quinta-feira, 21 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Conclusão da reforma tributária preocupa

Folha de S. Paulo

Passados 90 dias desde a promulgação da emenda, não há sinal de projeto do governo ou das principais forças políticas

A aprovação da emenda constitucional da reforma tributária foi justamente celebrada como um feito histórico no ano passado. Entretanto é necessário lembrar que, sem uma regulamentação politicamente difícil, o novo sistema de impostos não sairá do papel —e o andamento desse processo suscita preocupações agora.

O Congresso promulgou a mudança na Carta em 20 de dezembro de 2023. O texto abre caminho para que a tributação do consumo de bens e serviços, excessiva e socialmente injusta no Brasil, torne-se ao menos mais simples e eficiente economicamente.

Passados 90 dias, porém, nada andou. Inexiste projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou proposta acordada entre as principais forças políticas do país, para colocar em prática a reforma. Sem isso, tudo fica como está.

O Brasil, como se sabe, submete seus contribuintes a um dos modelos de taxação do consumo mais complexos do mundo, se não o mais. Há hoje nada menos que cinco grandes tributos incidentes sobre a venda de mercadorias e serviços, nos três níveis de governo: Cofins, PIS e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal.

Esse arranjo esdrúxulo resulta num labirinto de alíquotas, que mudam conforme o produto e a região, de regras, exceções e regimes especiais —para nem falar em preços exagerados, empresas que se instalam em locais inadequados e obstáculos aos investimentos.

A reforma institui apenas um grande tributo sobre bens e serviços, compartilhado entre o governo federal e os entes regionais, além de um imposto seletivo sobre artigos prejudiciais à saúde e ao ambiente. A arrecadação deve permanecer a mesma para todos.

Para os desavisados, pode parecer simples, mas a tarefa é hercúlea. Lobbies empresariais e políticos estão organizados para manter privilégios hoje existentes, e estados e municípios disputarão vantagens em suas receitas. Se todos forem bem-sucedidos, o sistema tributário continuará caótico.

O governo Lula, ao qual deveria caber a missão de negociar os termos da mudança, dá seguidas mostras de falta de planos e de capacidade de articulação política em um Congresso pouco amigável.

É o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quem está insistindo para apressar a discussão da regulamentação, dados os prazos exíguos de tramitação em um ano de eleições municipais.

Sem um amplo entendimento político, contudo, interesses de grupos influentes podem desfigurar a reforma.

A trapalhada do ministro

Folha de S. Paulo

No afã de mostrar serviço, Lewandowski ultrapassa fronteira com caso Marielle

Nos 17 anos em que serviu como ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski não raramente viu-se envolvido em polêmicas decorrentes da origem de sua indicação para o cargo, a proximidade com o então e hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Enumeram-se entendimentos favoráveis ao petismo, de embates pelo garantismo quando relator do mensalão ao fatiamento da decisão sobre o impeachment de Dilma Rousseff, que permitiu à ex-presidente manter direitos políticos.

Seus defensores sacam o notório saber jurídico, que o destacava de outras escolhas mais políticas feitas pelo próprio Lula à corte. Aposentado em 2023, rumava para uma lucrativa carreira privada.

Mas foi convocado pelo PT para substituir Flávio Dino, ex-ministro da Justiça levado ao Supremo. Esperava-se uma gestão menos estridente do que a do maranhense, mas esse primeiro mês e meio se mostrou desafiador ao vaticínio.

Lewandowski viu-se logo confrontado com uma crise inaudita, a fuga de dois presos de uma penitenciária federal de segurança máxima em Mossoró (RN). Correu a enumerar medidas e promoveu intensa mobilização policial. Dos fugitivos, porém, não há notícia.

A pressão na área da segurança, apontada em pesquisas como um calcanhar de Aquiles da gestão Lula, desaguou em novo ineditismo.

