Valor Econômico
Os ‘money doctors’ recomendam que a
valorização-desvalorização da moeda não conversível seja mitigada pelos
emplastros do equilíbrio fiscal
Na última sexta-feira (1º), Luque, Silber,
Luna e Zagha ofereceram o artigo “O enigma do investimento direto no país“ aos
leitores do Valor. Os autores desfiam argumentos bem fundamentados para
avaliar a natureza dos capitais que, sob os auspícios da abertura e
desregulamentação financeiras, alternam entradas e saídas dos países
emergentes.
Escolhi um parágrafo: “Relatórios recentes do FMI observam que os recursos captados no exterior aumentam a liquidez das empresas, mas não suas inversões. Como já observamos neste espaço, isso não é surpresa. Quando a capacidade ociosa é ampla, qual seria a razão para aumentá-la ainda mais? Mas, se a diferença entre juros internacionais e domésticos for alta, é vantajoso se endividar no exterior a taxas menores que têm vigorado nos últimos anos e aplicar esses recursos no mercado financeiro doméstico”. Bingo!!!
Sujeitos às mudanças de humor dos capitais
financeiros em livre movimento, os emergentes sacodem o esqueleto entre as
ilusões do otimismo e as decepções das “paradas súbitas”. Na euforia, as bolsas
comemoram e a taxa de câmbio detona a competitividade da manufatura. Quando
sobrevém o pessimismo, as consequências são funestas: desvalorizações agudas do
câmbio, balanços “avermelhados” das empresas e bancos que se endividaram em
moeda estrangeira, choque inflacionário, queda de salários reais e recessão.
“Money Doctors“: assim eram chamados os
conselheiros a serviço da “haute finance” que perambulavam pela periferia entre
o último quartel do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Leio e ouço
na mídia tupiniquim as opiniões de conhecidos e reputados “money doctors” da
nova geração, aviando receitas para os achaques do câmbio. Recomendam que as
intermitências valorização-desvalorização da moeda não-conversível tenha seus
incômodos mitigados pelos emplastros do equilíbrio fiscal.
Entre os dissidentes - como os autores
supracitados - há quem atribua os surtos de valorização-desvalorização das
moedas inconversíveis aos investidores abastecidos de liquidez em moeda forte
que buscam escapar dos baixos rendimentos oferecidos nas economias centrais. Na
opinião desses amaldiçoados, em tais circunstâncias, os gestores da riqueza
líquida aceleraram o carry-trade entre as modestas taxas de juro dos países
desenvolvidos e as confortáveis e recompensadoras remunerações dos mercados
emergentes.
Os doutores mais ousados da corrente
dominante chegam a desconsiderar a existência de relações entre juros e câmbio
em uma economia aberta e exposta aos movimentos de capitais. Em suas
recomendações, ignoram a reiteração de episódios de “fuga de capitais” e
advertem que os juros refletem o risco fiscal e, assim, a política monetária
deve empenhar forças para enfiar a inflação na meta.
Vamos recordar: as economias emergentes, no
início dos anos 1990, açoitadas pela alta inflação, encontraram a mezinha capaz
de curar suas agruras. É preciso esclarecer que o Brasil - até então machucado
pelas dores da crise da dívida externa - passou da condição de doador para
receptor de recursos financeiros. Isso foi possível graças à deflação da
riqueza mobiliária e imobiliária observada já no final de 1989 nos mercados
globais.
A recessão americana, que se prolongou até
meados de 1992, e o “estouro” da bolha especulativa japonesa foram fatores que
exigiram grande lassidão das políticas monetárias com o propósito de tornar
possível a digestão dos desequilíbrios correntes e do balanço patrimonial de
empresas, bancos e famílias, atingidos pelo colapso do exuberante surto de
valorização de ativos que se seguiu à intervenção salvadora de 1987.
Ao estado quase depressivo dos mercados de
qualidade e à situação de sobre liquidez, causada por um período prolongado de
taxas de juros muito baixas, juntou-se um quadro, nos mercados emergentes
latino-americanos, de estoques de ações depreciados, governos fortemente
endividados e proprietários de empresas públicas privatizáveis distribuídas por
vários setores da economia, além das perspectivas de valorização das taxas de
câmbio e da manutenção de taxas de juros reais elevadas, em moeda forte, mesmo
depois da estabilização.
No momento da reforma monetária empreendida
pelo exitoso e bem concebido Plano Real, as reservas já eram superiores a US$
40 bilhões, um nível correspondente a 18 meses de importação e mais do que
suficiente para amparar a fixação do câmbio como instrumento da política de
estabilização. Até a crise de 1998/99, as reservas chegariam a US$ 70 bilhões,
sustentando e renovando a aposta na ancoragem cambial.
A regra básica das estabilizações com
abertura financeira é a da criação de uma oferta de ativos atraentes. Neste rol
estão incluídos títulos da dívida pública, em geral curtos e de elevada
liquidez; ações de empresas em processo de privatização; bônus e papéis
comerciais de empresas e bancos de boa reputação; e posteriormente, ações
depreciadas de empresas privadas, especialmente daquelas mais afetadas pela
abertura econômica, valorização cambial e taxas de juros altas.
Diante da fragilidade intrínseca das moedas
recém-estabilizadas, estes ativos precisavam prometer elevados ganhos de
capital e/ou embutir prêmios de risco em suas taxas de retorno. Cria-se assim
uma situação na qual a rápida desinflação é acompanhada por uma queda muito
mais lenta das taxas nominais de juros. As taxas reais não podem ser reduzidas
abaixo de determinados limites estabelecidos pelos spreads exigidos pelos
investidores estrangeiros para adquirir e manter em carteira um ativo
denominado em moeda fraca, artificialmente valorizada.
A desvalorização do real em 1999 e a adoção
de um regime de câmbio flutuante se aliaram às benesses da demanda chinesa de
commodities e aos benefícios do dinamismo do agro para elevar o saldo comercial
- um movimento lento entre 1999 e 2001 e mais rápido a partir de 2002.
Impulsionado pela demanda chinesa de commodities e amparado em uma política
econômica prudente, o Brasil acumulou cerca de US$ 380 bilhões em reservas
(hoje em torno de US$ 355 bilhões).
Os “hermanos” se debatem nos torvelinhos das
reservas minguadas, fuga da moeda nacional e, desgraçadamente, desatinos
político-econômicos.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do
Instituto de Economia da Unicamp e professor emérito da Universidade Federal de
Goiás.
Lendo e tentando entender.
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