Valor Econômico
Sobrevivência do bolsonarismo está em jogo
O ex-presidente Jair Bolsonaro não perdeu a
malandragem com a qual bem encarna o injustiçado. Tem aparecido em mangas de
camisa, com sobrepeso e a proficiência de sempre ao embaralhar assuntos,
desviar o foco e se mostrar como alguém que, assim como o telespectador, nada
entende desta derradeira operação da Polícia Federal sobre o aparelhamento da
Abin.
A habilidade não escamoteia o cerco,
evidente, mas mostra um personagem nos cascos para nova fase de vitimização. Já
se sabe que está fora da palheta de 2026. O que está em jogo agora é a
sobrevivência do bolsonarismo.
A decisão do PL de manter o deputado federal
Alexandre Ramagem como candidato no Rio, apesar das suspeitas que pesam contra
si nesta operação, seus colegas, Nikolas Ferreira, em BH, e Abílio Brunini, em
Cuiabá, o ex-ministro sanfoneiro Gilson Machado, no Recife, além da pressão
pela chapa do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, com o ex-comandante da
Rota, Mello Araújo, mostram a aposta no bolsonarismo raiz.
Nem todos têm chance, mas puxam a eleição de vereadores, cabos eleitorais da futura Câmara, e mantêm acesa, na política, a chama com a qual as investigações em curso ameaçam tosquear o ex-presidente. A operação não deixa dúvidas de que prossegue, no STF e na PF, a expectativa de que é deles a missão de banir o bolsonarismo.
A Corte parece permanecer unida na convicção
de que é neste sentido que a história agora deve ser empurrada, guiada pela
certeza de que tivessem um Judiciário como o brasileiro, os EUA não estariam
correndo o risco Donald Trump.
Que sejam dispensadas, portanto, as infrações
cometidas na desabalada rota. A última delas, como mostram Ranier Bragon,
Matheus Teixeira e Camila Zarur (“FSP”), foi o uso de uma conversa por WhatsApp
entre a assessora do vereador Carlos Bolsonaro e Ramagem, em data que o
deputado já não estava na agência, como indício. Que ministro hoje acataria um
habeas corpus para trancar o inquérito pela ausência de evidências claras do
delito?
Se o STF segue célere nesta rota, seja para a
preservação da democracia no país ou de seus próprios poderes, o Executivo
também procura a sua. De tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala
que as eleições municipais marcarão um embate entre si e Bolsonaro, autoriza
que se imagine que não queira se livrar dele, mas mantê-lo a alimentar o
petismo.
A Fazenda segue na peleja das boas causas,
como a redução do gasto tributário, ainda que os resultados que possa vir a
colher arrisquem a reproduzir o infortúnio ingrato dos americanos que ameaçam
votar na oposição a despeito dos melhores indicadores econômicos em décadas.
No “Roda Viva” da semana passada, o ministro
Fernando Haddad, indagado sobre o futuro da pauta verde do governo na
eventualidade de um retorno de Trump, mostrou seu protagonismo no bloco que, no
Executivo, também aposta nas luzes dos empurradores da história: “Na política,
o que funciona, muitas vezes, é o constrangimento, é a pessoa não ter saída a
não ser fazer o certo, que é o caso da transição ecológica, cada vez mais
necessária”. Parece improvável que o constrangimento dê conta do que vem por
aí. O cerco dos agricultores franceses a Paris mostra que cada um acredita ter
sua verdade e prevalece a que mais mobiliza suas forças.
Ainda parece improvável que os empurradores
da história deem conta da superação do populismo de direita. Um interlocutor do
presidente, insatisfeito, diz que o enfrentamento é nas ruas que o PT
desaprendeu a ocupar.
Usa a Argentina como exemplo. É bem verdade
que, na reação ao pacote de Milei, os movimentos sociais mostraram uma
vitalidade que já não têm por aqui, mas não foram capazes de evitar a vitória
eleitoral da extrema direita por lá.
No Brasil, a peleja é para que não volte. E a
disputa é por quem dará conta da tarefa. Com ruas silentes e a economia com o
exemplo americano a sinalizar os limites dos dividendos das melhorias, a via
judicial se alvoroça. Na definição de um expoente, prorrogará as
excepcionalidades de seus ritos até que as garras e os dentes do bolsonarismo
já não ameacem.
Os anabolizantes desta empreitada para
prender Jair Bolsonaro vazaram para as agências de inteligência e investigação
do Estado. É disso que trata o embate em curso entre Abin e PF. Com STF e PF
sob o mesmo diapasão, Lula achou por bem deixar a Abin com sua própria
partitura. Além de não ceder à pressão para tirar Luiz Fernando Corrêa, ainda
lhe facultou a escolha do substituto do diretor acusado pela PF.
A investigação ainda é muito embrionária para
que se saiba o alcance da arapongagem. A sugestão do novo diretor-adjunto da
Abin de uma vara especializada para a autorização de escutas sugere que outras
fronteiras foram desbravadas além do “rastreamento geográfico”.
Quem detiver essas informações terá também
poder sobre os sócios do bolsonarismo com assento no Congresso. Boa parte da
força que o STF tem adquirido vem da mediação entre Executivo e Legislativo.
A saída de Lula tem sido manter o STF por
perto sem lhe franquear novas fronteiras de mediação. Dá sinais claros do rumo.
É como se dissesse “É coisa do Judiciário e da polícia, me deixem fora dessa”.
Acompanha à distância - e na companhia da Abin - para preservar sua própria
capacidade de mediar e de reagir às manhas da vitimização bolsonarista.
Que é o correto.
ResponderExcluirExatamente!
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