Na terça (19), o ministro fez um inusitado anúncio da homologação, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, da delação premiada de Ronnie Lessa, preso sob acusação de matar a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, em 2018.

Ressalvando desconhecer seu teor, disse que a delação "traz elementos importantíssimos que nos levam a crer que brevemente teremos a solução do assassinato".

Não é papel de um ministro do Executivo antecipar investigações criminais. Pior, sugere afã de atender à cobrança de Lula por mais divulgação do governo, ante a queda de sua popularidade. O pasmo foi expresso até pela viúva de Marielle, Mônica Benício, que sentiu cheiro de exploração política.

Além de inapropriada, a fala tem o duplo condão de arriscar o ministro ao vexame, caso não haja avanços no necessário esclarecimento do crime, e o de politizar quaisquer elucidações.

O show de Lewandowski

O Estado de S. Paulo

Foi constrangedor ver um ministro outrora conhecido por sua discrição servir de mestre de cerimônias do espetáculo político em que governo Lula transformou a resolução do caso Marielle

Na campanha em que se elegeu presidente, Lula da Silva prometeu a solução do caso Marielle Franco. Na verdade, para o chefão petista a investigação era só protocolar, porque ele já declarava, no palanque, que o assassinato da vereadora carioca fora obra da “gente dele”, em referência ao então presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é antiga e notória a exploração política do crime por parte de Lula, mas agora a coisa toda descambou para um espetáculo vergonhoso, tendo como mestre de cerimônias o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, outrora conhecido por sua discrição.

Anteontem, de supetão, Lewandowski anunciou que faria um pronunciamento no fim daquela tarde sobre o caso Marielle. As atenções do País, é óbvio, voltaram-se para o acontecimento. Afinal, não é todo dia que um ministro de Estado anuncia do nada um pronunciamento, sobretudo a respeito de tema tão sensível para a sociedade brasileira. Decerto não foram poucos os que esperaram que o governo federal fosse anunciar, enfim, quem havia mandado matar a vereadora Marielle Franco e por qual motivo.

Como o País inteiro pôde ver, foi um anticlímax. O ministro da Justiça apequenou-se. Lewandowski se limitou a informar que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), havia homologado o acordo de colaboração premiada firmado entre a PF e o ex-policial militar Ronnie Lessa, agora assassino confesso da vereadora e do motorista dela. Em tempos menos espalhafatosos, uma informação como essa chegaria a público numa entrevista rotineira dada por subordinados do ministro, sem a pompa de um pronunciamento oficial.

No horário marcado, Lewandowski surgiu diante das câmeras, anunciou a homologação do acordo, elogiou o trabalho da PF e disse que “a elucidação do caso está próxima” – gerando mais expectativas na sociedade e, mais grave, nos familiares das vítimas. Em menos de quatro minutos, virou as costas e foi embora. Coberta de razão, a vereadora Monica Benício (PSOL-RJ), viúva de Marielle, afirmou que a fala do ministro “em nada colabora, apenas aumenta as especulações e uma disputa de protagonismo político que não honram as duas pessoas assassinadas”.

Compreende-se a reação de Monica Benício. Após a posse de Lula, sobretudo a partir da transferência das investigações para a PF, subordinada administrativamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o governo federal transformou o caso Marielle num circo. No afã de transmitir ao País a ideia de que o governo Lula da Silva está trabalhando na área da segurança pública, um de seus flancos mais vulneráveis, parece que vale tudo. Em meados de janeiro, convém lembrar, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse estar “convicto” de que o caso Marielle estaria resolvido até o fim de março. Para um inquérito que corre sob sigilo, o delegado foi bastante loquaz, outra evidência de que a instrumentalização da morte de Marielle para fins políticos veio para ficar.

