domingo, 11 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta na dívida pública é preocupante

O Globo

Endividamento cresceu para quase 75% do PIB em 2023. Equilíbrio fiscal é essencial para controlá-lo

Um item das finanças públicas deveria interessar a todo cidadão: a dívida bruta do governo geral, que inclui governo federal, INSS, governos estaduais e municipais. Medido como proporção do PIB, esse número indica o peso do endividamento público e traduz seus principais efeitos negativos, em particular o volume de recursos necessários para pagar juros. Para pagar o que deve, o governo tem dois caminhos: gerar resultado fiscal positivo ou tomar mais dinheiro emprestado no mercado, pagando juros mais altos para isso. Com a sucessão de déficits fiscais nos últimos anos, o endividamento tem atingido patamares a cada dia mais preocupantes.

O Banco Central divulgou na quarta-feira o número para 2023. Com um aumento de 2,7 pontos percentuais em relação ao ano anterior, a dívida bruta alcançou 74,3% do PIB, ou R$ 8,1 trilhões — quase R$ 40 mil por brasileiro. É um resultado bem acima do considerado razoável para países emergentes com as características do Brasil.

É preciso reconhecer que existem vários senões sobre o salto registrado entre 2022 e 2023. De certa forma, o último ano do governo Jair Bolsonaro foi atípico. O BNDES pagou antecipadamente R$ 83,2 bilhões em dívidas que tinha com o Tesouro Nacional, e a inflação mais alta ajudou a elevar o PIB, o denominador no cálculo do endividamento, contribuindo para reduzi-lo. Ainda assim, o resultado é motivo de inquietação e reforça a necessidade, reiterada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de buscar equilíbrio nas contas públicas.

O déficit do governo foi de R$ 230 bilhões em 2023, ante superávit de R$ 46 bilhões em 2022 — piora fiscal de R$ 276 bilhões, aproximadamente os 2,7% do PIB adicionados à dívida. O governo atribui, com razão, grande parte dessa piora à gestão anterior, que legou as obrigações de compensar estados e municípios pela redução do ICMS e de zerar as dívidas sem possibilidade de recurso na Justiça, os precatórios. Mesmo com ajustes, a piora fiscal foi da ordem de 1,2% do PIB.

A situação fiscal permanece inalterada: as contas públicas fecharam o ano no vermelho, e a dívida cresceu. Haddad tem dado repetidas provas de estar atento ao problema. Conseguiu aprovar no Congresso um novo marco de controle fiscal e diversas medidas para aumentar a arrecadação. Dentro do governo, tem resistido e mantido a meta de zerar o déficit em 2024. Isso é fundamental para manter a credibilidade. “Se o governo não conseguir cumprir a meta no primeiro ano, a distância para o ano seguinte vai aumentar”, diz o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV.

Nos próximos meses, é até possível que as receitas adicionais resultantes das medidas tributárias surpreendam e fiquem acima do previsto. Mas isso não deveria servir para escamotear o problema: a resistência do governo a controlar despesas. Cardeais do PT teimam em contradizer todo o conhecimento acumulado no Brasil e no mundo, criticando sistematicamente a austeridade por reduzir o crescimento da economia. Todas as evidências mostram que, sem equilíbrio fiscal, não há confiança. E, sem confiança, não há investimento, condição necessária para o crescimento do PIB (e redução do endividamento). Para avaliar o desempenho da gestão petista na economia, será preciso acompanhar com atenção a trajetória da dívida bruta.

Censo detalhado permitiria dar melhor destino a imóveis da União

O Globo

Auditoria do TCU constatou haver 2.829 prédios, casas ou terrenos abandonados ou invadidos

Enquanto a União tem 2.487 imóveis vazios e 342 invadidos, há filas nos programas sociais de moradia. A constatação, feita por auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), atesta a má administração do patrimônio público pelos governos e a dificuldade de articulação entre as esferas federal, estadual e municipal para dar destino razoável a esses imóveis.

A auditoria constatou que os imóveis não são avaliados da maneira correta e que os sistemas de controle são precários. Não há na Secretaria do Patrimônio da União (SPU), subordinada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, técnicos qualificados para gerenciar os imóveis. O órgão nem sequer tem carreira própria para atraí-los. É possível, segundo o TCU, que uma administração competente economizasse parte do R$ 1,1 bilhão que o governo federal paga todo ano em aluguéis.

