O Globo
Para que se declarem felizes, as pessoas
precisam de um sistema público de saúde eficaz
Um ranking da felicidade mundial andou
circulando na semana passada. O Brasil aparece no 44º lugar. Os escandinavos
figuram, como sempre, na dianteira.
Sou cético diante do conceito de felicidade
permanente. Concordo com o poeta Vinícius de Moraes e a vejo como uma gota de
orvalho que oscila e cai como uma lágrima de amor.
Trabalho mais com o conceito de segurança, ou
mesmo de aversão ao risco. A social-democracia o interpretou bem e ganhou
mentes e corações.
Para que se declarem felizes, as pessoas precisam de um sistema público de saúde eficaz. A saúde, para mim, é o fundamento da sensação de felicidade, assim como o bom passe é um fundamento para uma boa partida de futebol.
O Brasil, com sua imensidão e complexidade,
tem um sistema público de saúde respeitável. Durante a pandemia, mesmo quem não
o usa levantava cartazes com os dizeres “Viva o SUS”.
Conheço casais de idosos que se mudaram para
o interior por causa de hospitais públicos satisfatórios em algumas cidades
médias brasileiras.
Uma família amiga tem um dos seus internado
num hospital público no Ceará. Caso difícil, uma
semana de UTI. Se não houvesse assistência gratuita, seu ente querido estaria
morto.
Nem tudo é tranquilo. O Fantástico mostrou
uma senhora rastejando pelas escadas, pois não pode se mover normalmente por
falta de uma prótese. Espera há dez anos. Num hospital federal do Rio há um
depósito de próteses novas abandonadas.
A combinação de crime organizado e
manipulação política criou um estado agudo de crise nos hospitais federais do
Rio. É algo antigo. Gustavo Bebianno, no governo Bolsonaro, denunciou a
presença de milícias. Wilson Witzel chegou
a anunciar que denunciaria os esquemas no Congresso. Segundo o Ministério da
Saúde, houve casos de boa administração no Hospital da Lagoa. Logo, em tese, o
problema é solucionável.
Torço para que o governo corra em busca da
solução. A tarefa de garantir saúde no Brasil é muito cara. Surgem novas
doenças, novas operações. Na semana passada, um brasileiro em Boston liderou
o transplante de um rim de porco num homem. Uma pequena revolução.
É preciso muito dinheiro. E, sem uma
administração primorosa, nem com muito dinheiro alcançaremos o objetivo.
Não vejo a saúde isoladamente. O caso dos
ianomâmis, para os quais o país não acha uma saída, depende muito do contexto.
É preciso retirar mineradores e despoluir os rios, as grandes fontes de
proteína na Amazônia.
Com a água contaminada e sem o que comer, não vejo possibilidade de melhorar o
nível, sobretudo entre as crianças.
O ranking mundial de felicidade coloca
o Afeganistão dos
talibãs como último colocado. Mas, sem água, comida e com hospitais em chamas,
bombardeados por Israel,
creio que os palestinos encarnam, neste momento, a mais trágica condição
humana.
Governos costumam pensar no aumento de
consumo para satisfazer seus eleitores. Esquecem que a saúde é um caminho real.
Escrevi sobre ela, como se fôssemos apenas um corpo físico. Mas, nos últimos
anos, é evidente para todos que os problemas de saúde mental também são muito
importantes.
Até determinado momento, eram considerados
muito secundários. Ocupar-se deles parecia uma frivolidade diante da gravidade
do câncer, das doenças cardíacas.
Lembro-me de que o Butão foi o primeiro
país do mundo a considerar a felicidade como critério de avaliação mais
importante do que o crescimento do PIB. Mas, de novo,
contornarei essa discussão para me fixar apenas na saúde. É um pouco ilusório
pensar que governos resolvem a felicidade individual. O que as pessoas dizem na
rua é isto:
— Saúde e paz, o resto a gente corre atrás.
O que me leva também a uma intuição nada
científica de que o governo obteria sua recompensa se chegasse a um sistema de
saúde eficaz e a uma política bem-sucedida de segurança pública.
Os recados da rua não são dogmas, mas às
vezes ajudam.
O bordão ''saúde e paz,o resto a gente corre atrás'' é do Pedro Bial.
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