Nem se discute aqui se a entrada da PF no caso era necessária e se, a partir disso, as investigações avançaram em relação aos achados da Polícia Civil do Rio. O fato é que o que nasceu como uma ambição política, e não técnico-policial, evoluiu naturalmente para a espetacularização, não raro vulgar e, principalmente, desrespeitosa à memória das vítimas e ao sofrimento de seus familiares. Assim foi quando o ministro da Justiça e Segurança Pública era Flávio Dino, um notório caçador de holofotes, e assim continua sendo na gestão de Lewandowski.

Comportamentos como o de Lewandowski, mas não só, evidenciam que objetivos político-partidários sobrepujaram a condução republicana de uma investigação policial, como se a solução do caso Marielle fosse uma encomenda, tal como o próprio crime. Até o STF parece ter sido contaminado por esse mau direcionamento. O caso chegou ao Supremo faz pouco mais de uma semana. E em apenas cinco dias Moraes homologou um acordo que envolve uma complexa investigação de seis anos.

É preciso acelerar a reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Há muito a ser feito e pouco tempo para concluir os trabalhos para regulamentar a reforma. Governo e Legislativo não podem titubear nem se perder em disputas de poder inócuas

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrou o governo sobre o envio dos projetos de leis complementares para regulamentar a reforma tributária sobre o consumo. Para Lira, essa fase precisa ser encerrada ainda neste ano, sob pena de que a proposta venha a naufragar.

Tem razão o presidente da Câmara ao fazer um apelo público ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. À primeira vista, o calendário para a aprovação dos projetos parece confortável, uma vez que a reforma entrará em vigor somente em 2026.

No entanto, a disputa eleitoral deve encurtar o ano no Legislativo. Com deputados e senadores dedicados a apoiar prefeitos em suas bases, o governo teria apenas o primeiro semestre para tocar os projetos de seu interesse no Congresso.

Os 19 grupos técnicos responsáveis pela elaboração dos anteprojetos, no entanto, ainda não concluíram os trabalhos, e os textos ainda terão de ser submetidos a Haddad antes que eles se tornem projetos aptos a serem enviados ao Legislativo.

Todas essas discussões não podem se estender além deste ano. Em 2025, será preciso regulamentar a reforma por meio de normas infralegais que dependem dos projetos de lei. Além disso, será preciso testar os sistemas para garantir que a transição entre o modelo atual e o novo ocorra sem contratempos.

Não será uma tarefa trivial, dado que a reforma aprovada pelo Congresso, que cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e unifica cinco tributos federais, estaduais e municipais, representa uma verdadeira revolução diante do caótico modelo tributário brasileiro.

A emenda constitucional, no entanto, deu apenas as diretrizes gerais que agora precisam ser devidamente detalhadas, discutidas e aprovadas. Entre os temas pendentes está a governança do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo cuja arrecadação será dividida entre Estados e municípios.

Será preciso garantir a não cumulatividade dos tributos, que corrói a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, estabelecer os itens da cesta básica que serão ou não desonerados e discutir os detalhes dos regimes específicos, diferenciados ou favorecidos para alguns setores econômicos.

Também será preciso decidir quais serão alvo do Imposto Seletivo, cuja alíquota será de até 1% sobre a produção. Naturalmente, todos os setores que potencialmente possam se tornar alvo dessa cobrança têm trabalhado para se livrar dela, como a indústria de alimentos ultraprocessados e de bebidas açucaradas e os setores de mineração e petróleo.

Disso dependerá a alíquota padrão do IVA, que, aliás, o governo ainda não divulgou. Antes da aprovação da reforma, o Ministério da Fazenda a havia estimado em 27,5%, mas as mudanças no texto durante a fase final de tramitação ainda não haviam sido incorporadas quando tal porcentual foi divulgado.

Críticos da reforma podem até argumentar que esse porcentual colocaria o País na liderança das alíquotas mais elevadas do mundo, mas nenhum deles arriscaria dizer qual o nível de tributação do modelo atual – não por incompetência, mas porque as distorções do sistema atual tornaram uma tarefa tão simples como essa simplesmente impossível.

