sábado, 16 de março de 2024

Cláudio Carraly* - Revolução longa e próspera

“Espaço a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para explorar novos mundos, novas civilizações, audaciosamente, indo onde nenhum homem jamais esteve.” Assim, iniciavam todos os capítulos da série original Star Trek ou como chamávamos por aqui Jornada nas Estrelas, que estreou na televisão no ano de 1966 e durou quatro temporadas, levando milhares de novas mentes a crer em uma humanidade igualitária, inclusiva e justa, despertando mundo afora, interesse e busca por conhecimento científico.

Gene Roddenberry foi um roteirista, produtor e criador de televisão americano conhecido principalmente por ser o criador da famosa franquia Star Trek, que oferecia uma visão futurista da humanidade em um conjunto de mundos utópicos conhecidos como a Federação Unida dos Planetas. Nesse cenário, a humanidade atingiu um nível de desenvolvimento tecnológico e social que superou as limitações do capitalismo e das lutas de classes. 

Alguns dos principais elementos desse universo utópico incluem, Abundância pós-escassez dos dias atuais, graças à tecnologia, como sintetizadores que podem criar alimentos e bens materiais ao nível atômico, a escassez de recursos foi superada, nesse futuro, não há fome, pobreza ou falta de habitação na terra. Star Trek foi pioneira na representação de personagens de diferentes raças, gêneros e culturas trabalhando juntos em harmonia, a tripulação da nave estelar USS Enterprise é uma amostra diversificada da humanidade e de outras espécies, promovendo a ideia de que a diversidade é uma força positiva.

Essa sociedade é caracterizada por uma ausência de classes sociais estratificadas, não existe divisão entre ricos e pobres. As pessoas não competem por recursos limitados, pois esses recursos são amplamente disponíveis para todos, o trabalho é feito por paixão e propósito, em Star Trek, as pessoas escolhem suas carreiras com base em seus interesses pessoais e paixões, mas atentas ao bem-estar coletivo. Elas não estão mais vinculadas a empregos apenas para sobreviver financeiramente, mas buscam contribuir para a sociedade de maneira significativa e gratificante para o avanço da humanidade e de outras espécies que formam a Federação Unida dos Planetas. Na série original e em todas as séries derivadas, a economia baseada em dinheiro e lucro foi substituída por uma economia coletiva de compartilhamento. O dinheiro não tem valor nessa sociedade, uma vez que as necessidades materiais foram plenamente atendidas. 

Quem não conhece a série original ou as derivadas que contabilizam onze, afora os treze longas-metragens desse universo, diria tratar-se de uma propaganda comunista que Marx assinaria como uma peça de propaganda do pensamento socialista internacional, e quem observa assim não estará de todo errado temos muitos paralelos entre o pensamento de Marx e Engels com Roddenberry e seu Jornada nas Estrelas. Gene Roddenberry incorporou elementos socialistas e humanistas em sua série, apresentando uma visão idealizada de um futuro onde a cooperação, a igualdade e a exploração pacífica do espaço são os principais valores da sociedade, sua abordagem visionária influenciou muitas pessoas e continuou a inspirar debates sobre questões sociais, políticas e filosóficas até hoje. Tanto Marx quanto Roddenberry vislumbram um futuro em que a escassez de recursos não é mais um problema.

Marx e Engels acreditavam que a produção sob o comando coletivo eliminaria a escassez, e que o avanço da sociedade ao comunismo seria inexorável, enquanto Star Trek alcança essa realidade demostrando a chegada desse futuro e o impacto na humanidade, onde a miséria acabou e que o avanço social e tecnológico permitiu a todos buscar a plenitude de suas possibilidades.

Ambas as visões descrevem uma sociedade onde as classes sociais desapareceram, a desigualdade é minimizada, e as pessoas compartilham igualmente os benefícios do trabalho coletivo. Tanto os comunistas quanto Star Trek concebem um mundo onde as pessoas não trabalham apenas para sobreviver, mas para buscar sua realização pessoal e contribuir para o bem-estar geral. O dinheiro, segundo Marx, é uma construção do capitalismo que desapareceria em uma sociedade plena. Na Federação Unida dos Planetas, essa transição já ocorreu, e o dinheiro não tem relevância. 

Realidade versus a ficção Gene Roddenberry criou uma ficção científica que apresenta uma visão idealizada do futuro, enquanto as teorias de Marx e Engels são uma análise crítica da sociedade capitalista real e suas contradições e como a sociedade poderia superá-la com um novo modo de produção que superasse o capitalismo e levasse a humanidade a um novo patamar, mas é indubitável que a ficção de Roddenberry bebe muito na teoria clássica marxista. Em síntese, existe um enorme paralelo entre a visão de Marx sobre a inexorabilidade do comunismo e a utopia espacial futurista retratada em Star Trek, mas logicamente devemos entender o contexto das diferenças fundamentais entre teoria social e ficção científica. 

Ambas as visões compartilham o desejo de uma sociedade sem escassez, desigualdade e exploração, propõem o fim dos preconceitos, sejam, religiosos, sexuais ou de gênero, apontam a terra do futuro sem divisões de fronteiras onde o diferencial seria apenas nos aspectos de respeito as singularidades de cada cultura, seja no planeta Terra ou alhures, ressaltando que essas idiossincrasias culturais não seriam um motivador de separação, pelo contrário, teriam o aspecto de beleza nas diferenças, onde se é permitido florir as mil flores. 

Por fim, Star Trek oferece uma visão inspiradora do potencial humano, enquanto as teorias de Marx também o fazem, e vêm influenciando movimentos sociais e políticos do mundo real por décadas. Em última análise, essas visões oferecem perspectivas valiosas sobre como a sociedade pode evoluir, mas a realização prática de tais visões é complexa e sujeita a múltiplos fatores históricos e sociais. Mas, podemos torcer para que a humanidade no futuro alcance a utopia sonhada por Roddenberry ao invés de tantas distopias apresentadas nas nossas obras de ficção, que seja inexorável um mundo melhor para humanidade, como diria o Doutor Spock... Vida Longa e Próspera!

*Cláudio Carraly, Advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.

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