Na gestão Jair Bolsonaro, a determinação era vender os imóveis, reduzir as despesas com eles e aumentar a arrecadação. O governo atual chegou à conclusão de que a venda apressada de 2,8 mil prédios, casas e terrenos públicos abandonados poderia trazer prejuízo ao poder público. Mas selecionou cerca de 500, a maior parte abandonada ou ocupada, para transferir a prefeituras ou ao setor privado para fins habitacionais, culturais e educacionais. O objetivo é múltiplo: alguns prédios precisam ser concluídos, outros precisam de reforma para ser convertidos em habitações populares, e existem também terrenos vazios para novas construções.

A SPU administra 740 mil imóveis, avaliados em R$ 1,5 trilhão. É nesse vasto patrimônio imobiliário que estão os 2,8 mil imóveis e terrenos abandonados e invadidos. É evidente que deve haver melhor uso para eles. Um exemplo é o plano de transformar a abandonada Estação Ferroviária Leopoldina, no Centro do Rio, em polo cultural, como quer a Prefeitura carioca. Casos assim podem ser encontrados noutras cidades.

Também faz sentido destinar parte desse patrimônio a quem não tem casa. Embora os imóveis representem apenas uma fração ínfima do déficit habitacional, estimado em 6 milhões de residências pela Fundação João Pinheiro, faz sentido aproveitá-los em programas adequados de habitação.

O plano do governo de destinar 500 imóveis a fins sociais ainda é tímido diante do patrimônio. Apenas o INSS é dono de 3 mil casas, terrenos e prédios, grande parte obtida na execução de sentenças de empresas inadimplentes com a Previdência. A falta de política consistente permite haver milhares de prédios, casas e terrenos sem uso. É preciso conhecê-los, por meio de um censo imobiliário detalhado, para encontrar a melhor destinação. Do contrário, persistirão a degradação e o desperdício.

TSE precisa conter tentações censórias

Folha de S. Paulo

Grupo anunciado por Moraes para combate a fake news suscita temor quanto à liberdade de expressão, imprescindível numa democracia

Já causa estranheza que um magistrado como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, esteja empenhado numa campanha por uma regulação mais dura da internet, tarefa que cabe a legisladores eleitos. Mais inquietantes ainda são as mostras de que se cogita compensar a suposta lacuna na lei à base de voluntarismo.

Na mais recente delas, Moraes anunciou, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a criação de um "grupo de execução" para "o rastreamento daqueles que atentam contra democracia, que atentam contra a livre vontade dos eleitores, disseminando discurso de ódio, discursos antidemocráticos".

Trata-se, mais uma vez, do combate declarado a fake news, preconceito, intolerância e golpismo que proliferam nas redes sociais —no qual um problema complexo costuma suscitar soluções não apenas simplórias como temerárias.

Segundo o magistrado, a estratégia neste ano eleitoral unirá esforços do TSE, da Polícia Federal e de tribunais regionais para "avançar no sentido da prevenção e da repressão contra esses criminosos". A seu lado estava o novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, até outro dia colega de STF e TSE.

As palavras de Moraes indicam escassa confiança na capacidade dos eleitores de escolher e interpretar o conteúdo que acessam na internet —o que reflete velhos cacoetes paternalistas da legislação e das cortes eleitorais brasileiras.

A isso se soma o risco de censura na pretensão de barrar mensagens que seriam produzidas de má-fé para manipular votantes incautos ou conspirar contra as instituições democráticas. Tais postagens circulam ao lado de outras que contêm equívocos não intencionais, teses controversas, crenças infundadas e críticas virulentas.

Não foram poucas as decisões arbitrárias do TSE no afã de tutelar conteúdos nas eleições de 2022. Num dos casos, ordenou-se a retirada de um vídeo que rememorava fatos conhecidos sobre corrupção em administrações petistas.

Na ocasião, o então magistrado Lewandowski argumentou que "o cidadão comum, o eleitor, não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional".

Não se ignora que o alcance inaudito das redes sociais trouxe novos desafios à organização de eleições, que apenas começam a ser enfrentados. À Justiça cabe, sim, deliberar à luz da lei sobre o que é aceitável ou não nas campanhas e nas manifestações públicas.