Apesar de a demora dos grupos técnicos do governo para concluir os anteprojetos ser evidente, o Congresso também deveria fazer a sua parte e colaborar com o avanço da reforma. Lira já poderia ter definido o relator dos textos na Câmara, mesmo porque mais de 70 pontos precisam de legislação complementar.

Além disso, seria prudente que os parlamentares recuassem da proposta paralela que articulam para impor travas ao Imposto Seletivo e reduzir as prerrogativas da Receita Federal sobre o tema. Trata-se de clara e indevida invasão de competências por parte dos parlamentares, que não merece prosperar.

Há muito a ser feito e pouco tempo para concluir os trabalhos. Mas governo e Congresso não podem titubear nem se perder em disputas de poder inócuas. É hora de avançar com a reforma tributária e colocá-la em prática para que o País possa iniciar uma nova fase de desenvolvimento.

O presidente da Câmara defendeu que a “regulamentação da tributária não pode naufragar por falta de calendário”. Segundo ele, se o governo deixar a proposta para depois de 2024, “fica complicado”.

Um conto de dois governos

O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que, para o mercado financeiro, Fernando Haddad vai bem; e Lula, mal

Para o mercado financeiro, Lula da Silva e Fernando Haddad não fazem parte do mesmo governo. Em pesquisa da Genial/Quaest com 101 gestores, economistas, analistas e operadores de fundos de investimento em São Paulo e Rio de Janeiro, o presidente da República é reprovado por 64% – patamar 12 pontos porcentuais maior do que o verificado em um levantamento de novembro. Já o ministro da Fazenda é aprovado por 50% dos consultados, uma alta de 7 pontos porcentuais em relação à pesquisa de novembro.

O resultado traduz claramente o contraste entre o pragmatismo do ministro, em sua cruzada pelo equilíbrio fiscal, e o desvario populista e estatista de Lula, em franca campanha por mais um mandato. Pesaram especialmente a interferência de Lula na gestão da Petrobras e a pressão exercida sobre a Vale.

É compreensível o fato de o mercado financeiro rechaçar com vigor cada vez maior as premissas defendidas por Lula da Silva e pelo PT, calcadas num desenvolvimentismo mal-ajambrado, ao mesmo tempo que endossa o trabalho de Haddad. Afinal, frequentemente metralhado pelo fogo amigo do PT, o próprio ministro se distancia cada vez mais da visão econômica antediluviana do partido.

O embate público entre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e Haddad, há pouco mais de dois meses, deixou às claras a incompatibilidade largamente conhecida nos bastidores do governo. Gleisi fez constar em resolução do partido que o País precisava se libertar do “austericídio fiscal”, referindo-se à política econômica da Fazenda. Na primeira oportunidade, Haddad rebateu, em entrevista, reclamando que “o PT acha tudo errado”.

As farpas trocadas apenas evidenciaram o que já era notório: a banda do PT não toca a mesma partitura usada por Haddad. E o PT é Lula. Por isso, não surpreende que o mercado, que tem horror ao dirigismo econômico e à intromissão política do Estado na governança das empresas, esteja dissociando claramente as ações do ministro da Fazenda das intenções do PT e de Lula.

Por enquanto, parece prevalecer o autoengano no mercado, mas é evidente que, no limite, todos sabem que Haddad fará o que Lula mandar. A prioridade do presidente e do PT é ganhar as eleições, as próximas e as futuras, e para isso não terão nenhum problema em atropelar metas fiscais e restrições à interferência em estatais e nas grandes companhias nacionais. A título de impedir um eventual triunfo bolsonarista na disputa presidencial de 2026 – que, no discurso petista, representaria uma ameaça à democracia –, o lulopetismo faz o que sempre soube fazer bem: causar crises e inibir investimentos privados.

