O Globo
O controle da atividade policial é necessário
As câmeras corporais em policiais, implantadas com sucesso no Estado de São Paulo, estão correndo sério risco de ser abandonadas. Com elas, a letalidade em intervenções policiais foi drasticamente reduzida de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022 — uma queda de 63%. Apesar dos números excelentes, convicções ideológicas do governador Tarcísio de Freitas e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, estão levando o programa a ser sucateado. Verbas para as câmeras foram cortadas, e elas deixaram de ser usadas em operações policiais como a sangrenta Escudo, na Baixada Santista.
As câmeras foram introduzidas no governo
de João
Doria, que conseguiu convencer os poderosos coronéis da PM de São Paulo a
adotá-las com o discurso de profissionalismo e proteção aos bons policiais. Os
especialistas dizem que, para as câmeras corporais terem efeito no controle da
atividade policial, o diabo mora nos detalhes. É preciso conceber
cuidadosamente quando e por quem são ligadas e desligadas, como as imagens são
arquivadas e quem pode ter acesso a elas, num delicado equilíbrio entre
supervisão e a privacidade do policial. O programa de São Paulo foi muito bem
desenhado, e os números de 2019 a 2022 são a prova de seu sucesso.
Mas Tarcísio e Derrite não veem o programa
positivamente. Adotam a visão de que o controle da atividade policial limita
sua eficiência e de que a letalidade policial não é problema, pois recai sobre
bandidos. Desde que começaram a sucatear o programa, a letalidade policial já
subiu 33%. Eles deram repetidas declarações de que as câmeras são caras e não
ajudam na proteção aos cidadãos. A Secretaria de Segurança Pública disse,
oficialmente, que a causa do aumento da letalidade “não é a atuação da polícia,
mas a ação dos criminosos que optaram pelo confronto”.
As autoridades de São Paulo estão erradas. O
controle da atividade policial é necessário porque policiais cometem erros e
matam inocentes a toda hora, como vimos agora na Baixada Santista. E também
porque as punições a criminosos precisam de proporção, e um roubo não pode ser
punido com a morte.
A sociedade brasileira hoje se divide sobre a
confiança na Polícia
Militar. Segundo pesquisa de janeiro de 2024 do PoderData, 22% dos
brasileiros confiam muito na polícia, 51% confiam pouco, e 19% simplesmente não
confiam. Os números são semelhantes aos encontrados por outros institutos. Não
é bom para a polícia, e não é bom para a sociedade, que o perigoso trabalho de
proteger a cidadania não tenha amplo apoio dos cidadãos. As câmeras corporais
são uma oportunidade de a sociedade se reconciliar com a polícia.
Gostaria de dar um depoimento pessoal sobre
como as câmeras corporais mudaram meu olhar sobre a Polícia Militar de São
Paulo. Assistia ao programa do Datena logo depois da implementação das câmeras
em São Paulo. O programa mostrava uma operação policial na periferia. Um grupo
de meninos jovens quebrava com uma pedra os vidros e assaltava carros que
paravam num sinal num viaduto. Uma câmera filmava de longe a ação rotineira dos
assaltantes, que se repetia a cada sinal fechado. De repente, vemos uma viatura
da Polícia Militar encostar discretamente, e policiais se aproximarem a pé, sem
ser notados. Eles abordam os assaltantes. Vemos sem nitidez uma altercação e um
tiro. Um dos criminosos é baleado à queima-roupa e morre.
Por um momento, tive o impulso de lamentar
“mais uma” morte por policial com dedo leve, que atira antes de tentar render e
acha que deve fazer justiça com as próprias mãos. Mas, então, o programa mostra
as imagens da câmera corporal, e a situação se apresenta de maneira
completamente diferente. O policial pede para o rapaz se entregar, ele não
atende ao chamado e ainda tenta sacar uma arma. O policial, muito corretamente,
se antecipa e dispara.
Trago esse depoimento pessoal porque o
episódio me fez refletir sobre meus vieses e ampliou minha confiança na
polícia. Nosso debate sobre segurança — como quase todo debate sobre política
pública — está viciado. De um lado, leituras empedradas de uma polícia
predominantemente racista e assassina. De outro, leituras de uma polícia
profissional e dura com a criminalidade que apenas não consegue derrotar os
bandidos porque é contida por queixas dos ativistas de direitos humanos. Os
dois lados escolhem e destacam fatos que ilustram suas caricaturas sem nuances.
A polícia de São Paulo não é formada por assassinos racistas, mas também não é
formada apenas por exímios profissionais.
Precisamos encontrar um equilíbrio entre
apoiar os policiais que todo dia colocam a vida em risco por nós e controlar
eventuais excessos, sem que isso implique “atacar a polícia”. As câmeras
corporais podem ser esse controle, apoiando os bons policiais, controlando os
excessos dos maus e resgatando a confiança da população.
Perfeito.
ResponderExcluirSim, perfeito mesmo!
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