domingo, 31 de março de 2024

Eliane Cantanhêde - Golpe no passado e no presente


O Estado de S. Paulo

Lula acertou ao vetar atos e manifestações oficiais, civis ou militares, neste 31/3

Num ambiente de grave polarização na sociedade e de divisão mais grave ainda nas Forças Armadas, o presidente Lula acertou ao vetar atos e notas oficiais a favor ou contra o golpe militar, deixando a dinâmica da democracia agir e, fora do governo, cada lado se manifestar como bem entender. Há, porém, uma providência inadiável a ser tomada, por mais que haja resistência entre oficiais: rever o ensino militar sobre 1964, desde os colégios militares até a Academia Militar de Agulhas Negras, por exemplo.

Tratada com superficialidade e como retaliação pelo PT, essa providência se tornou uma espécie de dogma nas Forças Armadas, mas, a esta altura, seis décadas depois, é fundamental atualizar o ensino e o debate sobre o golpe e romper uma bolha em que militares de várias gerações e patentes veem aquilo tudo como um passeio no paraíso. Não foi. Nada que abrigue tortura, mortes e desaparecimentos de presos sob a guarda do Estado, inclusive de estudantes muito jovens, pode ser considerado paraíso.

Não faz sentido militares tratarem 1964 como “revolução” e “regime”, quando o mundo inteiro define corretamente como golpe e ditadura. E é incompreensível que os alunos da Aman sejam submetidos a apostilas produzidas dentro da bolha e a palestrantes de um lado só, não a livros de história e a acadêmicos que tragam o sempre muito bem vindo contraditório para aqueles 21 anos. A isso se chama inteligência, debate intelectual e capacidade de pensar, sempre indispensáveis. Inclusive para não gerar jovens oficiais com cabeça golpista.

O Estadão, aliás, nos brinda neste domingo com um caderno especial com quem viveu o antes e o durante o golpe. Os depoimentos foram ao Jornal da Tarde, do mesmo grupo, em 1977 e 1978, ainda sob censura à imprensa – e à verdade – com o compromisso de só serem publicados na íntegra após a morte dos entrevistados. Diz o ditado que “a verdade dói”, mas dores e feridas da história e das sociedades só cicatrizam com a verdade.

Neste 31/3, militares de pijama podem fazer loas a ditadores, assim como famílias, vítimas e militantes têm toda a legitimidade para lembrar os seus mortos e os anos de chumbo e gritar um grito que é de toda a Nação: Tortura, nunca mais! Mas os nervos estão à flor da pele, com Lula caindo nas pesquisas e Jair Bolsonaro acuado por inquéritos e provas. Quem lucraria com notas das Forças Armadas enaltecendo 1964? E com a área civil do governo remoendo as culpas de militares nos porões da ditadura? Isso jamais será esquecido, mas não é hora de potencializar divisões, polarizações, guerras ideológicas. O golpe de 64 passou, mas o golpe de 2022 ainda paira no ar.

 

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