Lula da Silva, recorde-se, classificou o mercado financeiro como um “dinossauro voraz” em razão da reação negativa contra a mão pesada do Estado na retenção de boa parte dos dividendos da Petrobras. Uma amostra de como encara com desdém as relações de mercado, negligencia o ambiente de negócios e seus investidores e expõe uma visão abusiva de Estado. A avaliação negativa de seu governo entre os que investem no Brasil, portanto, não é gratuita.

Crise na saúde exige do governo respostas técnicas

O Globo

Permanência de Nísia no comando do ministério deve significar respeito à boa ciência e à boa gestão

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, se emocionou depois de admoestada em público pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião ministerial de segunda-feira. Está sob a alçada dela a pasta com um dos maiores orçamentos da Esplanada, às voltas com problemas que vão da avassaladora epidemia de dengue à situação lastimável dos hospitais federais do Rio. Não bastasse a bronca, Nísia foi chamada para uma conversa privada no dia seguinte. A convocação, num clima de pressão de políticos de vários partidos — inclusive do PT —, levantou suspeitas de que ela poderia cair. Por enquanto, Nísia obteve de Lula o aval para permanecer no cargo, mas a situação está longe de pacificada.

Ela assumiu o ministério depois de quatro anos caóticos. Na pandemia, a gestão Jair Bolsonaro ignorou o conhecimento científico, e a pasta virou refúgio para esquemas sombrios. Na época presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia se destacou pelo perfil técnico e pela competência como gestora ao garantir vacinas que salvaram milhares de vidas. Uma vez no comando do ministério, seus desafios se tornaram maiores e mais complexos.

Embora seja a face mais visível e aguda, a explosão de casos de dengue não é o único. A crise na Saúde se agrava diante das disputas por cargos e verbas numa área cobiçada devido aos orçamentos generosos. Derivam daí problemas crônicos de gestão, má alocação de verbas ou mesmo corrupção.

Um exemplo é a situação alarmante dos hospitais federais do Rio, tema de reportagem no Fantástico. Além de leitos desativados e equipamentos quebrados, instalações elétricas precárias aumentam o risco de incêndios e ameaçam a segurança. O desperdício é flagrante. Por falta de material, doentes aguardam anos para se submeter a cirurgias ortopédicas, enquanto caixas com próteses vencidas, que custaram mais de R$ 20 milhões, estão empilhadas num depósito. É evidente a inépcia na gestão de um orçamento que passa de R$ 860 milhões.

Logo depois da posse de Nísia, o ministério fez um relatório apontando o estado de calamidade dos seis hospitais federais do Rio. Andares inteiros fechados, mais de 200 leitos desativados, equipamentos deteriorados, obras paralisadas, serviços como emergência pediátrica, unidade coronariana ou CTI suspensos. Uma medida adotada para resolver o descalabro foi a centralização das compras no Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), de modo a evitar desperdício e desabastecimento. O ministério também criou um comitê para discutir a reformulação dos hospitais federais e preparou edital para contratar 500 profissionais.

Na segunda-feira, Nísia exonerou o diretor do DGH, Alexandre Telles, e o secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Magalhães Júnior. Para o lugar de Telles foi indicada, provisoriamente, Cida Diogo, ex-deputada petista. Mau sinal, já que Telles, exonerado, foi o autor do relatório apontando os descalabros. A cessão de um cargo estratégico pode ter sido o preço a pagar pela permanência no ministério. Independentemente das circunstâncias políticas, a Saúde precisa se guiar por decisões técnicas, tanto na ciência quanto na gestão. Só assim é possível reverter a calamidade que aflige os brasileiros. Foi pelo perfil técnico, cujo êxito foi comprovado na pandemia, que Lula escolheu o nome de Nísia — e é por isso que deve mantê-la. Do contrário, quem pagará a conta é o cidadão.

