domingo, 3 de março de 2024

Míriam Leitão - A fotografia da economia

O Globo

O ano passado cresceu mais do que o esperado, mas agora em 2024 o resultado será mais disseminado na economia, ainda que menor

Na economia, o ano passado foi melhor do que o esperado e este ano será melhor do que parece. A natureza do crescimento do PIB é diferente entre os dois anos. Em 2023, a alta de 2,9% foi concentrada em agricultura e indústria extrativa, este ano pode ser alavancada pela queda dos juros, pelo aumento do crédito e do consumo, um crescimento mais disseminado. Há lições importantes a serem tiradas do desempenho da economia. O mercado precisa melhorar seus modelos porque nos últimos três anos subestimou em sete pontos percentuais o crescimento do PIB, quando se compara o dado final com as projeções feitas no início de cada ano. O ministro Fernando Haddad fez um bom trabalho em superar as divisões internas e ao reverter o ceticismo do mercado, mas ainda tem batalhas decisivas pela frente.

Os dados divulgados na sexta-feira pelo IBGE mostram um retrato interessante. O país teve um crescimento puxado pela agropecuária, por petróleo, gás e minério de ferro. Mas a construção civil caiu e a taxa de investimento encolheu. Uma alta que foi concentrada também no tempo, porque o crescimento foi forte no primeiro semestre e houve estagnação no segundo. Mas foi um ano melhor do que o esperado em diversos indicadores: o PIB cresceu três vezes mais do que a mediana do mercado indicava no começo do ano. A inflação também contrariou previsões e fechou no intervalo da meta. O desemprego caiu, a renda subiu. E a dívida pública, que se previa chegar a 80%, ficou em 74%. Mesmo assim, há, claro, um problema fiscal a ser enfrentado.

Este ano o crescimento será “melhor” do que o do ano passado, me disse o economista Mansueto Almeida. E o curioso disso é que, pelas projeções, o PIB vai crescer menos, em torno de 2%. Como então poderá ser melhor?

— O crescimento virá da combinação de uma recuperação maior do crédito com juros menores, aumento real do salário mínimo e continuidade da recuperação da massa salarial real com o mercado de trabalho aquecido. E espero uma recuperação lenta e gradual do investimento no segundo semestre — diz Mansueto.

Ele acrescenta que, pelo fato de vir da flexibilização da política monetária, será mais disseminado e pode chegar até a indústria de transformação. A dinâmica do crescimento será diferente porque não será concentrado num período do ano, como foi em 2023.

Até as más notícias do ano precisam ser temperadas. O saldo comercial será menor em 2024 do que foi em 2023, mas será o segundo melhor da história. A safra vai encolher, mas será a segunda maior da história.

O economista José Roberto Mendonça de Barros acredita que, neste ano, o país vai crescer 2,5%. Esta é a maior previsão no mercado. Outros bancos já estão revisando para cima em torno de 2%. Mendonça de Barros acha que será puxado pelo consumo das famílias, em parte pelo aumento dos benefícios sociais, mas em parte pela melhoria dos salários, pelos juros mais baixos, pela queda do custo implícito do crédito, e por ganhos de produtividade em algumas áreas. Ele disse que ouviu do pessoal da construção civil que já há escassez de mão-de-obra qualificada.

— Este ano cresce a construção civil, que encolheu 0,5% em 2023. Cresce pelo residencial e por obras de infraestrutura.

O retrato da economia é melhor do que o imaginado e o previsto, porém mesmo assim ressoa o aviso da diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, na entrevista a Sérgio Lamucci, do Valor Econômico. Ela disse que o Brasil tem sido uma boa notícia para a economia internacional, porém cresce menos do que o seu “potencial” e sua “ambição”. O país pode fazer mais, explicou a economista búlgara, para atrair capital para investimento e aproveitar as “fontes de competitividade”.

A questão que fica da divulgação do PIB é esta. Foi muito melhor do que o esperado. Em parte pela ação do governo. Haddad “está fazendo um trabalho notável”, na definição de Mendonça de Barros. E não tem sido fácil. O ministro começou o ano enfrentando o ceticismo do mercado financeiro e o bombardeio do fogo amigo. Mas o Brasil pode aproveitar o momento e crescer muito mais do que tem crescido. Não será com o estatismo que às vezes se insinua em determinadas ideias do governo. Será realizando o nosso potencial e buscando a nossa ambição.

 

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