O Globo
Uma política externa oscilante, inconsistente
— eis o que pensa a revista The Economist. “Lula quer que o Brasil seja todas
as coisas para todos: um amigo do Ocidente e um líder do Sul Global, um
defensor do meio ambiente e uma potência petrolífera mundial, um promotor da
paz e um amparo para os autocratas”. O diagnóstico gira em falso, como refém da
retórica ilusionista do governo. De fato, existe uma Doutrina Lula.
A orientação de política externa pode ser
decifrada a partir de dois movimentos estratégicos. O primeiro renega o
discurso oficial; o segundo elimina suas ambivalências.
1. O Novo PAC lançado pelo governo, no eixo
consagrado à transição energética, prevê recursos de R$ 565,4 bilhões, dos
quais 64% para óleo e gás e meros 12% para fontes limpas. Os investimentos em
combustíveis fósseis fluirão principalmente do Estado, enquanto as fontes
alternativas dependerão de financiamento privado.
2. O Brasil aumentou radicalmente seu intercâmbio com a Rússia desde a invasão da Ucrânia. O crescimento apoiou-se especialmente nas importações de petróleo, diesel e fertilizantes. As importações de diesel saltaram de 101 mil toneladas em 2022 para 6,1 milhões em 2023 — ou, em valores, de US$ 95 milhões para US$ 4,5 bilhões. No cenário do embargo europeu, o Brasil converteu-se no terceiro maior importador de hidrocarbonetos russos, atrás apenas da China e da Turquia.
O Acordo de Paris, a matriz baseada na fonte
hídrica, a Amazônia e Marina Silva organizaram
o discurso inaugural de política externa do governo Lula. Era ilusão: o Brasil
chega às vésperas do G20, no Rio de Janeiro, e à antevéspera da COP30, em
Belém, sem uma estratégia de transição energética. O discurso sobre a
“liderança climática” funciona como rarefeita cortina de fumaça destinada a
ocultar a Doutrina Lula.
As ambivalências sobre a guerra imperial
russa circulam unicamente na superfície da retórica diplomática. Reiterando o
gesto original de Bolsonaro, Lula oferece “solidariedade” à Rússia. A visita
de Celso Amorim ao
Kremlin e a visita de Lavrov a Brasília, logo após a ordem de prisão emitida
pelo TPI contra Putin, evidenciam a direção para a qual aponta a bússola de
política externa.
O PT é
parceiro do Rússia Unida, partido de Putin. Quase um ano atrás, à sombra da
guerra de agressão na Ucrânia, participou de um fórum sobre “neocolonialismo”
promovido pelo partido putinista. Logo mais, a convite do Rússia Unida, uma
delegação oficial petista acompanhará a farsa eleitoral russa montada para
simular legitimidade democrática a mais um mandato de Putin.
“Para que essa pressa de acusar alguém?”,
indagou o presidente brasileiro, antes de criticar os governos que
responsabilizam o regime russo pela morte de Navalny. Lula “compreende os
interesses de quem acusa” e recomenda aguardar as conclusões dos legistas a
serviço do Kremlin. A presença pessoal de Putin no G20 é uma meta difícil
perseguida por Lula.
Cuba, Venezuela, Nicarágua. Aponta-se, desde
o primeiro mandato lulista, a crônica inclinação à solidariedade com regimes
ditatoriais de esquerda. A crítica não se aplica, porém, ao regime de Putin.
O governo russo, em aliança com o patriarcado
ortodoxo de Moscou, combina o nacionalismo grão-russo com um conservadorismo
extremo. O chefe do Kremlin conta com admiradores como Trump, Orbán e líderes
da extrema direita europeia. Bolsonaro admirava Putin por compartilhar com o
russo o conceito de uma ordem social baseada na família tradicional. Lula
figura na lista, mas não por motivos ideológicos. Sua parceria com Putin deriva
de uma visão estratégica.
A Doutrina Lula tem como norte o Sul Global,
expressão altamente imprecisa que substitui o antigo conceito de Terceiro Mundo
e atualiza a noção de anti-imperialismo. Em sua versão atual, adotada por uma
esquerda irreformável, anti-imperialismo é, antes de tudo, hostilidade aos
Estados Unidos e a seus aliados europeus. O Brasil de Lula almeja um lugar de
destaque numa coalizão internacional anti-Ocidente. Nessa visão, China e Rússia
emergem como parceiros privilegiados.
Lula tem rumo — eis aí o verdadeiro problema.
Pois é,coisas erradas acontecem,mesmo assim,Lula é menos nocivo que Bolsonaro.
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