Faltam ao MEC plano consistente e habilidade política
O Globo
Camilo Santana assumiu com missão promissora.
Até agora, não apresentou agenda capaz de fugir da polarização
O ministro da Educação, Camilo
Santana, enfrentará dificuldades para aprovar no Congresso o novo
Plano Nacional de Educação (PNE), que define estratégias da política
educacional pelos próximos dez anos. A responsabilidade não é só dos
parlamentares. O governo tem conduzido mal a discussão, abrindo espaço para a
oposição assumir a agenda na tentativa de prorrogar o plano atual.
O levante contra a proposta do governo é compreensível. O plano aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) contém vários equívocos. A começar pelo componente ideológico, numa questão que deveria ser técnica. O documento que serviu de base às discussões da Conae investe contra o ensino doméstico (homeschooling), a militarização de escolas e o movimento Escola sem Partido, marcas da gestão de Jair Bolsonaro. Se a principal crítica — pertinente — ao governo anterior era justamente a politização da educação, qual o sentido de insistir nos mesmos temas, apenas com sinal trocado?
A justificativa apresentada pela Conae é a
necessidade de “contraposição efetiva do Estado” a políticas
“ultraconservadoras” e de impor um freio às intervenções de grupos que “desejam
promover o agronegócio por meio da educação”. Ora, num Congresso de maioria
conservadora, o texto oferece o pretexto ideal à oposição. Não é coincidência
que mais de dez frentes parlamentares, entre elas a evangélica e a ruralista, o
tenham criticado pelo “viés ideológico” e pela “postura autoritária”.
Algumas propostas aprovadas pela Conae não
têm cabimento. É o caso da revogação da reforma do ensino médio e
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Depois de meses de discussões, o
governo enfim enviou ao Congresso em outubro um projeto para aperfeiçoar as
mudanças no ensino médio aprovadas em 2017. O texto já deveria ter sido votado.
Seria enorme retrocesso voltar à estaca zero num tema crítico para a educação
brasileira.
Outra medida sem conexão com a realidade é a
meta de investir 10% do PIB em educação, o dobro do que se investe hoje. O
problema do ensino no Brasil não é a falta de dinheiro. O gasto brasileiro nos
três níveis de governo fica em torno de 5,4% do PIB, mesmo patamar da França
(5,5%), mais que Espanha (5%), Portugal ou a média da OCDE (5,1%). O problema é
o governo gastar mal, pois é refém de políticas ditadas por sindicatos de
professores ou grupos educacionais privados.
Deputados têm defendido a prorrogação do PNE
alegando que ela daria mais tempo para discussão. Quem é contra argumenta que
as metas atuais precisam ser adaptadas para acompanhar as mudanças no cenário.
Discussões são saudáveis, mas não quando paralisam decisões, como vem
acontecendo no MEC. Parlamentares modificaram o projeto do ensino médio enviado
pelo Planalto, e o governo até agora não superou o impasse. Insistir em temas
como a proibição do ensino doméstico só traz de volta o debate polarizado, quando
existem questões bem mais relevantes. Santana tem sido inábil ao mediar as
necessidades urgentes da educação brasileira e as pressões da base sindical
ligada ao PT. Para avançar, terá de chegar a consenso com os parlamentares. Ele
assumiu o MEC com retrospecto positivo e a missão de disseminar o êxito
educacional do Ceará por todo o Brasil. Em um ano de governo, não apresentou
resultados, nem sequer apontou caminho coerente. O risco é sua gestão ficar só
na promessa.
Só o corporativismo da Alerj explica
reintegração da deputada Lucinha
O Globo
Suspeita de envolvimento com milícia afastada
pela Justiça foi considerada apta por seus colegas deputados
A reintegração à Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro (Alerj)
da deputada Lúcia Helena de Amaral Pinto, ou Lucinha (PSD),
afastada sob a acusação de prestar favores a milicianos, diz muito sobre o
compadrio dos políticos. É certo que a Alerj instaurou processo no Conselho de
Ética, que pode eventualmente levar à cassação dela. Mas ninguém aposta nesse
desfecho.
