O Globo
Imagine o que seria o cenário político
do Brasil hoje
se a Procuradoria-Geral da República (PGR)
e o Supremo Tribunal Federal (STF),
controlados por Jair
Bolsonaro, tivessem com uma canetada cassado os direitos políticos
de Lula e
de Simone Tebet por
15 anos e impedido os dois de disputar as eleições de 2022. Ou que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE)
tivesse trocado a data da votação para 31 de março só para render homenagem à
ditadura militar.
Daria para acreditar que uma eleição nessas
condições teria um resultado justo? A pergunta é obviamente retórica e um tanto
absurda, já que tal situação seria impensável no Brasil — onde, apesar da onda
golpista dos últimos anos, ainda temos uma democracia.
Não é o caso da Venezuela,
onde a Controladoria-Geral e o Supremo, dominados por Nicolás
Maduro, retiraram da disputa deste ano seus dois principais
opositores — e ainda mudaram a data do pleito, que tradicionalmente ocorre em
dezembro, para 28 de julho, aniversário do falecido presidente Hugo Chávez.
Para Lula, porém, levantar qualquer dúvida
sobre a lisura das eleições venezuelanas é prejulgamento.
— Não podemos jogar dúvida antes das eleições acontecerem, que aí começa discurso de prever antecipadamente que vai ter problema — afirmou o presidente brasileiro a jornalistas ontem no Palácio do Planalto. — Temos que garantir a presunção de inocência, até que haja as eleições para que a gente possa julgar se foi democrática ou decente.
O brasileiro ainda disse que Maduro lhe
garantiu que vai “convocar todos os olheiros internacionais do mundo que
quiserem acompanhar as eleições”.
Lula não é bobo nem mal informado, conhece
Maduro de outros carnavais e tem à disposição um corpo diplomático plenamente
capaz de informá-lo de que a Venezuela mantém cerca de 300 presos políticos e
protagoniza a maior crise humanitária do planeta, com quase 8 milhões de
exilados.
A perseguição a opositores, com
desaparecimentos e torturas, é uma das razões por que o governo venezuelano é
alvo de uma investigação no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a
humanidade.
Na semana passada, Maduro ainda expulsou do
país integrantes do Alto Comissariado da ONU para
os Direitos Humanos porque, entre outras razões, protestaram contra a prisão da
ativista Rocío San Miguel, conhecida por denunciar crimes militares.
Presa há um mês pela polícia de Maduro sob as
acusações de “traição à pátria”, “terrorismo” e “conspiração”, ela ficou
semanas incomunicável, com paradeiro desconhecido. Foi preciso a intermediação
da embaixada da Espanha (ela
é cidadã espanhola) para que fosse garantido seu direito a receber visitas da
família e de um advogado.
Não há sinal, portanto, de que Maduro esteja
realmente disposto a receber olheiros para fiscalizar as eleições — a menos,
talvez, que venham da Nicarágua,
da Rússia ou
de Cuba.
Por essas e outras razões, não faz nenhum
sentido comparar o cenário político do Brasil ao da Venezuela. Lula, porém,
arriscou. Aos jornalistas, ele disse esperar que a oposição venezuelana não
tenha o mesmo comportamento da brasileira:
— Se o candidato da oposição tiver o mesmo
comportamento da oposição daqui, nada vale.
E cutucou:
— Eu fui impedido de concorrer às eleições de
2018. Em vez de ficar chorando, indiquei um outro candidato que disputou as
eleições.
Pois a questão é justamente essa. A diferença
entre Lula e a oposicionista María Corina Machado, que aparecia na liderança
das pesquisas, mas foi sumariamente excluída de eleições na Venezuela pelos
próximos 15 anos, é que Lula não foi impedido de disputar por uma ditadura, mas
por decisão judicial. E, se o Brasil não fosse uma democracia, nem o PT poderia
ter indicado outro candidato para substituí-lo, nem ele poderia voltar a
disputar eleições em 2022 — e ganhar.
Não chega a ser novo ver Lula fingir que não
vê os crimes cometidos por ditaduras amigas enquanto denuncia os perpetrados
por inimigos geopolíticos.
Mas continua sendo intrigante ver o tom e a
ênfase com que defende Nicolás Maduro. Parece que, quanto mais se acumulam
evidências de monstruosidades cometidas pelo venezuelano, mais o brasileiro se
empenha em absolvê-lo.
Tal postura fica ainda mais esdrúxula
considerando que acabamos de passar por um trauma que poderia ter nos lançado
de novo sob uma ditadura em que o petista certamente não seria o presidente — e
que apoiar Maduro só piora sua imagem diante dos eleitores que de fato prezam a
democracia como valor.
A única explicação possível é que Lula
acredita mesmo no que diz e que, para ele, democracia é um conceito relativo.
Só é sagrada se for para favorecê-lo. Senão, não faz mesmo diferença.
Há gente boa que não vota no Lula só por isso,faz sentido,essa gente tem anulado seus votos.
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