O Globo
Lula não foi sequer alertado sobre as
consequências que obviamente adviriam de sua manifestação a respeito da guerra
em Gaza
À medida que baixa a espuma da reação das
torcidas nas redes sociais à fala em que o presidente Lula resolveu comparar a
guerra empreendida por Israel em Gaza ao
Holocausto, percebe-se o tamanho do estrago de algo absolutamente
desnecessário.
O presidente tem sido pessimamente
assessorado nesse episódio, ouvindo só aqueles que aplaudem indistintamente o
que quer que faça ou os que já têm inclinação ideológica tão clara no conflito
israelo-palestino que o aconselham tendo em vista certa “sede de justiça” sem
nenhum efeito geopolítico, diplomático ou ganho de imagem no front interno para
Lula. Nada.
Ao pôr de lado o corpo técnico do Itamaraty e
deixar de se subsidiar de dados históricos básicos antes de se lançar a uma
comparação sob todos os ângulos descabida, Lula não foi sequer alertado sobre
as consequências que obviamente adviriam de sua manifestação.
Palavras de um chefe de Estado num contexto tão delicado quanto o conflito israelo-palestino importam e resultam. O uso de termos como nazismo, fascismo, Holocausto e genocídio como muletas pode fazer sucesso com as claques, mas pega muito mal no mundo real, onde as decisões são tomadas.
O governo brasileiro tentou uma narrativa
segundo a qual o “desabafo” de Lula levou até os Estados Unidos a se
sensibilizar e mudar de posição sobre Israel. Não durou 12 horas a tentativa, e
o governo americano vetou a terceira resolução pedindo cessar-fogo. Não que
esteja correta a atitude. Aliás, a postura precisa de Lula seria manter o foco
na exigência de cessar-fogo imediato e incondicional, aí sim carreando para a
posição brasileira apoios capazes de, talvez, sensibilizar nações europeias e o
governo Biden.
Mas a explosão de retórica improvisada tirou
do presidente brasileiro a possibilidade de fazer isso e deu ao governo
Netanyahu, contestado internamente, a possibilidade de posar de vítima e passar
a praticar fanfarronice travestida de ultraje, com aquela pantomima de convocar
o embaixador brasileiro para uma reprimenda, tendo o Museu do Holocausto como
palco e as postagens absolutamente sem sobriedade nas famigeradas redes
sociais.
Não bastasse o incidente diplomático, até
aqui sem extensão claramente definida nem saída visível, Lula arrumou para si
dor de cabeça interna a troco de nada. Isso porque o assunto não ficou restrito
ao já costumeiro bate-boca entre lulistas e bolsonaristas, mas chegou ao
presidente do Senado, num momento em que o governo tenta se articular para um
ano que promete muito mais dificuldade no tráfego legislativo.
Rodrigo
Pacheco, com quem Lula desfilou a tiracolo em Minas há duas semanas e tido,
talvez de forma simplista, como bola de segurança para o Planalto diante da
dificuldade de relacionamento com Arthur Lira,
não dosou as palavras para condenar a fala de Lula e exigir retratação, algo
que o entorno de Lula para o assunto, Celso
Amorim à frente, vem descartando de forma peremptória desde domingo.
Se o presidente da Câmara não fala com o
titular das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, e o do Senado cobra uma retratação a que o presidente se nega,
pode-se dizer com clareza que existe uma barreira na relação entre Executivo e
Legislativo. Isso quando o ministro da Fazenda tem uma lista de demandas para
aumentar a arrecadação dependente, única e exclusivamente, do Parlamento.
O resultado de atender ao clamor juvenil por
uma manifestação improvisada sobre um conflito a respeito do qual o presidente
não tinha nem as informações básicas foi um baita tiro no pé.
Ou Lula muda o rumo da sua política
internacional, tirando a ideologia militante do comando e passando a pautar
suas falas e decisões pelo interesse do Brasil, ou continuará criando para si
problemas graves dentro e fora de casa.
Alguém precisa fazer alguma coisa,Lula fez.
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