Tal ofício, no entanto, deve ser exercido com autocontenção e atenção ao valor fundamental da liberdade de expressão, imprescindível numa democracia.

Ensino sem celular

Folha de S. Paulo

Aumenta a restrição aos aparelhos em escolas, mas deve-se evitar radicalismo

Cresce o número de países, cidades e escolas que estão restringindo, ou até proibindo, a utilização de telefones celulares por alunos.

Relatório da Unesco, publicado em julho do ano passado, mostra que esses aparelhos podem prejudicar o aprendizado. O impacto negativo mais óbvio é a distração —jogos e redes sociais são mais atraentes do que aulas expositivas.

Segundo o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), 65% dos alunos de 15 anos nos países pesquisados em 2023 disseram que se distraem nas aulas de matemática com o celular; no Brasil, a média atinge 80%.

Mas não só. Mesmo quando o apetrecho fica na mochila, o toque da mensagem que o aluno não poderá conferir tende a deixá-lo ansioso, numa reação similar à síndrome de abstinência de drogas.

Até tecnologias supostamente mais benignas, como e-readers, que servem quase exclusivamente para ler livros e textos, apresentam problemas. Estudos mostram que a leitura em tela gera menos retenção do que em papel.

Com base nessas evidências, um em cada quatro países monitorados pela Unesco —como Espanha, Portugal, Finlândia, Holanda, Suíça e México— já baniu ou restringiu o uso de celulares e tablets.

No Brasil não há norma federal sobre o tema, mas, no Rio de Janeiro, a prefeitura proibiu celulares nas escolas da rede até durante o recreio. E não são poucos os colégios particulares em todo o país que caminham na mesma direção.

Contudo, se há razoável consenso de que a utilização de celulares e tablets em instituições de ensino deve ser restringida, a forma de fazê-lo permanece em aberto.

É apenas por tentativa e erro que se chegará a protocolos adequados, que não serão os mesmos em contextos diversos. O nível de restrição depende muito da faixa etária, por exemplo, e é preciso cuidado para não pecar por radicalismo.

A chamada educação midiática é fundamental, principalmente em tempos de desinformação e bullying virtual. O celular pode ser usado de forma guiada para que os alunos aprendam como obter aquilo que a internet tem de melhor e se protejam daquilo que nela há de pior.

Por uma comunicação humana no século 21

O Estado de S. Paulo

Mensagem do papa sobre IA reforça que a tecnologia não serve bem quando afasta as pessoas de sua humanidade. Ela deve ser um meio para enriquecer as capacidades humanas

O papa Francisco publicou há poucos dias sua mensagem para o 58.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que, neste ano, será celebrado pela Igreja Católica em 12 de maio. A mensagem papal revela desde o título – Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana – a preocupação do pontífice com o desenvolvimento e o alcance de ferramentas de inteligência artificial (IA) e de que modo isso pode afetar uma das mais humanas das capacidades. Com uma singela pergunta, Francisco sintetiza uma apreensão que não é só dele, mas de boa parte dos líderes mundiais nesta quadra da história: “O que então é o homem, qual é a sua especificidade e qual será o futuro desta nossa espécie chamada homo sapiens na era das inteligências artificiais?”.

A resposta a essa questão, fundamental para o entendimento de como serão as relações entre os indivíduos e as nações no século 21, não é de interesse circunscrito aos muros do Vaticano. Basta lembrar que o Global Risks Report 2024, do Fórum Econômico Mundial, classificou as fake news geradas por IA como “a maior ameaça global a curto prazo”. Por sua vez, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou para o possível aprofundamento de desigualdades a partir da disseminação do uso de IA nas mais variadas cadeias produtivas, além, é claro, de mudanças significativas que a IA empreenderá no mundo do trabalho. Essas visões, contudo, embora demonstrem preocupação, passam longe do pessimismo. Como bem resumiu a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, “a IA pode ser assustadora, mas também pode representar uma grande oportunidade para todos. Cabe a nós usá-la da melhor forma possível”.

Eis a chave para a humanidade lidar bem com essa nova etapa do imparável progresso tecnológico. Não foi por acaso que o papa Francisco, com muita sensibilidade, uniu as palavras “inteligência” e “sabedoria” em sua mensagem. O desenvolvimento da IA, não resta dúvida, contribuirá cada vez mais para a resolução de problemas de toda ordem, o que não é outra coisa senão uma das manifestações de inteligência como habilidade analítica, criatividade e exercício lógico. Contudo, todo esse instrumental prático terá serventia limitada ou danosa se for usado sem sabedoria, vale dizer, desacompanhado de uma compreensão ampla da vida e das relações humanas e, não menos importante, de uma consideração ética sobre as implicações futuras de decisões tomadas hoje.