Indiciamento é mais um entre vários problemas de Bolsonaro na Justiça

O Globo

É escandaloso o ex-presidente ser acusado de falsificar comprovantes de uma vacina que sempre condenou

À primeira vista, o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais 16 pessoas pela Polícia Federal (PF), sob a acusação de falsificar comprovantes de vacinação, pode parecer fato menor diante dos demais inquéritos que pesam contra ele. Afinal, Bolsonaro é investigado pela suspeita de ter planejado um golpe de Estado em 2022. A impressão logo se dissipa quando confrontada com os fatos. Se qualquer cidadão fosse acusado de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema público, já seria reprovável. Que dizer de um presidente? Em especial, de um presidente cuja gestão negacionista e inepta durante a pandemia deixou um rastro de mais de 700 mil vítimas de Covid-19?

As circunstâncias também são relevantes. Na época, vários países exigiam o comprovante para permitir a entrada de visitantes. Para a PF, há conexão entre os dados de vacinação e o planejamento de quebra da ordem constitucional. A fraude, diz o inquérito, “pode ter sido utilizada pelo grupo para permitir que seus integrantes, após tentativa inicial de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para a entrada e permanência no exterior”. A conclusão dos investigadores aponta Bolsonaro como mandante. A defesa nega. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de 15 dias para a Procuradoria-Geral da República avaliar se apresenta denúncia.

As informações mais comprometedoras do inquérito derivam da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Ele afirmou que Bolsonaro determinou que comprovantes de vacinação dele e de sua filha menor de idade fossem forjados. Os dados falsos foram inseridos no sistema do Ministério da Saúde em 21 de dezembro de 2022, com o login de um secretário da prefeitura de Duque de Caxias (RJ). No dia seguinte, os comprovantes foram impressos no Palácio da Alvorada e, segundo Cid, entregues em mãos a Bolsonaro. A partir do depoimento de Cid, a PF buscou evidências que confirmassem sua versão dos fatos. Encontrou mensagens, registros do banco de dados de vacinação do SUS e da impressão.

Desde que saiu da Presidência, Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ataques ao sistema eleitoral e ficou inelegível até 2030. Depois do indiciamento pela falsificação dos comprovantes, a PF projeta apresentar as conclusões de dois outros inquéritos até julho, as suspeitas de participação em planejamento para dar um golpe de Estado e de envolvimento no contrabando de joias sauditas. As investigações devem prosseguir.

Bolsonaro sempre atacou as vacinas contra a Covid-19, apesar das evidentes vantagens da imunização. Se tivesse se vacinado, protegeria a própria vida e a dos próximos. Como presidente, daria um exemplo que teria ajudado a salvar milhares de vidas. Desgraçadamente, esse não foi o caminho que escolheu. Que agora seja acusado formalmente de ter usado o cargo para falsificar os comprovantes é escandaloso.

Avanços na economia e reveses políticos nos 100 dias de Milei

Valor Econômico

Javier Milei ainda não acertou o passo com a política e não conseguiu apoio parlamentar que lhe dê sinal verde para seu extenso programa de reformas

Cem dias após sua posse, o presidente argentino, Javier Milei, continua com bom apoio popular, quase da mesma proporção (56%) que o levou à Casa Rosada em 10 de dezembro passado. Não é um dado trivial diante do enorme choque que aplicou na economia, provocando a maior queda salarial desde o início da ditadura militar, um recuo de 26% do consumo, megadesvalorização cambial e o mergulho da maioria da população argentina na faixa de pobreza. Há sinais de progresso na inflação e nas contas públicas e derrotas em série na arena política - tudo o que o governo fez até agora só foi possível por causa de um decreto de urgência, semelhante a uma medida provisória, que foi rejeitada no Senado e não foi votada pela Câmara.

