sexta-feira, 15 de março de 2024

Hélio Schwartsman - Dilemas lógicos

Folha de S. Paulo

Se STF agisse com coerência na discussão das drogas, entraria em rota de colisão com o Legislativo

Num mundo em que a lógica fosse a marca do STF, uma crise entre Poderes já estaria contratada.

O Supremo está a um voto de formar maioria para declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei Antidrogas.

O referido artigo determina as penas para a posse de entorpecentes para uso próprio. Espera-se também que a corte estabeleça marcos objetivos para distinguir usuários de traficantes.

Numa primeira violação à lógica, o STF, embora tenha decidido aplicar repercussão geral ao caso, resolveu também torná-lo menos geral, restringindo os debates à maconha. Não consigo vislumbrar nenhum raciocínio jurídico coerente que permita concluir que o artigo 28 é inconstitucional em relação à maconha, mas constitucional em relação a outras drogas.

Seja como for, os senadores não gostaram nem dessa versão atenuada e avançam na aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que criminaliza a posse de qualquer quantidade de droga ilícita.

O problema é que, se a corte máxima decidir mesmo que o artigo 28 é inconstitucional, ela o fará com base no artigo 5º da Carta, considerado uma cláusula pétrea. Isso significa, pelo art. 60, §4°, IV do mesmo diploma, que o conteúdo da PEC não poderia ser objeto nem de deliberação. A criminalização representaria uma restrição de direitos individuais, que estão protegidos da ação do legislador ordinário. O STF, quando provocado, não teria alternativa lógica que não a de invalidar a PEC. É claro que o Legislativo reclamaria e teríamos uma situação que poderia evoluir para crise.

Não creio que chegaremos a tanto. Até Lula se pôs em campo para abafar as coisas. Eu não ficaria surpreso se a matéria sumir da pauta do Supremo. Mas, se chegássemos, seria o Legislativo que estaria violando a lógica. Foi o Parlamento, afinal, que aprovou e promulgou a Carta de 1988, que indubitavelmente dá ao STF a última palavra para decidir o que é e o que não é constitucional.

 

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