O Estado de S. Paulo
Lula acertou ao vetar atos e manifestações oficiais, civis ou militares, neste 31/3
Num ambiente de grave polarização na
sociedade e de divisão mais grave ainda nas Forças Armadas, o presidente Lula
acertou ao vetar atos e notas oficiais a favor ou contra o golpe militar,
deixando a dinâmica da democracia agir e, fora do governo, cada lado se
manifestar como bem entender. Há, porém, uma providência inadiável a ser
tomada, por mais que haja resistência entre oficiais: rever o ensino militar
sobre 1964, desde os colégios militares até a Academia Militar de Agulhas
Negras, por exemplo.
Tratada com superficialidade e como retaliação pelo PT, essa providência se tornou uma espécie de dogma nas Forças Armadas, mas, a esta altura, seis décadas depois, é fundamental atualizar o ensino e o debate sobre o golpe e romper uma bolha em que militares de várias gerações e patentes veem aquilo tudo como um passeio no paraíso. Não foi. Nada que abrigue tortura, mortes e desaparecimentos de presos sob a guarda do Estado, inclusive de estudantes muito jovens, pode ser considerado paraíso.
Não faz sentido militares tratarem 1964 como
“revolução” e “regime”, quando o mundo inteiro define corretamente como golpe e
ditadura. E é incompreensível que os alunos da Aman sejam submetidos a
apostilas produzidas dentro da bolha e a palestrantes de um lado só, não a
livros de história e a acadêmicos que tragam o sempre muito bem vindo
contraditório para aqueles 21 anos. A isso se chama inteligência, debate
intelectual e capacidade de pensar, sempre indispensáveis. Inclusive para não
gerar jovens oficiais com cabeça golpista.
O Estadão, aliás, nos brinda neste domingo
com um caderno especial com quem viveu o antes e o durante o golpe. Os
depoimentos foram ao Jornal da Tarde, do mesmo grupo, em 1977 e 1978, ainda sob
censura à imprensa – e à verdade – com o compromisso de só serem publicados na
íntegra após a morte dos entrevistados. Diz o ditado que “a verdade dói”, mas
dores e feridas da história e das sociedades só cicatrizam com a verdade.
Neste 31/3, militares de pijama podem fazer
loas a ditadores, assim como famílias, vítimas e militantes têm toda a
legitimidade para lembrar os seus mortos e os anos de chumbo e gritar um grito
que é de toda a Nação: Tortura, nunca mais! Mas os nervos estão à flor da pele,
com Lula caindo nas pesquisas e Jair Bolsonaro acuado por inquéritos e provas.
Quem lucraria com notas das Forças Armadas enaltecendo 1964? E com a área civil
do governo remoendo as culpas de militares nos porões da ditadura? Isso jamais será
esquecido, mas não é hora de potencializar divisões, polarizações, guerras
ideológicas. O golpe de 64 passou, mas o golpe de 2022 ainda paira no ar.
Lula errou.
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