domingo, 11 de fevereiro de 2024

Rolf Kuntz - Planejar para voltar à turma da frente

O Estado de S. Paulo

É preciso buscar muito mais que uma expansão econômica superior à estimada para 2024. É hora de redescobrir o longo prazo e o planejamento

Pesadão e emperrado, o Brasil continuará correndo no segundo ou terceiro pelotão da economia mundial, neste ano e no próximo, segundo projeções de entidades multilaterais, do mercado e também do governo brasileiro. As políticas sociais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem favorecer o consumo e estimular a atividade em 2024 e 2025, mas será necessário muito mais que isso para intensificar e prolongar o crescimento. Só se expande o potencial produtivo com muito investimento em infraestrutura, construção civil, incorporação de máquinas e equipamentos e formação de mão de obra. Mas o País continua deficiente em todo esse conjunto de requisitos.

Completadas mais de duas décadas, o balanço deste início de século é pouco entusiasmante. Do ano 2000 até novembro do ano passado, a taxa média mensal de investimento em capital físico ficou em 17,9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). A partir de janeiro de 2015 a média caiu para 16,4%. Esse quadro indica fragilidade do crescimento econômico e “liga um alerta para o futuro”, comentou a pesquisadora Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB-FGV.

Uma expansão sustentável em torno de 4% ao ano – mais próxima daquela observada em outras economias emergentes – dependeria de um investimento físico equivalente a uns 24% do PIB, segundo estimativa bem conhecida. O recuo da inflação, claramente observado a partir do quadrimestre final do ano passado, permitirá novos cortes de juros, como já antecipou o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Com juros menores haverá melhores condições para investimento em meios de produção. Mas a decisão de investir dependerá também das expectativas econômicas e políticas.

Essas expectativas serão em boa parte influenciadas pelo relacionamento do Executivo com o Congresso. Esse relacionamento será determinado principalmente pela habilidade política do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Parlamentares têm-se mostrado famintos de recursos orçamentários – obtidos por meio de emendas – para objetivos políticos pessoais. Verbas da União deveriam, racionalmente, ser destinadas a programas e projetos de caráter nacional, mas muitos congressistas tendem a agir como vereadores federais.

A apropriação de dinheiro federal para objetivos paroquiais é bem maior no Brasil do que em muitas economias desenvolvidas e emergentes, como se observa em comparações com Estados Unidos, França, Portugal, Turquia, Estônia e outros países. Congressistas brasileiros absorvem um quinto das verbas livres do Orçamento, isto é, daquelas disponíveis quando se descontam as despesas obrigatórias. A fatia controlada por parlamentares muito raramente supera 2% dos gastos livres na maior parte do mundo desenvolvido e emergente, segundo levantamento citado pelo Globo.

Se o Executivo federal tivesse maior controle dessas verbas, seu uso seria provavelmente muito mais benéfico para o desenvolvimento nacional. Além disso, haveria melhores condições para o ajuste das contas públicas, um importante objetivo explicitado pelo ministro da Fazenda, valorizado pelos mercados nacional e internacional e sacramentado em lei, mas pouco presente, no dia a dia, em decisões e manifestações de parlamentares. O Orçamento da União “pertence a todos, não apenas ao Executivo”, disse o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), reagindo aos cortes de pagamentos de emendas orçamentárias pela Presidência da República. Ele seria mais convincente se os congressistas se ocupassem também da busca do equilíbrio financeiro do Tesouro, tarefa exercida normalmente pelo Executivo.

Enquanto Lira critica a “burocracia técnica” e reivindica poder sobre o Orçamento, o ministro da Fazenda tenta conciliar dois objetivos, crescimento econômico pouco superior a 2% – talvez 2,2% ou 2,3% – e Orçamento com déficit zero no resultado primário, isto é, sem o gasto com juros. Contido o déficit, será mais fácil frear o endividamento do Tesouro.

Embora modesto para o Brasil, o crescimento buscado neste ano pelo governo é superior às taxas projetadas para o País pelo Fundo Monetário Internacional (1,7%), pelo Banco Mundial (1,8%), pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE (1,8%), e também pelo mercado, segundo a pesquisa Focus (1,6%). Além disso, todas essas taxas são inferiores à expansão estimada para a economia global, de 3,1% no cenário do FMI, 2,9% no da OCDE e 2,4% na projeção do Banco Mundial.

Projeções para a economia do Brasil têm sido geralmente erradas nos últimos três anos, como observou o presidente do BC. O crescimento surpreendeu em 2023 e poderá, segundo ele, surpreender de novo. São observações animadoras, mas é preciso buscar muito mais que uma expansão superior à estimada para 2024. O objetivo deve ser uma fase prolongada de modernização e maior expansão. Isso vai exigir muito mais que ações de estímulo imediato ao consumo e à produção. É hora de redescobrir o longo prazo e o planejamento.

 

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