A perda de controle de vastas áreas do
território das cidades para milicianos e traficantes coloca políticos que têm
nessas áreas suas bases eleitorais diante de uma questão: como lidar com
quadrilhas que exercem um poder que caberia ao Estado? Ignorá-las não é uma
alternativa. Infelizmente, é comum na política carioca e fluminense haver algum
tipo de acordo com o crime organizado. Só isso coloca qualquer político no
perigoso terreno da omissão e da conivência.
Lucinha, no oitavo mandato consecutivo —
quatro como vereadora e quatro como deputada estadual — é uma populista típica
da baixa política fluminense, sempre ligada ao governo no poder para obter os
favores e benesses que movem sua máquina assistencialista de votos. Ao
aproximar-se de milicianos, deu um passo temerário.
Uma investigação do Ministério Público (MP)
do Rio e da Polícia Federal (PF) encontrou sinais convincentes de que ela
ultrapassou os limites em seus contatos com o grupo do miliciano Luis Antônio
da Silva Braga, conhecido como Zinho, que controla parte da Zona Oeste carioca.
Em outubro, numa vingança contra a morte de um parente, Zinho mandou bloquear
áreas da região. A confusão resultou na destruição e incêndio de mais de 35
ônibus e de um trem, sem reação policial. No final de dezembro, ele preferiu se
entregar à polícia. Mas sua organização continua ativa. De acordo com as
investigações, Lucinha era chamada pelo codinome “madrinha” pelos milicianos e
tentava interferir em organismos da segurança pública fluminense para ajudar a
quadrilha de Zinho.
Ela foi alvo de um mandado de busca e
apreensão em 18 de dezembro. Entre as ações atribuídas a Lucinha pelos
investigadores, estão a intermediação para a soltura de presos do grupo de
Zinho e até a ajuda para derrubar um comandante de batalhão da PM que prejudicava
os negócios da milícia.
Segundo as acusações, ela chegou a estimular a polícia a fazer uma operação
contra uma milícia rival. De acordo com o MP, a milícia de Zinho pagou a
delegacias da Polícia Civil para deflagrá-la, com Lucinha atuando como
intermediária entre milicianos e autoridades.
Mesmo integrantes da Mesa da Alerj afirmam
que ela foi longe demais na relação com os milicianos. Mas isso não bastou para
que a Assembleia mantivesse a decisão da Justiça que a afastara do mandato. No
passado, a Alerj já revogou a prisão de três deputados acusados de corrupção.
Depois, empossou cinco que estavam presos em Bangu. Nada parece demover os
deputados fluminenses de seu corporativismo inquebrantável.
Surpresa com PIB não autoriza acomodação
Folha de S. Paulo
Desempenho tem superado projeções, por razões
ainda em debate; cumpre remover obstáculos ao crescimento duradouro
A economia brasileira tem desafiado os
prognósticos mais negativos. Em 2023, pelo terceiro ano consecutivo, houve boas
surpresas com o crescimento do Produto Interno Bruto, que rondou 3%, o triplo
do que era estimado de início.
As projeções mais consensuais para este 2024
novamente são de desaceleração —cuja intensidade, porém, já está sendo colocada
em dúvida. Na mediana das estimativas do mercado coletadas pelo Banco Central,
a atividade deve ter alta de 1,6%. O governo espera um pouco mais, 2,2%.
Com base em indicadores iniciais, o
presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse acreditar que este primeiro
semestre tende a "surpreender para cima".
A esperada perda de ritmo em relação ao ano
passado viria da combinação dos efeitos ainda contracionistas dos juros altos
para domar a inflação, de menor expansão de programas sociais e do consumo das
famílias e, por fim, de uma piora do resultado da agropecuária, que não
repetirá a safra recorde.
