quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Zeina Latif - Crédito às empresas tende a se fortalecer em 2024

O Globo

O ano de 2023 fechou melhor do que o esperado. A tendência é de melhora paulatina ao longo deste ano. Há luz no fim do túnel nos mercados de crédito

O ano passado não foi fácil para o mercado de crédito; um ano marcado por estresse financeiro de consumidores e empresas. E agora, quais as perspectivas para 2024?

Apesar de os indivíduos ainda estarem em difícil situação financeira, o pior já passou. Assim, argumentei em artigo recente que há espaço para surpresas positivas no crescimento do PIB este ano, com a sustentação do consumo das famílias.

O foco de hoje é a pessoa jurídica, sendo que a tendência de melhora no segmento de pessoa física é boa notícia para a saúde financeira das empresas, pelo aumento da demanda de seus produtos e seu impacto benigno na avaliação de risco de crédito feita por instituições financeiras.

Em 2020, na pandemia, houve expressivo aumento do endividamento das empresas (14% real), na esteira de juros muito baixos e políticas governamentais de socorro. No entanto, o endividamento corporativo em 52,3% do PIB no fechamento de 2022 não parecia exagerado (o pico foi 56,4% do PIB em outubro de 2020), pois estava relativamente alinhado ao seu padrão histórico de crescimento. Assim, 2023 não começou com excessos nos mercados de crédito.

Ocorre que, a (necessária) alta de juros promovida pelo Banco Central (BC) foi expressiva e inesperada — a Taxa Selic saiu de 2% ao ano em janeiro de 2021 e atingiu 13,75% em agosto de 2022 —, pressionando os juros de mercado. Nos 12 meses entre julho de 2020 e junho de 2021, a taxa média de juros bancários para empresas de menor risco (Taxa Preferencial Brasileira, TPB) estava em 6,7% ao ano, saltando para uma média de 17,6% em 2023.

Como boa parte dos contratos têm juros flutuantes, o movimento pesou nos encargos das dívidas das empresas.

Além disso, um grave choque abalou os mercados de crédito e de dívida corporativa: o calote da Americanas. A oferta de crédito ficou mais seletiva, segundo pesquisa do BC, e o seu custo subiu bastante, com os spreads (diferencial entre os juros cobrados e o custo de captação dos credores) mudando de patamar.

A TPB saltou de 16,9% em outubro de 2022 para 18,3% em março de 2023, apesar da estabilidade da Selic e da queda dos juros de mercado no exterior.

Nessa equação é ainda necessário acrescentar o ambiente macroeconômico, que afetou particularmente o varejo. Mais importante do que o fraco volume de vendas, em parte decorrente do esforço dos indivíduos para reduzir seu endividamento, foi a compressão das margens de lucro das empresas do setor.

Isso por conta da rápida queda da inflação ao consumidor (em alguns casos, com queda de preços), o que prejudicou o repasse pleno ao varejo do custo relativo à aquisição de estoques no atacado.

Com a inflação ao consumidor de produtos industrializados praticamente estável em 2023 (foi de 11% em 2022), a receita nominal do varejo (excluindo veículos) cresceu apenas 3,5% no ano passado (ante 10,8% em 2022), cifra muito aquém da variação de importantes itens de custo das empresas, como serviços e salários.

Vale mencionar que esse ciclo de forte desinflação se completou, trazendo melhores perspectivas para as margens das empresas em 2024.

Esse quadro geral levou ao aumento da inadimplência bancária da PJ (3,5% em dezembro de 2023, com alta de 1,5 ponto percentual no ano) e dos pedidos de recuperação judicial (+69% em 2023).

A foto do ponto de partida para 2024 não é bonita, mas há atenuantes. O pano de fundo é que, a despeito das dificuldades, os mercados mantiveram uma dinâmica benigna, o que limitou a queda do crédito (caiu 1pp do PIB, para 51,3% do PIB) — o destaque foi a emissão de dívidas corporativas no mercado de capitais — e impediu números ainda piores de inadimplência, que se manteve distante de picos anteriores.

Já os pedidos de recuperação judicial tiveram desempenho dentro do esperado, com patamar similar aos de 2018 e 2019 — na pandemia houve grande queda desses pedidos por conta das políticas governamentais.

Passado o susto inicial do final de 2022 e início de 2023, os spreads engataram uma tendência de queda, voltando, via de regra, aos níveis pré-Americanas. A inadimplência das empresas está mais atrasada, mas sua reação é geralmente defasada, e já há sinais de estabilização.

O ano de 2023 fechou melhor do que o esperado. A tendência é de melhora paulatina ao longo de 2024. Há luz no fim do túnel nos mercados de crédito.

 

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