terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Maria Cristina Fernandes - No palanque, presidente da Câmara se fragiliza

Valor Econômico

Ao listar projetos cruciais ao governo que pautou e aprovou, Lira passou recibo de um poder de barganha hoje esvaziado

Quando um integrante da linha sucessória da Presidência da República despreza encontros com os demais presidentes de Poderes e opta por um discurso em tom descalibrado para a plateia, é fragilidade que exibe.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda passou recibo. Ao recitar tudo que a Câmara havia entregue para viabilizar o primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PEC da Transição, mudança no Carf, reforma tributária e redução na dedução do ICMS), Lira mostrou a pouca tinta de sua caneta.

Noves fora a regulamentação da reforma tributária, não tem mais em suas mãos projetos fundamentais para as contas do governo. O poder de barganha se esvazia num ano em que tem pressa para arrancar suas demandas. Seja porque, em função das eleições municipais, se aproxima o prazo (abril) de vedação das transferências voluntárias da União, prejudicando a liberação de emendas, seja porque já foi dada a contagem regressiva para sua permanência na mesa diretora.

O presidente da Câmara teve seus movimentos limitados pela aliança do governo com o Supremo Tribunal Federal. É uma equação inversa daquela que viveu no governo Jair Bolsonaro. Custa a encontrar um meio de driblá-la. Como Lira depende da Corte para sua sobrevivência na política, não pode se valer da PEC das decisões monocráticas para confrontar esta aliança.

Apelou à gratidão quando sabe que é a correlação de forças o lubrificante das engrenagens em Brasília. Ao verbalizar ameaças contra o Executivo sobre o que é capaz de fazer, suscita a dúvida de que tenha assim tanta bala na agulha. Já deixou sua retórica nos anais: “Deixo, humildemente, um importante recado: não subestimem esta mesa diretora”.

Como a segunda parte de seu discurso tratou de desdizer a primeira (“não aprovaremos retrocessos de qualquer natureza”), o mais provável é que Lira esteja apenas dando início à sua campanha pela renovação da mesa diretora e pela vaga ao Senado em 2026. Mostrou-se apto a liderar prefeitos e deputados ávidos pela liberação de suas emendas porque precisa de ambos mas o papel amesquinha o cargo que ocupa.

O governo pouco avançou além do seu eleitorado de outubro de 2022, melhorou a economia mas enfrenta problemas em setores, como a segurança pública, que adubam o bolsonarismo. O Congresso, com a quantidade de recursos públicos destinados aos fundos eleitoral e partidário e emendas parlamentares, virou um poder concorrente na execução orçamentária. Só parece difícil que Lira possa rivalizar com um presidente palanqueiro como Lula num ano eleitoral.

O nó que Lula deu no governador de São Paulo, neste fim de semana, é um exemplo. Tarcísio de Freitas, assim como Lira, deve seu poder ao bolsonarismo, mas seu futuro político estará garantido se for capaz de superá-lo. O riso involuntário que o governador não foi capaz de conter ao ser cortejado pelo presidente da República no palanque de Santos é a rendição ao poder de sedução da política.

A investida do presidente da República para corroer o bolsonarismo pelas bases nessas eleições municipais não tem garantia alguma de sucesso, mas Lula mostra foco e estratégia. A perseguir na costura pelos bastidores, campo que já mostrou dominar com rara habilidade, o presidente da Câmara preferiu subir no palanque. Hesitante entre a ameaça e a humildade, vai ser difícil seduzir.

 

3 comentários: