quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Morre aos 85 anos Luiz Werneck Vianna, referência na sociologia brasileira

Folha de S. Paulo

Referência nas ciências sociais do Brasil, acadêmico foi opositor da ditadura e um dos críticos iniciais da Lava Jato

SÃO PAULO e RIO DE JANEIRO - Morreu nesta quarta-feira (21) aos 85 anos Luiz Werneck Vianna, professor e ex-presidente da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) e referência na sociologia brasileira.

O acadêmico foi autor de livros como "Liberalismo e Sindicato no Brasil" (1976), "Esquerda Brasileira e a Tradição Republicana" (2006) e a "A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil" (1999). Foi mestre em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e doutor em sociologia pela USP.

Também era graduado em direito e foi advogado de presos políticos durante a ditadura militar. Integrante do Partido Comunista Brasileiro nos anos 1960, o sociólogo teve que ir para a clandestinidade durante o período autoritário e passou um período exilado no Chile.

Vianna foi criado no bairro de Ipanema, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e frequentou colégios de elite, mas dizia que sua família era de "de classe média, de recursos não abundantes, também não muito escassos".

Em depoimento a centro de pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas), falou sobre a aproximação no auge da ditadura de intelectuais com o MDB, que incluía a atuação de Fernando Henrique Cardoso, também acadêmico.

"Fizemos esse programa, que foi editado um livrinho vermelho: era o programa do MDB de 74 e fomos a uma reunião em Brasília", disse ele.

A eleição parlamentar de 1974 marcou um dos principais reveses da ditadura militar.

Também no depoimento, disse que conheceu o hoje presidente Lula também naquela época, em encontro de delegados sindicais. Dizia lamentar que os grupos políticos do petista e do tucano tivessem perdido conexão.

Werneck Vianna sempre se manteve atuante no debate político do país. Mais recentemente, em 2022, escreveu que Jair Bolsonaro representava o risco real de um "fascismo –tabajara, mas fascismo– que nos ronda desde os anos 1930, derrotado por duas vezes, em 1945 e 1985, mas nunca erradicado, entranhado como está em nossa história de modernização capitalista autoritária".

Também foi crítico em suas análises sobre a Operação Lava Jato desde os estágios iniciais da investigação, classificando as autoridades como "tenentes de toga" —em referência aos jovens militares da década de 1920.

As críticas de Vianna à Lava Jato levaram o colunista da Folha Elio Gaspari a escrever em dezembro de 2016: "Werneck sabe do que fala. Conhece a história da República e traçou o melhor retrato do Judiciário nacional no seu livro 'Corpo e Alma da Magistratura Brasileira'. Durante dez anos, ajudou a aperfeiçoar os conhecimento de toda uma geração de juízes e promotores como professor da Escola da Magistratura. Sua perplexidade diante do rumo tomado pelo conjunto de iniciativas derivadas da Operação Lava Jato reflete a ansiedade de um mestre diante do tenentismo togado".

A PUC do Rio de Janeiro, onde lecionou, publicou nota de pesar afirmando que ele foi um intelectual de "grande relevância para o campo da sociologia e para a comunidade acadêmica como um todo", deixando "'marca indelével na história do pensamento social do Brasil".

"Durante sua trajetória, contribuiu de forma significativa para o avanço do conhecimento científico e para o debate público, sempre pautado pela ética, pela integridade e pelo compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e democrática."

O Hospital Copa D'Or informou que não tinha autorização para divulgar mais detalhes da morte.

A Anpocs, presidida pelo professor entre 2003 e 2004, disse que as obras dele se tornaram clássicas nos estudos sobre o país.

"Seu legado intelectual para as Ciências Sociais é inestimável, e seguirá inspirando reflexões sobre o Brasil do passado e do presente."

O Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo afirmou: "Werneck foi um dos cientistas sociais brasileiros mais importantes da sua geração. Nos seus mais variados trabalhos juntava uma perspectiva analítica e de intervenção".

"Perde a inteligência brasileira um dos seus mais ilustres representantes. Perdi um velho camarada e amigo. Meu profundo sentimento pelo falecimento do grande cidadão brasileiro, Luiz Werneck Vianna. Meus pêsames a família e seus amigos e amigas", escreveu o ex-deputado Roberto Freire, que presidiu o PCB e se tornou depois presidente do PPS, que viria a se tornar o Cidadania.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que o acadêmico "espalhou senso de justiça, ciência política comprometida com os explorados e inteligência crítica". "Cumpriu sua missão nessa vida. Fará falta nesses tempos de tanta indigência intelectual."

 

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