O Globo
O ano de 2023 fechou melhor do que o
esperado. A tendência é de melhora paulatina ao longo deste ano. Há luz no fim
do túnel nos mercados de crédito
O ano passado não foi fácil para o mercado de
crédito; um ano marcado por estresse financeiro de consumidores e empresas. E
agora, quais as perspectivas para 2024?
Apesar de os indivíduos ainda estarem em
difícil situação financeira, o pior já passou. Assim, argumentei em artigo
recente que há espaço para surpresas positivas no crescimento do PIB este ano,
com a sustentação do consumo das famílias.
O foco de hoje é a pessoa jurídica, sendo que a tendência de melhora no segmento de pessoa física é boa notícia para a saúde financeira das empresas, pelo aumento da demanda de seus produtos e seu impacto benigno na avaliação de risco de crédito feita por instituições financeiras.
Em 2020, na pandemia, houve expressivo
aumento do endividamento das empresas (14% real), na esteira de juros muito
baixos e políticas governamentais de socorro. No entanto, o endividamento
corporativo em 52,3% do PIB no fechamento de 2022 não parecia exagerado (o pico
foi 56,4% do PIB em outubro de 2020), pois estava relativamente alinhado ao seu
padrão histórico de crescimento. Assim, 2023 não começou com excessos nos
mercados de crédito.
Ocorre que, a (necessária) alta de juros
promovida pelo Banco Central (BC) foi expressiva e inesperada — a Taxa Selic
saiu de 2% ao ano em janeiro de 2021 e atingiu 13,75% em agosto de 2022 —,
pressionando os juros de mercado. Nos 12 meses entre julho de 2020 e junho de
2021, a taxa média de juros bancários para empresas de menor risco (Taxa
Preferencial Brasileira, TPB) estava em 6,7% ao ano, saltando para uma média de
17,6% em 2023.
Como boa parte dos contratos têm juros
flutuantes, o movimento pesou nos encargos das dívidas das empresas.
Além disso, um grave choque abalou os
mercados de crédito e de dívida corporativa: o calote da Americanas. A oferta
de crédito ficou mais seletiva, segundo pesquisa do BC, e o seu custo subiu
bastante, com os spreads (diferencial entre os juros cobrados e o custo de
captação dos credores) mudando de patamar.
A TPB saltou de 16,9% em outubro de 2022 para
18,3% em março de 2023, apesar da estabilidade da Selic e da queda dos juros de
mercado no exterior.
Nessa equação é ainda necessário acrescentar
o ambiente macroeconômico, que afetou particularmente o varejo. Mais importante
do que o fraco volume de vendas, em parte decorrente do esforço dos indivíduos
para reduzir seu endividamento, foi a compressão das margens de lucro das
empresas do setor.
Isso por conta da rápida queda da inflação ao
consumidor (em alguns casos, com queda de preços), o que prejudicou o repasse
pleno ao varejo do custo relativo à aquisição de estoques no atacado.
Com a inflação ao consumidor de produtos
industrializados praticamente estável em 2023 (foi de 11% em 2022), a receita
nominal do varejo (excluindo veículos) cresceu apenas 3,5% no ano passado (ante
10,8% em 2022), cifra muito aquém da variação de importantes itens de custo das
empresas, como serviços e salários.
Vale mencionar que esse ciclo de forte
desinflação se completou, trazendo melhores perspectivas para as margens das
empresas em 2024.
Esse quadro geral levou ao aumento da
inadimplência bancária da PJ (3,5% em dezembro de 2023, com alta de 1,5 ponto
percentual no ano) e dos pedidos de recuperação judicial (+69% em 2023).
A foto do ponto de partida para 2024 não é
bonita, mas há atenuantes. O pano de fundo é que, a despeito das dificuldades,
os mercados mantiveram uma dinâmica benigna, o que limitou a queda do crédito
(caiu 1pp do PIB, para 51,3% do PIB) — o destaque foi a emissão de dívidas
corporativas no mercado de capitais — e impediu números ainda piores de
inadimplência, que se manteve distante de picos anteriores.
Já os pedidos de recuperação judicial tiveram
desempenho dentro do esperado, com patamar similar aos de 2018 e 2019 — na
pandemia houve grande queda desses pedidos por conta das políticas
governamentais.
Passado o susto inicial do final de 2022 e
início de 2023, os spreads engataram uma tendência de queda, voltando, via de
regra, aos níveis pré-Americanas. A inadimplência das empresas está mais
atrasada, mas sua reação é geralmente defasada, e já há sinais de
estabilização.
O ano de 2023 fechou melhor do que o
esperado. A tendência é de melhora paulatina ao longo de 2024. Há luz no fim do
túnel nos mercados de crédito.
Lendo e tentando aprender.
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