terça-feira, 19 de março de 2024

Carlos Andreazza - A incerta de Lewandowski

O Globo

Ricardo Lewandowski foi a Mossoró. De novo. Para “dar uma incerta”. Ele mesmo de paradeiro recente incerto. E então a incerta — o reaparecimento. Chegou-chegando, com aquela energia boleto-free de juiz aposentado ora parecerista. Para pegar a tropa de surpresa. (E para nos lembrar: há um governo de turno.) Um mês depois da inédita fuga de dois traficantes de presídio federal.

Palavras do ministro da Justiça e Segurança Pública, concluídos os encontros com autoridades sobre as buscas aos criminosos:

— Vim para cobrá-los. Precisava dar uma incerta, como se diz no meio militar. A polícia me garante que serão capturados, mas não sabemos quando.

Cobrado, foi cobrar. Agastado, sobrevoou a caatinga desgastada e assegurou a foto-clichê. Perdido, encontraria outros perdidos. Não os fugitivos. Os que garantem. Garantem a captura. Nalgum momento. “Não sabemos quando.” (A alternativa sendo haver hora marcada para prisão.) Sabemos que o ministro garantista desconfia do garantido — ou não teria passado a revista sem aviso prévio.

A reportagem de Renata Agostini, neste GLOBO, é impagável obra de arte jornalística. Ela acompanhou Lewandowski na viagem de volta. Mais que perdido, o homem está arrependido:

— Problema é o que não falta. Trato de espião russo, de Allan dos Santos, de um acordo com o Conselho Nacional de Justiça para que tenhamos mais informações sobre operações financeiras suspeitas. Há a questão da Venezuela e dos refugiados. A lista é grande.

Estava “ganhando muito dinheiro”, dedicado a produzir pareceres sobre ação que corre no tribunal de que está aposentado faz menos de ano. A lista é grande — de conflitos. Problema é o que não falta — para nós. Como ex-juiz da Corte constitucional brasileira, estava “ganhando muito dinheiro” sossegado. O presidente charmeur da República o chamou. Irresistível “encantador de serpentes”.

A cadeira ainda estava quente quando lhe caiu no colo uma crise — crise de segurança na segurança pública — que mina a avaliação do governo Lula. Uma das outrora inexpugnáveis penitenciárias federais tinha celas com parede de papier-mâché, câmeras de vigilância inoperantes, postes sem luz, cercas meio-eletrificadas e canteiro de obras com ferramentas cortantes esquecidas.

Não sendo Flávio Dino, o pai da criança, e não tendo os instrumentos com que o antecessor (pai também da democracia) tiraria o corpo fora e culparia Bolsonaro, Lewandowski se meteu numa gruta — não uma das 400 existentes na região — e só saiu para exercitar o otimismo dos exaustos, também conhecido por delírio:

— É uma oportunidade de fazer uma reforma nos presídios. Imagine se tivesse ocorrido a fuga de alguém como o Marcola? Estamos muito mais preparados agora.

A declaração — melhor a gruta — não é de secretário de administração penitenciária de um claudio-castro. Um desses que falam em melhorar o bloqueio de sinais de telefonia nas cadeias. O ministro de Estado, ex-STF, identifica “dividendos” no episódio. Dividendos extraordinários – ops!

Um ano de governo, presos extraindo vergalhões do cárcere para lhe cavar a parede — e então, fugas consumadas, desacreditado o sistema, uma chance de reformar as penitenciárias. Por que não antes?

Era necessário um motivo. Um gancho. A ocorrência gera a oportunidade. (A Odebrecht, se habilitada a levantar Abreu e Lima, poderia tocar a obra. Conhece a matéria.) Ademais, não foi o chefão do PCC a escapulir. “Estamos mais preparados agora” — com o que se entende que as lâmpadas foram trocadas. Marcola fica. Há luz. Falta iluminar como se terá dado a fuga sem ajuda interna — sem apoio externo.

São presídios de segurança máxima pelos quais — em busca de segurança máxima — o governo já anunciou “a compra de equipamentos de videomonitoramento e câmeras térmicas, construção de muralhas ao redor das penitenciárias, instalação de cercas elétricas e aumento das revistas diárias”.

Muralhas ao redor das penitenciárias. Camada adicional — mais alta — de segurança máxima. Solução criativa de especialista.

— Não sou pirotécnico. Tenho perfil técnico.

Maneira elegante de informar que não é Dino. Nem Dino nem — informa o cronista — técnico. Alguém escolhido, com serviços prestados, para continuar se queimando, sob a expectativa de matar um leão — uma lei das estatais — por dia. Doravante no Executivo. É diferente. Ainda não se encontrou. Não desistirá. O arrependido-cansado que, tendo-se em alta conta, vai para o sacrifício — não se sabe de quem.

— Uma eventual renúncia minha geraria uma crise. Não está no meu horizonte. Vou ficar até achar que a missão está cumprida.

Cumprida a missão, no horizonte: mais pareceres. Sem renúncias. Sem incerta. Sem crise.

 

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