O Globo
As pesquisas do Ipec e da Quaest revelaram
que entre agosto e março a aprovação do desempenho de Lula caiu
enquanto a reprovação cresceu.
As duas linhas se aproximaram, e o resultado
confirmou a pesquisa do
Ipec de dezembro, que mostrava a boca do jacaré aberta: 50% dos
entrevistados não confiavam nele, contra 48% que confiavam. A diferença cabia
na margem de erro. Em março, não cabe mais: 51% não confiam, contra 45% que
confiam.
Alguma coisa está funcionando mal no governo de
Lula 3.0. Não se pode dizer que seja a economia. Anda-se de lado,
mas anda-se. Também não é a política, pois, em mais de um ano de governo,
aprovou-se a reforma tributária e levou-se o andor sem escândalos.
Lula restabeleceu a relação civilizada com governadores filiados a partidos da oposição e enfrentou uma crise militar com um desempenho capaz de causar inveja ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Nelson Jobim, seu ministro da Defesa.
Para quem já teve um presidente que falava em
"meu Exército" e anunciava que não compraria a vacina adquirida pelo
governador paulista João Doria, isso não é pouca coisa.
Num país ainda dividido, seria razoável que
algum mau juízo persistisse, mas não precisava crescer. Uma possível explicação
para esse crescimento está no próprio Lula. Ele foi o motor da vitória
eleitoral, mas há um ano despreza o arco democrático que o elegeu, supondo que
foi uma frente de políticos.
A diferença entre o arco e a frente pode ser
fulanizada: o ex-ministro Pedro Malan esteve no arco, mas não está na frente.
Afora esse enguiço, Lula tem verdadeira
paixão por duas cascas de banana. Uma é a falecida Operação Lava Jato, coisa de
dez anos atrás. Outra são as encrencas internacionais, uma logo ali, na
Venezuela, outra, a milhares de quilômetros, na Faixa de Gaza.
Sua insistência, em ambos os casos, aliena
parte do eleitorado que teve ou poderá vir a ter. As bandeiras de Israel na
campanha presidencial de Bolsonaro eram presepada. Já as que foram levadas para
a avenida Paulista há duas semanas tinham real significado.
A República de Curitiba foi primitiva,
onipotente e parcial, isso está entendido. Contudo a Lava Jato detonou
roubalheiras documentadas e confessadas. Quando Lula fala dos seus defeitos e
esquece o que houve de virtuoso, prega para os convertidos, sejam eles petistas
ou empreiteiros, mas agride parte do eleitorado, que não aprova o que soa como
uma indulgência com os corruptos.
As duas cascas de banana pouco têm a ver com
o desempenho do governo. São inutilidades a serviço de uma espécie de
autoglorificação presente no Lula 3.0.
Nos dois governos anteriores, Lula foi um
presidente que mostrava interesse em dar certo. Afinal, como ele mesmo dizia,
quando um ex-operário chegou à Presidência, não tinha o direito de errar.
O terceiro Lula comporta-se de outra forma.
Não mostra a humildade de quem quer acertar porque está convencido de estar
certo, a respeito de seja lá o que for, da oposição venezuelana à importância
do governo americano na exposição das roubalheiras ocorridas na Petrobras.
Num juízo sereno, a reprovação do governo de Lula não deveria ter crescido, pois nada ocorreu de reprovável, salvo o congelamento de expectativas que eram apenas expectativas. Talvez Lula não tenha percebido, mas como profeta está maltratando o eleitorado.
Generais incomodados
Aqui e ali reverberam sinais de desconforto
de alguns militares com as investigações da Polícia
Federal para desvendar a trama golpista de Bolsonaro. Chefes
militares depondo por horas na Polícia Federal bem como vazamentos irregulares
podem explicar a contrariedade, mas não a justificam.
Os tribunais militares de todos os países
vivem debaixo de uma desconfiança sintetizada pelo presidente francês Georges
Clemenceau (1841-1929): "A Justiça Militar está para a Justiça assim como
a música militar está para a música".
A Justiça Militar brasileira carrega uma
pesada mochila. Ela acreditou que Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho
suicidaram-se, que Rubens Paiva fugiu e que a dupla do DOI nada teve a ver com
a explosão da bomba do Riocentro no colo do sargento.
Na outra ponta, o Superior Tribunal Militar
aliviou para dois capitães: Jair
Bolsonaro, que rabiscou um projeto para detonar a adutora do Guandu,
e Ailton Guimarães Jorge, que arrepiava cargas de contrabandistas no Rio de
Janeiro.
Em tempo: o capitão Guimarães, posteriormente
alistado na artilharia do jogo do bicho, nunca foi acusado de contrabando, mas
de confiscar as muambas.
Na madrugada de 14 de maio de 1971, com uma
tropa da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, ele saqueou uma
casa do subúrbio de Campo Grande onde se guardava uma carga de milhares de
calças jeans, caixas de uísque e perfumes. Os contrabandistas eram policiais
civis e militares. Depois do arrepio, ele teria tentado vender a carga de
calças jeans e perfumes à própria vítima.
Enquanto circulam as notícias de
desconfortos, no Superior
Tribunal Militar trata-se do caso da patrulha do Exército que
matou dois cidadãos em 2019, numa cena em que foram disparados 257 tiros e
circula a tese da legítima defesa.
Toda corporação tem um espírito de corpo. A
questão está em saber para onde ele aponta. Há bons e maus espíritos. Muitos
militares esquecem-se de que a própria corporação deu exemplos de grandeza e
justiça. Tome-se o caso do general Peri Bevilacqua.
Em 1961, durante a crise da renúncia de Jânio
Quadros, ele comandava a 3ª Divisão de Infantaria e foi decisivo para permitir
a posse de João Goulart. Quando Jango dobrou à esquerda, apoiado pelos
"Generais do Povo", Peri desafiou o governo e perdeu o comando da
tropa de São Paulo.
Deposto Goulart, Peri foi para a chefia do
Estado-Maior das Forças
Armadas. Ele dizia o que pensava, passou a incomodar o governo e foi
mandado para o Superior Tribunal Militar. Como votava a favor da libertação de
presos, continuou incomodando. Um de seus votos derrubou uma denúncia contra o
professor Fernando Henrique Cardoso. Pior: em 1966 ele defendeu uma anistia.
Em 1967, Peri aparteou um voto de outro
ministro, o tempo fechou e os dois chegaram a levantar-se. O outro chamava-se
Ernesto Geisel.
Nesses dias, Peri comentou em casa:
"Estão preparando a sementeira do ódio".
Em dezembro de 1968 veio o Ato Institucional
nº 5 e Peri Bevilacqua foi demitido do STM. Pura malvadeza, pois faltavam
poucos meses para que caísse na compulsória. Foram além, confiscando-lhe as
condecorações militares que havia recebido. Era um sinal para outros generais
prestigiosos que ousassem sair da linha.
Peri filiou-se ao MDB e passou a defender a
anistia. Morreu em 1990, aos 91 anos. Em 2002 a família do general foi
informada de que, caso requeresse, as condecorações seriam devolvidas. Seu
filho, um coronel da reserva, recusou-se a pedir.
Meses depois, o presidente Fernando Henrique
Cardoso assinou o decreto que restabelecia as condecorações de Peri.
Lula e militares - 2 excelentes análises! Parabéns ao colunista e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirO colunista entende tudo de militares.
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