O papa Francisco já demonstrou ser um líder religioso que compreende o mundo de seu tempo. O pontífice sabe que o desenvolvimento científico não só é virtualmente ilimitado, como é inerente à própria natureza humana. E é exatamente com essa visão – atenta, mas não assustada – que Sua Santidade abordou a IA na mensagem preparatória para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, recomendando que, ao lidar com essa tecnologia, os indivíduos devem antes “limpar o terreno das leituras catastróficas e de seus efeitos paralisadores”. Com essas palavras, Francisco convida à reflexão sobre o desenvolvimento tecnológico não como algo que afaste os indivíduos de sua humanidade, mas, ao contrário, sobre como a tecnologia pode ser um meio de aprimorar e enriquecer as capacidades humanas, entre as quais a comunicacional.

“A sabedoria do coração”, concluiu o papa Francisco, “é a virtude que nos permite combinar o todo com as partes, as decisões com suas consequências, as grandezas com suas fragilidades, o passado com o futuro, o eu com o nós.”

A comunicação entre as pessoas é regida por emoções, nuances culturais e contextos históricos e sociais. A IA, por outro lado, opera sob uma lógica binária, buscando padrões orientada por uma programação voltada exclusivamente à eficiência, sem perscrutar, obviamente, as profundezas da experiência humana. A questão levantada pelo papa Francisco, portanto, não é se podemos integrar a IA ao processo comunicacional, mas como podemos fazê-lo de maneira que a ferramenta preserve a essência humana, não fomente a discórdia e assegure a paz.

Manual para afugentar investidores privados

O Estado de S. Paulo

Com uma infraestrutura deficiente e debilitada, o País não deveria se dar ao luxo de dispensar investimentos privados, mas será preciso bem mais do que retórica para atrair novas empresas

O governo quer atrair novas empresas para projetos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs) da nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que é preciso diversificar, uma vez que os grupos que já atuam no País estariam sobrecarregados.

O diagnóstico do ministro não é exatamente novo. O certame para a concessão de estradas no Paraná realizado no ano passado foi disputado por dois fundos de investimento que já atuavam na área e no País. Já o leilão da chamada “rodovia da morte”, em Minas Gerais, não teve interessados.

Nas ferrovias, a opção do governo foi a de renovar os contratos de concessão das atuais administradoras em troca da antecipação dos investimentos. Com algumas exceções, os leilões de aeroportos também têm registrado uma certa concentração de empresas que já haviam adquirido outros ativos.

Com uma infraestrutura deficiente e um orçamento estrangulado, o Brasil não deveria se dar ao luxo de dispensar os investimentos da iniciativa privada. Porém, ao contrário do mercado financeiro, capaz de atrair capital externo interessado no diferencial das taxas de juros, o setor de infraestrutura ainda desperta muitas dúvidas nos investidores. E não sem razão.

Basta lembrar o então prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella destruindo as praças de pedágio da Linha Amarela em outubro de 2019. Mais recentemente, após uma tempestade que deixou regiões da capital paulista por dias sem luz, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, entrou em uma saga judicial demagógica para tentar rescindir o contrato com a Enel.

Cenas e atitudes como essas ocorreram nas duas principais cidades do País. É importante que se diga, no entanto, que atos de irresponsabilidade nessa seara não são exclusividade dos prefeitos.

O edital de privatização do Porto de Santos chegou a ser enviado para apreciação do Tribunal de Contas da União (TCU) no governo Bolsonaro, mas o processo foi suspenso após a eleição do presidente Lula da Silva.

No caso da privatização da Eletrobras, aprovada pela Câmara e pelo Senado, o governo federal, por meio de uma ação no Supremo Tribunal Federal, tenta reverter sua perda de influência nos rumos da empresa, materializada no menor número de assentos no Conselho de Administração.

Para dar sobrevida a estatais estaduais, o Executivo tentou passar por cima do marco do saneamento, também aprovado pelo Congresso, por meio de decreto, ainda que a incompetência dessas empresas em universalizar o acesso à água e ao esgoto tratados esteja mais do que atestada.

