quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Maria Cristina Fernandes - A disputa é pela asfixia da extrema-direita

Valor Econômico

Sobrevivência do bolsonarismo está em jogo

O ex-presidente Jair Bolsonaro não perdeu a malandragem com a qual bem encarna o injustiçado. Tem aparecido em mangas de camisa, com sobrepeso e a proficiência de sempre ao embaralhar assuntos, desviar o foco e se mostrar como alguém que, assim como o telespectador, nada entende desta derradeira operação da Polícia Federal sobre o aparelhamento da Abin.

A habilidade não escamoteia o cerco, evidente, mas mostra um personagem nos cascos para nova fase de vitimização. Já se sabe que está fora da palheta de 2026. O que está em jogo agora é a sobrevivência do bolsonarismo.

A decisão do PL de manter o deputado federal Alexandre Ramagem como candidato no Rio, apesar das suspeitas que pesam contra si nesta operação, seus colegas, Nikolas Ferreira, em BH, e Abílio Brunini, em Cuiabá, o ex-ministro sanfoneiro Gilson Machado, no Recife, além da pressão pela chapa do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, com o ex-comandante da Rota, Mello Araújo, mostram a aposta no bolsonarismo raiz.

Nem todos têm chance, mas puxam a eleição de vereadores, cabos eleitorais da futura Câmara, e mantêm acesa, na política, a chama com a qual as investigações em curso ameaçam tosquear o ex-presidente. A operação não deixa dúvidas de que prossegue, no STF e na PF, a expectativa de que é deles a missão de banir o bolsonarismo.

A Corte parece permanecer unida na convicção de que é neste sentido que a história agora deve ser empurrada, guiada pela certeza de que tivessem um Judiciário como o brasileiro, os EUA não estariam correndo o risco Donald Trump.

Que sejam dispensadas, portanto, as infrações cometidas na desabalada rota. A última delas, como mostram Ranier Bragon, Matheus Teixeira e Camila Zarur (“FSP”), foi o uso de uma conversa por WhatsApp entre a assessora do vereador Carlos Bolsonaro e Ramagem, em data que o deputado já não estava na agência, como indício. Que ministro hoje acataria um habeas corpus para trancar o inquérito pela ausência de evidências claras do delito?

Se o STF segue célere nesta rota, seja para a preservação da democracia no país ou de seus próprios poderes, o Executivo também procura a sua. De tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala que as eleições municipais marcarão um embate entre si e Bolsonaro, autoriza que se imagine que não queira se livrar dele, mas mantê-lo a alimentar o petismo.

A Fazenda segue na peleja das boas causas, como a redução do gasto tributário, ainda que os resultados que possa vir a colher arrisquem a reproduzir o infortúnio ingrato dos americanos que ameaçam votar na oposição a despeito dos melhores indicadores econômicos em décadas.

No “Roda Viva” da semana passada, o ministro Fernando Haddad, indagado sobre o futuro da pauta verde do governo na eventualidade de um retorno de Trump, mostrou seu protagonismo no bloco que, no Executivo, também aposta nas luzes dos empurradores da história: “Na política, o que funciona, muitas vezes, é o constrangimento, é a pessoa não ter saída a não ser fazer o certo, que é o caso da transição ecológica, cada vez mais necessária”. Parece improvável que o constrangimento dê conta do que vem por aí. O cerco dos agricultores franceses a Paris mostra que cada um acredita ter sua verdade e prevalece a que mais mobiliza suas forças.

Ainda parece improvável que os empurradores da história deem conta da superação do populismo de direita. Um interlocutor do presidente, insatisfeito, diz que o enfrentamento é nas ruas que o PT desaprendeu a ocupar.

Usa a Argentina como exemplo. É bem verdade que, na reação ao pacote de Milei, os movimentos sociais mostraram uma vitalidade que já não têm por aqui, mas não foram capazes de evitar a vitória eleitoral da extrema direita por lá.

No Brasil, a peleja é para que não volte. E a disputa é por quem dará conta da tarefa. Com ruas silentes e a economia com o exemplo americano a sinalizar os limites dos dividendos das melhorias, a via judicial se alvoroça. Na definição de um expoente, prorrogará as excepcionalidades de seus ritos até que as garras e os dentes do bolsonarismo já não ameacem.

Os anabolizantes desta empreitada para prender Jair Bolsonaro vazaram para as agências de inteligência e investigação do Estado. É disso que trata o embate em curso entre Abin e PF. Com STF e PF sob o mesmo diapasão, Lula achou por bem deixar a Abin com sua própria partitura. Além de não ceder à pressão para tirar Luiz Fernando Corrêa, ainda lhe facultou a escolha do substituto do diretor acusado pela PF.

A investigação ainda é muito embrionária para que se saiba o alcance da arapongagem. A sugestão do novo diretor-adjunto da Abin de uma vara especializada para a autorização de escutas sugere que outras fronteiras foram desbravadas além do “rastreamento geográfico”.

Quem detiver essas informações terá também poder sobre os sócios do bolsonarismo com assento no Congresso. Boa parte da força que o STF tem adquirido vem da mediação entre Executivo e Legislativo.

A saída de Lula tem sido manter o STF por perto sem lhe franquear novas fronteiras de mediação. Dá sinais claros do rumo. É como se dissesse “É coisa do Judiciário e da polícia, me deixem fora dessa”. Acompanha à distância - e na companhia da Abin - para preservar sua própria capacidade de mediar e de reagir às manhas da vitimização bolsonarista.

 

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