Ainda assim,
há sinais de vigor que não deixam de ser notáveis. Mesmo diante do
arrocho monetário e da escassez de crédito que se prolongam, o mercado de
trabalho permanece aquecido, com desemprego não muito distante das menores
taxas históricas e expressivo crescimento real da renda.
Parte desse ganho decorreu da queda de preços
de alimentos, que beneficia especialmente os estratos mais carentes. Ocupação e
salários em alta dão esteio à continuidade do aumento do consumo.
Um risco é que isso também amplie pressões
inflacionárias, especialmente sobre serviços, limitando o espaço para cortes de
juros.
Até agora, porém, o baixo desemprego tem se
mostrado compatível com inflação sob controle, talvez uma evidência de melhor
funcionamento do mercado de trabalho depois da reforma de 2017.
O conjunto de reformas econômicas dos últimos
anos, aliás, pode ajudar a explicar parte do bom desempenho atual. Ampliação da
carteira de concessões e projetos em infraestrutura, governança mais austera em
bancos e empresas estatais, certa redução de amarras burocráticas e melhoria no
ambiente de negócios são alguns dos elementos positivos.
É cedo para contar com dinamismo duradouro.
Surpresas favoráveis também são observadas em outros países, o que sugere
elementos comuns e temporários que restaram do choque da pandemia.
Em qualquer hipótese, cabe à política
econômica remover, sem voluntarismos, os obstáculos à expansão do PIB,
trabalhando por contas fiscais equilibradas, inflação sob controle e juros
civilizados.
Bravata perigosa
Folha de S. Paulo
Trump choca ao não apoiar defesa de aliados
da Otan e sugerir ataque de Putin
Ao longo de seus turbulentos anos à frente da
Casa Branca, Donald Trump mostrou-se um aliado inconfiável e dado a bravatas na
sua relação transatlântica, o esteio da segurança do Ocidente.
São memoráveis as expressões de pasmo de
líderes como a alemã Angela Merkel em cúpulas e o diagnóstico, do ainda hoje
presidente francês Emmanuel Macron, de que a Otan estava em "morte
cerebral".
Pois o clube militar liderado por Washington
desde 1949, retirado da UTI citada por Macron pela Guerra da Ucrânia, voltou ao
alvo de Trump, ora favorito a retomar o assento que está com Joe Biden.
No sábado (10), o republicano contou que
havia sido questiondo certa vez se os EUA
cumpririam a cláusula de defesa mútua em caso de ataque dos russos.
"Eu disse: ‘Vocês não pagaram? Vocês
estão inadimplentes?’ Ele disse: ‘Sim, digamos que isso aconteceu’. Não, eu não
os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria [os russos] a fazer o que diabos
quisessem. Vocês têm de pagar".
Com a diatribe, Trump conseguiu ao mesmo
tempo chocar os
aliados ocidentais, que fizeram predições sombrias caso o
republicano volte ao poder, e avivar uma ferida.
Embora os termos sejam imprecisos, já que não
há uma mensalidade a ser paga para estar na Otan e a aliança depende mais dos
orçamentos nacionais de defesa, é fato que apenas 11 dos seus 31 membros
cumprem a meta de gastar ao menos 2% de seu PIB com o setor.
Já foi pior. Em 2014, ano em que Moscou
anexou a Crimeia e ergueu as fundações de sua guerra de 2022, eram só três
países. Isso mudou.
O ano passado registrou a maior alta de
investimentos da Otan desde a Guerra Fria, 8,3%. Países guinaram ao
militarismo, como a Polônia, que empenhou 4% do PIB. Mesmo a lenta Alemanha,
alvo preferencial de Trump por ser a nação mais rica da Europa, promete ir dos
1,57% atuais a 2% neste ano.
Mas ainda é incomparável o dispêndio dos EUA, com 70% do gasto e do efetivo da aliança, e o de seus parceiros. Assim, ao falar em não cumprir sua obrigação em caso de ataque de Vladimir Putin, Trump dá um sinal perigoso não só à Europa, mas à segurança mundial.
