá exaltado”.
Ao sair em defesa de Valdemar Costa Neto pela
multa ao seu partido, penalidade que não havia sido aplicada ao PSDB, “partido
de Alexandre de Moraes”, que também questionou o resultado eleitoral em 2014,
Malafaia exibiu a dobradinha com o presidente do PL em defesa do casal
Bolsonaro.
Bolsonaro ganhou a foto de multidão que
desejava para mostrar que não está isolado. Precisa dela tanto para evitar que
sua bancada no Congresso seja atraída pelo governismo quanto para impressionar
o Supremo com o que seria a resistência à sua prisão. Uma das camisetas
expostas à venda na avenida trazia a frase “Não tenhais medo” sobre as fotos de
Cristo e da bandeira brasileira.
Não mudou em nada o cerco da Polícia Federal
sobre si, mas levou de volta às ruas o eleitor verde-amarelo que estava
acabrunhado. Da evangélica M.S., que desceu a escada rolante do metrô com as
mãos em prece pelo “senhor que há de nos proteger” ao empresário de
telemarketing S.I., que saiu de Belo Horizonte e o fará tantas vezes Bolsonaro
os convocar.
São eleitores que acreditam em infiltração
petista no vandalismo do 8 de Janeiro, sustentam que a urna foi fraudada e
ignoram qualquer avanço deste governo, ao qual atribuem queda nas suas vendas,
preços em disparada e a volta da corrupção. Uma multidão impregnada pelo vírus
do negacionismo, que volta com uma cepa de contágio amplo e resistente.
Deus nos livre!
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