O Globo
Em depoimento, os dois ex-comandantes, o do Exército e o da Aeronáutica, implicaram diretamente o ex-presidente na tentativa de golpe
O depoimento do general Marco Antonio Freire
Gomes foi considerado “consistente” e “revelador”, segundo eu apurei. Ele
relata que foram apresentadas a ele pelo próprio ex-presidente Jair
Bolsonaro e pelo ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira,
duas versões da minuta do golpe, avisando que aquilo tinha que ser
implementado. O brigadeiro Carlos de Almeida Batista Jr. também foi nessa
linha. Bolsonaro deve ser indiciado, junto com o tenente-coronel Mauro Cid,
no caso das vacinas, ainda nesta quinzena. Depois tem o caso das joias. Até o
meio do ano, a investigação sobre a tentativa de golpe levará ao indiciamento
dos culpados.
O que eu apurei coincide com o que a minha colega Bela Megale publicou ontem na versão online deste jornal. Sim, os comandantes implicaram diretamente o ex-presidente na tentativa de golpe. A fala dos dois ex-comandantes, o do Exército e o da Aeronáutica, é confirmada pelos fatos, como a minuta do golpe que também foi encontrada no gabinete do ex-presidente dentro do Partido Liberal. “É depoimento, mas está comprovado pela apreensão que foi feita”, me disse uma fonte.
A impressão geral é que os depoimentos do
general e do brigadeiro preencheram “lacunas”. Foram dados detalhes da reunião
em que isso foi discutido, quem estava e o que disseram. “E as peças foram se
encaixando como num quebra-cabeças”, me disse uma fonte.
O ponto central dos depoimentos,
principalmente o do general Freire Gomes, é que o próprio presidente apresentou
a minuta. Foi Bolsonaro também quem chamou reservadamente no Alvorada, o
general Estevam Theophilo, comandante do Coter, o comando das Operações
Terrestres, onde teria mostrado o “firme propósito de implementar o que estava
escrito”. O general Theophilo disse que foi à reunião no palácio a mando de
Freire Gomes. Contudo, Freire Gomes não confirmou essa informação e disse que
não partiu dele a ordem.
Com esses depoimentos, a última fase da busca
e apreensão, a análise dos celulares, a delação do ajudante de ordens Mauro Cid
vai se confirmando. Mas ele será inquirido novamente para tirar outras dúvidas.
Isso não significa falha na delação, mas apenas, segundo me explicaram, o
processo normal, que é dinâmico. Depois disso, o juiz analisa o contexto final.
Mauro Cid está envolvido em várias
investigações. A que está sendo encerrada esses dias é a do caso das vacinas.
Termina ainda nesta quinzena de março. Ele deve ser indiciado da mesma forma
que o ex-presidente e outros envolvidos na fraude dos certificados de
vacinação. Na sequência, virá o caso das joias, que depende de colaboração
internacional.
A mais relevante das três investigações é a
da conspiração para dar um golpe militar contra a democracia brasileira.
Segundo a minha apuração, até meados do ano, deve estar na fase de indiciamento
dos responsáveis. Há um vasto material.
A dúvida em torno do general Freire Gomes é o
motivo pelo qual ele não denunciou o que estava sendo preparado. Isso é uma
vertente da investigação, as razões da estratégia de não denunciar. E até os
acampamentos diante dos quartéis, por que não desfazê-los?
A versão apresentada pelos militares é a de
que havia um parecer jurídico considerando que desfazer os acampamentos não era
atribuição do Exército, porque seria um caso de segurança pública. O problema é
que os militares chegaram a pôr tropas para impedir a retirada dos acampados
pedindo golpe de estado. O depoimento esclarece alguns pontos, mas os motivos
pelos quais o golpe e as minutas vistas pelos comandantes não foram denunciados
ainda são parte da investigação.
O que eu ouvi de outras fontes militares que
não estão sendo investigadas é que toda a situação criava um dilema. Denunciar
poderia ser entendido como interferência no processo eleitoral. Nada falar
também poderia ser entendido como interferência e que o general Freire Gomes
tem a seu favor o fato de que a disciplina foi preservada nas 667 organizações
militares da Força Terrestre. E não houve qualquer movimento porque o general
disse “não” ao golpe. Uma fonte da investigação que ouvi ontem concorda que “isso
é relevante juridicamente e mostra que houve uma estratégia para neutralizar a
ação tresloucada do ex-presidente e do ex-ministro da Defesa, alertando que não
haveria concordância nenhuma do Exército. E nem da Aeronáutica”.
Ainda bem.
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