Como explicar essas idas e vindas, de maneira convincente, para os investidores privados que tanto se pretende atrair? Eis o tamanho do desafio do ministro da Casa Civil, que precisará muito mais do que retórica para mostrar que o Brasil respeita contratos e tem segurança jurídica, regras claras e agências reguladoras independentes. Também será preciso dobrar a aposta em medidas que favoreçam o ambiente de negócios.

Algo que também faria diferença nessa área seria a reconquista do grau de investimento. Fundos de pensão estrangeiros, que tradicionalmente investem em ativos de infraestrutura, têm limitações para aplicar recursos em países mal avaliados pelas agências de classificação de risco.

No caso brasileiro, a maior dúvida das agências não é a exposição ao setor externo, mas a política fiscal. Não por acaso, ao elevar o rating soberano do País, logo após a aprovação da histórica reforma tributária pelo Legislativo, a agência de classificação de risco S&P enfatizou a importância de que o País permaneça na rota do pragmatismo para criar as bases para um crescimento econômico sustentável e perene.

Nesse sentido, a defesa do déficit zero é importante, mas insuficiente. Como mostrou o Banco Central, a dívida bruta do País voltou a subir pela primeira vez em três anos e atingiu 74,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Garantir que a curva do endividamento público pare de crescer e atinja a estabilidade é fundamental para que o País passe a ser visto como um destino seguro para os investidores de longo prazo.

A imagem do antissemitismo

O Estado de S. Paulo

Agressão a lojista judia na Bahia expõe cinismo do governo no combate ao antissemitismo

O governo que prometeu respeito à diversidade e que faz do combate ao racismo uma de suas principais bandeiras levou nada menos que dois dias para se manifestar a respeito de um ataque de antissemitismo explícito ocorrido na Bahia, devidamente registrado em um vídeo que chocou o País.

É o caso de perguntar o que fez esse governo progressista esperar longas 48 horas para finalmente condenar aquele ato de ódio explícito movido por preconceito contra judeus. É legítimo perguntar por que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que não existe para outra finalidade, hesitou tanto para fazer o trabalho para o qual recebe recursos recolhidos de todos os cidadãos – inclusive judeus.

Quando finalmente decidiu tocar no assunto, dada a enorme repercussão do caso, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, condenou o antissemitismo, mas conseguiu a proeza de juntar na mesma frase uma condenação à “islamofobia” – sem que o caso em si envolvesse muçulmanos.

Chega a ser perverso. Aparentemente, para progressistas como o sr. Almeida, os ataques aos judeus não merecem pronto repúdio e, quando afinal esse repúdio vem, sonega-se aos judeus a condição singular de vítimas, mesmo num caso em que o antissemitismo é tão evidente. Ou seja, a esquerda concede alguma atenção ao antissemitismo desde que se repudie o ódio aos muçulmanos, ausentes no vídeo que indignou todos.

Que ninguém se engane: para a esquerda, o caso da Bahia diz respeito aos palestinos, e não a uma mulher judia agredida por ser judia. No discurso progressista, os judeus são vistos, coletivamente, como o povo que, encarnado em Israel, “massacra o povo palestino”, nas palavras do ministro dos Direitos Humanos. Logo, na mesma frase em que, com certa dificuldade, cumpre o dever de condenar o antissemitismo, o ministro dá carona para o que realmente importa, que é condenar Israel.

O fato incontestável é que a esquerda, tão bem representada pelo sr. Almeida, jamais foi capaz de se solidarizar com os judeus que padecem de antissemitismo explícito desde o covarde ataque do Hamas a Israel. Pelo contrário: a agressão à comerciante judia em Arraial d’Ajuda por uma mulher que a chamou de “maldita sionista” e “assassina de crianças” obviamente foi fomentada pelo discurso raivoso da esquerda, que culpa coletivamente os judeus pelos atos de Israel e deslegitima a autodeterminação do povo judeu depois do genocídio promovido pelos nazistas.

