O Estado de S. Paulo
Com o enfraquecimento dos setores moderados estamos indo na contramão do caminho do diálogo e da paz que o Ocidente diz defender
Por instrução do presidente Lula, realizei na
semana passada visitas à Cisjordânia, na Palestina, à Jordânia, ao Líbano e à
Arábia Saudita, quatro dos protagonistas indispensáveis de qualquer futura
solução de paz para o Oriente Médio. Além das reuniões de trabalho com os
chanceleres, fui recebido pelos chefes de Estado e de governo palestino,
jordaniano e libanês, e pelo chanceler saudita, para conversas nas quais
algumas conclusões consensuais surgiram naturalmente.
A primeira é a de que o Brasil, ao contrário do que sugerem alguns críticos mais apressados, tem efetivamente um papel a ocupar no debate sobre o futuro da Palestina, sua viabilização como Estado e a construção de uma paz duradoura no Oriente Médio. Se não bastasse a relevância da defesa dos interesses de 6 mil palestinos de origem brasileira que vivem na Cisjordânia e dos 22 mil brasileiros e descendentes que vivem no Líbano, 4 mil dos quais na zona de fronteira com Israel, as autoridades com quem conversei deixaram claro que o Brasil e o presidente Lula já ocupam, na prática, um papel de liderança nesse debate. E que somos muito bem-vindos.
Ao elogiar e agradecer o presidente Lula, em
uníssono, pela coragem com que tem criticado as atrocidades cometidas pelo
governo Netanyahu em Gaza, e que já são objeto de ação na Corte Internacional
de Justiça, essas autoridades e as lideranças das comunidades brasileiras na
Palestina e no Líbano me transmitiram um apelo: o de que a voz do Brasil
continue a ser ouvida no debate em favor da causa palestina, da defesa dos
civis palestinos e da cessação de hostilidades não somente em Gaza, mas também
na Cisjordânia, na Síria e na fronteira de Israel com o Líbano. Qualquer erro
de cálculo nessa fronteira, com presença de forças da Organização das Nações
Unidas (ONU), pode deflagrar cenários de alastramento do conflito, com
consequências imprevisíveis para toda a região. Nela, nos dias de hoje, as
hostilidades já são constantes, o que gerou uma massa de quase 200 mil
deslocados, libaneses e israelenses.
Este apelo pela participação do Brasil e a
gratidão com que as posições do presidente Lula foram recebidas no mundo árabe
têm como um de seus fundamentos o vácuo deixado por relevantes atores do
Ocidente na defesa dos direitos da Palestina e dos palestinos. A reação
inicialmente tímida do Ocidente às atrocidades em Gaza foi percebida por
setores representativos das elites e da população da Palestina e dos seus
aliados, na prática, como uma forma de abandono e de hipocrisia, meses apenas
depois da intensa mobilização ocidental em apoio à Ucrânia e aos civis
ucranianos. Os dois pesos e duas medidas do Ocidente, já apontados pelo Brasil
em outubro passado, quando o País ocupava a presidência do Conselho de
Segurança da ONU, não passaram em branco no mundo árabe e foram recebidos com
desalento, em especial pelos setores moderados da política e da sociedade.
Um dos meus interlocutores no Líbano chegou a
afirmar que “o Ocidente perdeu seus valores” em relação aos direitos humanos no
conflito de Gaza e diante dos abusos e das agressões crescentes à população
palestina na Cisjordânia por colonos e forças israelenses. Nos dias atuais,
cerca de 700 check points ou pontos de obstrução israelenses em território da
Cisjordânia dificultam, e não raras vezes impedem, o direito de ir e vir dos
palestinos. Um mero sobrevoo da Cisjordânia, como o que fiz a caminho de Ramala,
mostra os efeitos nocivos, para a solução de dois Estados, da política
sistemática de ampliação de assentamentos pelo governo Netanyahu ao longo de
seu período no poder.
O Ocidente perdeu, assim, na visão desse
interlocutor libanês, a oportunidade de aplicar seus valores de modo coerente,
papel que vem sendo ocupado pelo Brasil ao lado de países democráticos do mundo
em desenvolvimento, como a África do Sul e a Indonésia. Lembrou, também, a
verdade inconveniente de que alguns dos países que lançam doações de aviões são
os mesmos que fornecem a Israel equipamentos e munição que impactam diariamente
os civis em Gaza.
O resultado deste descompasso do discurso
ocidental no Oriente Médio é, lamentavelmente, o nítido estreitamento do espaço
das forças moderadas e o imediato aumento da popularidade de grupos como o
Hamas, que se verifica claramente hoje na opinião pública não só da Palestina,
mas também do Líbano e da Jordânia.
Estamos, portanto, com o enfraquecimento dos
setores moderados, indo na contramão do caminho do diálogo e da paz que o
Ocidente diz defender. Essa rota de colisão precisa ser revertida com urgência
e, ao lado do cessar-fogo em Gaza, novamente objeto de um projeto rejeitado no
Conselho de Segurança na semana passada, é preciso avançar no debate sobre o
futuro da Palestina. O primeiro gesto político nesse sentido deve ser a
admissão da Palestina como membro pleno da Organização das Nações Unidas, que
não pode mais esperar. É hora de ação, e o Brasil já está engajado nessa
articulação, que nada mais é que uma questão de justiça: 139 dos membros da ONU
já reconhecem o Estado da Palestina, e esse apoio amplamente majoritário
precisa ser convertido em ações concretas, a começar, sem mais demora, pela
ONU.
*Ministro das Relações Exteriores
Excelente! O Conselho de Segurança da ONU hoje, finalmente, depois de meses perdidos e de mais de 32 MIL PALESTINOS MORTOS, sendo mais de 10 MIL CRIANÇAS PALESTINAS, adotou, por via indireta, a proposta sempre defendida pelo governo brasileiro, vetada anteriormente pelos EUA, que hoje COVARDEMENTE se absteve.
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