Folha de S. Paulo
Existem níveis de intimidade que devem estar
ao abrigo até da caneta dos parlamentares
O Supremo Tribunal Federal retoma
nesta quarta-feira (6) o julgamento da
ação que pleiteia a descriminalização de drogas para
uso pessoal. É quase certo que a corte acatará o pedido em relação à maconha
(falta apenas um voto). Em reação, o Senado se
prepara para votar uma PEC que torna
crime a posse de qualquer quantidade de drogas.
A queixa dos parlamentares é que o Supremo, com esse tipo de decisão, estaria criando normas e, portanto, usurpando prerrogativas do Legislativo. Minha leitura é diferente. Alguém precisa evitar que o Parlamento usurpe prerrogativas do cidadão —e esse alguém só pode ser o Judiciário. Existem níveis de privacidade e de intimidade que devem estar ao abrigo até do legislador. "Sobre si mesmo, o seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano", escreveu John Stuart Mill.
Até pouco tempo atrás, vigiam leis que
proibiam a blasfêmia, o suicídio, o sexo entre pessoas não casadas e a
homossexualidade, para dar alguns exemplos. Depois da emergência do consenso
liberal iluminista, a partir do século 18, essas normas foram caindo uma a uma.
E por boas razões. Como cada um se dirige a Deus e faz sexo consensual são
questões que dizem respeito apenas aos envolvidos. O Estado até tem um
interesse legítimo em reduzir os suicídios, mas ameaçar pôr o suicida na cadeia
é apenas dar-lhe mais uma razão para querer deixar esta vida.
Por aqui, permanecem proibidos o aborto e
o uso de drogas —comportamentos que já deixaram de ser criminalizados na mais
liberal Europa ocidental. A França, aliás, acaba de
inscrever o direito ao aborto em sua Constituição. O próximo item da
lista é a eutanásia, que já foi legalizada e regulamentada em pouco mais de
meia dúzia de países.
A menos que ocorra um grande retrocesso civilizacional, um dia o cidadão brasileiro gozará das mesmas liberdades dos cidadãos europeus. Se depender do voto popular, uns 200 anos; se do STF, acho que dá para fazer em 50.
Se proibir resolvesse seria ótimo,o problema é que não resolve,a droga está em todo lugar,ela está no meio de nós.
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