Folha de S. Paulo
Receio de atrito com quartéis deveria ser
justificativa para lembrar o passado e punir abusos
O processo de transição pós-ditadura foi
um baita negócio para as Forças
Armadas no longo prazo. Além de obter a proteção de
líderes e agentes da repressão, os militares conseguiram erguer um
escudo institucional que se conserva há décadas.
Sessenta anos após o golpe, a caserna reivindica influência sobre a maneira como a história da ditadura deve ser contada. Quando não há almoços festivos para celebrar o que se chama de revolução ou notas internas que omitem as atrocidades do regime, algumas vezes a memória oficial é deturpada pela imposição de um silêncio disfarçado de cautela.
A ordem de Lula para
que não sejam
realizados atos oficiais marcando os 60 anos do golpe pode
convencer os adeptos de um pragmatismo radical, que falam em evitar armadilhas
nas relações entre a esquerda e os militares. O melindre com o qual essa
justificativa se manifesta, porém, revela uma patologia grave na saúde
institucional do país.
Com ou sem passado ditatorial, as Forças
Armadas não deveriam fazer parte de nenhum cálculo sobre as relações políticas
de governos de esquerda ou de direita. As tradições e os currículos das escolas
militares não escondem suas inclinações, mas não há nada na lei que autorize
esses órgãos a levarem em conta preferências ideológicas na hora de cumprir
suas missões.
Essas linhas só ficaram embaçadas por causa
de iniciativas tomadas por integrantes da cúpula das Forças nos últimos anos.
Em 2018, o comandante do Exército divulgou uma ameaça pública e pouco discreta
ao tribunal que julgava um candidato a presidente. Depois, os fardados
experimentaram um retorno ao poder e flertaram com
um novo golpe.
A razão pela qual os militares despertam no
poder civil um receio de atrito com os quartéis é a mesma há 60 anos: o fato de
que têm armas nas mãos e disposição de usar a força para fazer valer suas
vontades. Para que eles reconheçam que não têm esse direito, é preciso lembrar
o passado, cobrar o respeito à lei e punir abusos cometidos com a farda.
Verdade.
ResponderExcluir