Autoritarismo juvenil
O Estado de S. Paulo
Pesquisas sugerem que parte dos jovens passou
a questionar o sistema democrático
Nenhum país está livre de uma deriva
autoritária. Sabemos há muito tempo que a diluição dos valores
democrático-liberais não tem fronteiras. Nos últimos anos, porém, aprendemos
que a diluição desses valores também não tem idade.
Recentemente, dezenas de milhares de pessoas
tomaram as ruas de toda a Alemanha em protesto contra o partido de extrema
direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). A gota d’água
foi uma reunião privada ocorrida em novembro do ano passado entre
representantes da AfD, empresários e neonazistas, em que se discutiu a expulsão
em massa de imigrantes e “cidadãos não assimilados”. A AfD negou ter planos de
adotar tal proposta, mas o novo episódio gerou discussões sobre um possível
banimento do partido, desfecho também aberto à ala jovem da AfD, a Junge
Alternative.
Já enquadrada como organização extremista de
direita por autoridades de diferentes regiões do país, a Junge Alternative é
tida como mais radical do que a própria AfD, em mais uma confirmação da
tendência identificada em diversas pesquisas internacionais nos últimos anos: o
pendor de parte dos jovens para soluções autoritárias.
Em editorial de agosto do ano passado (A
recessão democrática na América Latina), este jornal tratou dos resultados da
pesquisa realizada pelo Latinobarómetro em 17 países latino-americanos,
destacando o menor engajamento dos jovens na democracia. Diz o Latinobarómetro:
“A idade é o que mais diferencia os autoritários, pois quanto menor a idade,
mais autoritários são”. Note-se que a pesquisa antecedeu à vitória de Javier
Milei, amparada em grande mobilização do eleitorado jovem, na eleição
presidencial argentina.
A mesma conclusão resultou da pesquisa feita
pela Open Society Foundations também em 2023, com 30 países. Segundo o
levantamento, apenas 57% das pessoas entre 18 e 35 anos consideram a democracia
preferível a qualquer outra forma de governo; nas faixas etárias mais elevadas,
o índice sobe a 71%. O apoio a um governo militar também é maior na faixa de 18
a 35 anos, e 35% das pessoas nessa faixa se disseram simpáticas à ideia de um
líder forte que elimine Parlamentos e eleições (o apoio a essa alternativa foi
menor em todas as outras faixas).
Essas pesquisas sugerem que uma boa parcela
dos jovens ao redor do mundo desistiu de questionar seus representantes eleitos
e passou a questionar o próprio sistema democrático. Como tal sistema tem sido
incapaz de oferecer oportunidades de participação efetiva e soluções
satisfatórias a seus anseios, aquele grupo passou a admitir alternativas
supostamente mais práticas e eficazes. Vêm daí personagens como Trump, Orbán e
Bolsonaro, que apostam numa democracia plebiscitária e onipotente contra os
limites e condicionamentos das democracias liberais em crise.
É incerto se essa inclinação autoritária dos
mais jovens veio para ficar. Não é raro que, com o passar do tempo,
preferências e opiniões que vigoraram na juventude se alterem. Por outro lado,
visões de mundo construídas nesse período também podem se consolidar e perdurar
por toda a vida adulta.
Nesse caso, o combate ao pendor dos jovens ao
autoritarismo passa por informá-los sobre a realidade dos regimes autoritários.
É possível que boa parte deles não esteja inteiramente ciente do cenário pouco
entusiasmante (especialmente no campo dos direitos civis e políticos) de países
como Venezuela, China e Hungria. E mal podem estimar o quão difícil é a volta à
normalidade institucional após a instalação de um regime autoritário.
Ademais, é preciso que a política vá ao
encontro da juventude. Isso pode ocorrer, por exemplo, no âmbito das alas
jovens dos partidos políticos ou no incentivo à participação na política local
(pressupondo-se que os partidos têm interesse em renovar seus quadros, do que
José Luiz Datena e Marta Suplicy não são exemplos). Essas seriam formas de
contrastar o isolamento social, a apatia política e a radicalização
autoritária. Reconheça-se: é um empreendimento difícil e incerto. Mas é certo
que, se nada mudar, são grandes as chances de termos outros Trumps, Orbáns e
Bolsonaros pela frente.