O antissemitismo existe há bastante tempo e não há razão para acreditar que um dia acabará. O que se espera, no entanto, é que o governo do Brasil não fique inerte ou reaja de modo apenas protocolar diante do crescimento exponencial do ódio aos judeus verificado nos últimos tempos. A menos que os judeus não sejam titulares dos mesmos direitos humanos que são reivindicados por outras minorias, defendidas de modo aguerrido pela esquerda, é dever do Estado brasileiro deixar explícito, sem meias palavras ou cinismo retórico, que o antissemitismo, do mesmo modo que a homofobia, o racismo e a misoginia, é intolerável numa sociedade que se pretende livre.

Depois da festa do povo, a realidade

Correio Braziliense

Não há tempo a ser desperdiçado por disputas políticas que possam colocar em risco um projeto que atenda as demandas da sociedade e priorize, sobretudo, os vulneráveis

O carnaval chegou com toda a sua força e importância sociocultural. Trata-se de uma festa coletiva, inclusiva, alegre, diversa, que ocupa as ruas. É um sopro de esperança em tempos de tanta intolerância e ódio. Mas a folia tem prazo limitado e enormes são os desafios do Brasil real. Há muito a ser feito pelo governo e pelo Congresso para que, enfim, o país possa caminhar em direção a um futuro com mais oportunidades e menos desigualdades. Não há tempo a ser desperdiçado por disputas políticas que possam colocar em risco um projeto que atenda as demandas da sociedade e priorize, sobretudo, os vulneráveis. O que de pior prevaleceu nos últimos anos, as tentativas golpistas, os brasileiros venceram.

A agenda no Congresso no pós-carnaval está pesada. Deputados e senadores têm a missão de regulamentar a reforma tributária que foi aprovada depois de mais de 30 anos de debates frustrados. Há um prazo para que isso aconteça. Todos os entes da Federação têm muito a contribuir nesse processo, cujo principal ganho será um sistema de impostos simplificado e mais justo. Ao mesmo tempo, os parlamentares terão de cumprir a segunda etapa da reforma, dessa vez, atacando as distorções do Imposto de Renda e obrigando que os mais ricos, finalmente, cumpram as suas obrigações com o Fisco. O Legislativo não pode frear esse processo de mudança, que só trará benefícios para o país.

O pacote do Congresso incluiu, ainda, uma série de medidas para consolidação do ajuste fiscal. O governo mantém firme a promessa de zerar o rombo fiscal neste ano, mas, sem o apoio de deputados e senadores, o Brasil conviverá com as ameaças provocadas pelo desequilíbrio das contas públicas. Não se pode esquecer de que, no ano passado, o rombo consolidado do Executivo federal, de estados, municípios e Previdência Social atingiu R$ 249 bilhões. Com isso, a dívida bruta, um dos principais índices de solvência do país, voltou a crescer depois de três anos, superando os 74% do Produto Interno Bruto (PIB). Contas desajustadas significam mais inflação e juros mais altos, combinação perversa para a economia.

Há, no entender do Banco Central, boas notícias no horizonte, justamente resultado dos avanços conquistados com a ajuda do Congresso, que priorizou temas importantes do ponto de vista econômico. A perspectiva é de que o crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano surpreenda e seja maior do que o projetado inicialmente. Também se tornou consenso que não houve queda na atividade nos últimos três meses do ano passado, o que sustenta um avanço de 3% da atividade no consolidado de 2023. Está cada vez menor o número de especialistas prevendo um salto inferior a 2% do PIB neste ano. Contudo, é preciso que o Legislativo supere eventuais divergências, naturais em uma democracia, e faça o seu trabalho.

O Banco Central já se comprometeu com mais dois cortes de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic), que está em 11,25% ao ano, nas duas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Ainda assim, o custo do dinheiro estará acima de dois dígitos. Os passos seguintes, porém, dependerão de como o Congresso agirá em relação aos projetos da área econômica. E, claro, das decisões do governo, que, ressalte-se, vem flertando com um certo saudosismo quanto a políticas que, no passado, empurraram o Brasil para a beira do precipício, com uma recessão que tirou mais de 6% das riquezas produzidas em apenas dois anos. Bom senso é sempre bom, assim como a humildade de se aprender com os erros.

Nos próximos quatro dias, que os brasileiros possam extravasar as emoções, curar as feridas provocadas pelo ódio e retomar o sentido da coletividade, em que cada um tem o direito de ser o que é. A beleza da vida está na diversidade humana, na pluralidade do pensamento, sempre, claro, respeitando o direito do outro. Ótimo carnaval!

 

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