Valor Econômico
No dia 25/02/2024, o atual presidente do
Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, publicou um artigo na Folha de
S.Paulo intitulado “Quanto vale o Judiciário?”
O texto foi uma defesa institucional ao
estudo elaborado pelas Secretarias do Tesouro Nacional e do Orçamento Federal,
em conjunto com o IBGE, que estimou em R$ 116 bilhões (ou 1,6% do PIB) as
despesas totais do sistema judiciário no Brasil em 2022 - custo muito superior
à média dos países emergentes (0,5% do PIB) e das economias mais avançadas
(0,3% do PIB).
Impossibilitado de refutar os dados, o ministro Barroso optou pela retórica, como é bastante comum no mundo jurídico. Num duplo twist carpado, o atual presidente do Supremo inverteu a pergunta; para ele, mais importante do que discutir o custo, o correto seria indagar quanto vale o Judiciário.
Nas suas palavras, “a Justiça brasileira é,
provavelmente, a mais produtiva do planeta, julgando definitivamente mais de 30
milhões de processos por ano”. De fato, o painel Justiça em Números, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta para 31.872.289 julgados em 2023. Só
faltou ao ministro informar que, no mesmo ano, foram protocoladas 34.140.521
novas ações.
Em vez de solucionar conflitos de forma
definitiva, há anos o Judiciário brasileiro enxuga gelo devido a um sistema
recursal kafkiano e frequentes mudanças jurisprudenciais. Como resultado, o
estoque de processos pendentes só cresce: eram 79,56 milhões de casos esperando
uma solução final em 2020 e atualmente eles passam de 82,65 milhões.
Incapaz de explicar a ineficiência do
Judiciário, Barroso partiu então para defender o indefensável. De forma
lamentável, incorporou os argumentos corporativistas utilizados pelas
associações de magistrados para justificar rendimentos desproporcionais à realidade
brasileira.
Segundo o presidente do STF, os magistrados
são selecionados em concursos disputados e por isso estão entre os melhores
profissionais do mercado, “embora ganhem substancialmente menos do que atores
de sucesso no ambiente jurídico privado”.
Não há dúvidas que o concurso público é um
filtro importantíssimo para arregimentar bons quadros. Mas a mera admissão na
magistratura não é suficiente para se dizer que ali está o supra-sumo do meio
jurídico nacional e muito menos para que todos os juízes se considerem
merecedores de receber como a nata da advocacia privada.
Quando usam a comparação com advogados
particulares para justificar penduricalhos, associações de juízes esquecem de
levar em conta estabilidade, regimes generosos de férias, licenças e
aposentadorias (quem mais no setor privado tem direito a 60 dias de férias e
mais recesso judiciário por ano?) e estrutura de apoio (assessores,
estagiários, equipe de apoio e terceirizados) paga pelos cofres públicos. Fora
isso, o rendimento médio bruto dos magistrados em 2023, segundo dados
preliminares do CNJ, foi de R$ 62.587,24 por mês, muito acima da média de
ganhos dos advogados privados - R$ 15.194,26 mensais, segundo a Receita Federal
(2021).
Isso sem falar nas distorções. “Os abusos
remuneratórios que se noticiam aqui e ali são graves e devem ser corrigidos,
mas não invalidam o quadro geral”, reconhece o presidente do STF.
Data venia, não se trata de abusos que
ocorrem “aqui e ali”. A prática de criação de penduricalhos se alastrou em todo
o Judiciário nos últimos anos, inclusive com a conivência do CNJ e do STF,
presididos atualmente pelo ministro Barroso. Tomando por base os dados
divulgados no painel de remunerações do Judiciário, 93% dos magistrados
brasileiros tiveram um rendimento líquido superior ao dos ministros do STF.
Essa implosão do teto salarial se deve a uma
série de decisões administrativas tomadas pelos próprios tribunais e conselhos
que legitimam, ao arrepio da lei, quinquênios, licenças por acumulação de
serviço, venda de férias, parcelas de equivalência, e tudo o mais que a
criatividade da categoria permitir. Graças a essas benesses, foram pagos R$
39,7 bilhões em benefícios além do teto para membros ativos e inativos do Poder
Judiciário de 2018 a 2023.
As planilhas do CNJ revelam outro número
assombroso: pelo menos 1.002 magistrados brasileiros, na ativa ou aposentados,
receberam valor líquido superior a R$ 1 milhão em 2023. E esse número deve ser
muito maior, pois quase a metade dos tribunais brasileiros (28 de 60) não
divulgaram as folhas de pagamento de todos os meses do ano passado.
Como afirmou, com razão, o ministro Barroso,
“instituições precisam ser sempre aperfeiçoadas, mas isso não as torna menos
essenciais”. De fato, recuperar a credibilidade no Poder Judiciário é
fundamental para se resgatar a confiança na democracia brasileira.
Para isso, porém, o ministro Barroso, como
presidente de seus órgãos de cúpula, deveria colocar sua inteligência e
habilidade política a serviço de uma agenda republicana, e não corporativista.
Restaurar a autoridade do teto salarial,
abolir a liberdade com que os conselhos de Justiça têm de criar benefícios
salariais e autorizar pagamentos retroativos, instituir um efetivo órgão de
controle externo do Judiciário e estabelecer um plano de carreira razoável para
juízes são ações para que a magistratura deixe de ser vista como casta
carregada nos ombros pelo contribuinte brasileiro.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Muito bom o artigo.
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