‘El Loco’ em camisa de força
O Estado de S. Paulo
Se realmente quiser controlar a inflação,
desregular a economia e chegar ao fim de seu mandato em 2027, Milei deve
aceitar que o único caminho é a negociação com o establishment político
O presidente da Argentina, Javier Milei,
implodiu a aprovação de sua proposta de reforma da economia pelo Congresso da
Nação. Ao imprimir seu estilo de confronto com parlamentares e governadores das
Províncias nas negociações do projeto de lei que inclui medidas de ajuste
fiscal e de desregulamentação econômica, colheu o inevitável: do plenário, o
pacote voltou à fase inicial da tramitação da Câmara dos Deputados. Na prática,
acabou engavetado pela aversão de Milei à etiqueta da democracia, em que não se
ganha nada no grito.
Fosse o presidente da Argentina um democrata
convicto, a negociação continuaria em pauta. Mas, como se trata de “El Loco”,
um político inexperiente, inábil e sem nenhum compromisso com o Estado de
Direito, o Executivo apostou na intransigência. Os gestos das Províncias e de
uma parcela de deputados de centro em favor da negociação foram desperdiçados
pelo governo. Como resultado, os poucos artigos que já estavam aprovados pela
Câmara acabaram no limbo, com todo o resto do projeto de lei.
Dois fatos expõem como a truculência de Milei
levou ao fracasso na votação do último dia 6 na Câmara dos Deputados. O
primeiro diz respeito a um dos artigos mais desejados pelo presidente – o que
lhe concederia poder extraordinário de legislar, sobretudo sobre temas
econômicos, por dois anos. O tema já havia sido aprovado pelos parlamentares,
com algumas restrições, quando surgiu o impasse sobre a divisão da receita do
imposto sobre operações cambiais com as Províncias. Ao Executivo, tal ganho de
poder valeria quaisquer outras concessões. Mas Milei queria tudo ou nada.
A segunda evidência foi o voto contrário a
outros artigos de deputados de seu próprio partido, A Liberdade Avança. A Casa
Rosada mal enfrentou a oposição peronista no plenário. O amadorismo dos
deputados alinhados a Milei, que puseram em votação matérias sobre as quais não
tinham certeza de aprovação, contribuiu para a desastrosa votação.
A rejeição ao projeto foi construída passo a
passo pelos erros de Milei. Faltou disposição da Casa Rosada em negociar
exaustivamente com deputados simpáticos ao projeto de lei e com governadores de
Províncias afetadas diretamente pelas medidas. Sobrou arrogância do presidente
que, deslumbrado com seus 56% dos votos nas urnas em novembro passado, visitava
Israel durante as votações que exigiam sua presença em Buenos Aires.
À arrogância soma-se a estultice de colocar
todos os ovos em uma só cesta. Sua reforma econômica, apoiada pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI), tem demasiada importância para ser incluída em
um projeto de lei que versa também sobre uma miríade de temas polêmicos – e
que, por isso, é chamado de Lei Ônibus.
A depender da disposição de Milei em
negociar, a Lei Ônibus pode até ser trazida de volta ao plenário da Câmara.
Seria um feito inédito. Mas o esforço é recomendável, dada a urgência na adoção
das reformas econômicas – inclusive para o alívio, no futuro, de uma população
castigada pelo custo de vida cada vez mais alto. Até o momento, porém, a Casa
Rosada não sinaliza para esse caminho.
De Jerusalém, Milei reagiu à decisão da
Câmara com ataques contra as “castas empobrecedoras do povo”, os
“delinquentes”, os “criminosos”, os “traidores”. É grave o presidente de uma
democracia referir-se com tais impropérios aos eleitos para o Legislativo e o
Executivo provincial. Porém, mais preocupantes são as alternativas gestadas por
“El Loco”. Recorrer a um plebiscito, como prometera, em nada o ajudará porque
cabe ao Congresso aprovar a realização de consultas populares. Adotar a reforma
econômica por decreto, como tem sido ventilado em Buenos Aires, terá o efeito
de um golpe contra o Legislativo, a ser contestado também pelo Judiciário.
Se realmente quiser estabilizar a inflação,
colocar a economia do país em pé e chegar ao final de seu mandato sem
acidentes, Milei deve buscar o caminho do entendimento, e não do confronto. Do
contrário, “El Loco” continuará preso na camisa de força que o establishment
político reserva aos que pretendem desafiá-lo.
Fúria recompensada
O Estado de S. Paulo
Comissão Europeia premia agricultores com
mais proteção e exclusão do setor em meta climática
Os tratoraços em Bruxelas e Paris em janeiro
surtiram os efeitos imediatos dos furiosos agricultores europeus, todos
sabidamente vitaminados por colossais subsídios e proteção. A Comissão Europeia
reagiu aos protestos como se esperava: concedeu-lhes mais barreiras comerciais,
alívio nos custos de produção e exclusão nas metas climáticas mais ambiciosas
assumidas pelo bloco. Pouco importa, na lógica prevalecente no continente, o
custo de fomentar um setor que mal consegue competir com seus concorrentes estrangeiros.
A agricultura continua sagrada.
Esse conceito foi evidenciado no discurso da
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na cerimônia de abertura
do ano legislativo em Estrasburgo, na França. “Nós devemos a eles
(agricultores) agradecimento e respeito. (...) Eu sei que eles estão
preocupados com o futuro da agricultura e com seu futuro como fazendeiros. Mas
eles também sabem que a agricultura precisa de um modelo de produção mais
sustentável, para que suas fazendas continuem rentáveis nos próximos anos. E
queremos ter a certeza de que, nesse processo, os fazendeiros estejam no
comando”, afirmou.
No comando, certamente eles estão. Caso
contrário, Bruxelas não teria recuado em tópicos tão caros – como o que
consolidaria a União Europeia na vanguarda da defesa do meio ambiente e do
combate ao aquecimento global – para dispersar os tratores e seus ruidosos
condutores das capitais europeias. Em seu novo compromisso de redução de 90%
das emissões de gases do efeito estufa até 2040, apresentado ao Parlamento no
dia 6, a parcela a ser cobrada do setor agropecuário foi limada horas antes.
Restrições adicionais ao uso de pesticidas caíram sob os gritos dos
agricultores, e os países-membros foram autorizados a levantar barreiras contra
grãos e alimentos importados de uma Ucrânia devastada por uma guerra.
Craques em queixas e fartos de benesses, os
agricultores europeus terão suas razões para protestar contra a alta dos custos
de produção e as exigências ambientais adotadas por Bruxelas – as mesmas que o
bloco europeu quer impor aos produtores do Mercosul nas negociações do acordo
de livre comércio. Como suas próprias demandas revelam, mal conseguem competir
com os fazendeiros ucranianos e não seria diferente com os do Mercosul. A
competitividade do setor europeu é artificial. Não sobreviveria sem a ampla proteção
comercial e o volume gigantesco de subsídios nele despejado pela Política
Agrícola Comum (PAC).
Ceder aos agricultores é e sempre será uma sina da Comissão Europeia, com claro sinal político. Mesmo quando está em jogo sua credibilidade na agenda ambiental, o custo da sustentação do setor para seus contribuintes e a distorção no comércio internacional, os fazendeiros serão agradados. E, apesar de terem voltado com seus tratores ao campo, Bruxelas sabe que as queixas do setor não se esgotaram e que as eleições para o Parlamento Europeu, em junho, abrem uma imensa seara para barganhas.
Li todos os editoriais e os artigos,obrigado ao editor do blog.
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