O governo continua em liberdade condicional para implantar seu plano econômico, cujos pilares estão claros desde o início, embora não se vislumbre nele ainda uma estratégia de crescimento. São medidas de choque que provocaram uma parada súbita nas atividades econômicas. O governo cortou de imediato os investimentos públicos, repasses extras para os Estados, retirou subsídios de energia e transporte, liberou todos os preços e estancou o que era um dos principais fatores de impulso inflacionário: a emissão de moeda pelo Banco Central, que financiava déficits crescentes. A crise, que já vinha do governo peronista de Alberto Fernández, se aprofundou, com o Estado se retirando do jogo econômico, onde sempre teve papel relevante. As estimativas de queda do PIB estão aumentando, partindo de 3,5% para até 7%, quase da magnitude da ocorrida durante a pandemia em 2020-21.

Para se livrar do cerco de escassez de divisas que asfixia a Argentina, o peso foi desvalorizado em 54,2%, reduziram-se ao máximo os gastos que eram cobertos por emissões e foram rolados, com apoio de 77% dos credores da dívida (70% deles estatais ou paraestatais e 7% privados), US$ 50 bilhões de obrigações em pesos que venciam este ano. Com queda enorme da renda e impulso fiscal negativo, a inflação mensal recuou dos 25% de dezembro para 20,6% em janeiro e 13,2% em fevereiro. A inflação em 12 meses continua uma aberração: 276,2%. O governo cortou a taxa de juros de 100% para 80%. Em plena recessão, o país obteve o primeiro superávit primário desde 2011, seguido por outro resultado positivo em fevereiro. Segundo o ministro da Economia, Luis Caputo, houve também superávit nominal, que considera o pagamento de juros.

A arrecadação caiu 6% nos dois primeiros meses, mas os gastos primários diminuíram 36,4%. O saldo primário de fevereiro foi de 0,2% do PIB, ou US$ 1,2 bilhão. O financeiro, de US$ 33,8 milhões. No primeiro bimestre, o resultado primário subiu para 0,5% do PIB. Os motivos dos dados auspiciosos formam um roteiro que não pode ser repetido por muito tempo. A inflação derrubou os gastos estatais com aposentadorias e pensões em 38%, o fator de maior peso para o resultado. O governo também atrasou pagamentos a geradoras de energia e petroleiras e não apenas deu uma tesourada nos subsídios, como aumentou tarifas para torná-las mais justas, em imóveis de alta renda, indústria, colégios, clubes e hospitais.

Com redução da inflação e superávit fiscal, o câmbio paralelo deixou de se desgarrar do oficial e manteve-se a uma distância quase constante de 20%. O risco-país, por volta de 2.500 pontos perto da posse de Milei, recuou abaixo dos 1.500 ontem (1.496). O fim da pior seca do país em décadas permitiu a volta de exportações robustas do agro, que engrossaram as reservas em US$ 7 bilhões, enquanto o estado de inanição da economia doméstica fez despencar as importações, trazendo de volta superávits comerciais no primeiro bimestre e menor penúria de dólares a curto prazo.

Com um diagnóstico correto dos principais problemas econômicos, Milei ainda não acertou o passo com a política - não conseguiu apoio parlamentar que lhe dê sinal verde para o extenso programa de reformas que almeja. A “casta”, que atacou ferozmente nas eleições e que continua a atacar - incluindo seus aliados de centro-direita, alvo frequente das críticas -, derrubou seu decreto de urgência, o mesmo que lhe permite fazer o que está fazendo. Caso não passe na Câmara, onde a situação lhe é um pouco mais favorável, terá de rever sua estratégia e reduzir o ritmo de mudanças - e tempo é fator crucial de que não dispõe. Por isso, Milei busca um desvio de rota com seu Pacto de Maio, um conjunto de dez pontos com os quais pretende angariar apoio dos governadores, dos quais tem divergido também. Entre os pontos estão reformas política, previdenciária e trabalhista, equilíbrio fiscal “inegociável”, redução dos gastos públicos a 25% do PIB e abertura comercial.

Milei não tem acertado na articulação política com seu temperamento autoritário e avesso a negociações. Até agora, mostram as pesquisas, há descontentamento, mas também forte apoio, em especial das camadas mais pobres, vitais para influenciar a oposição peronista a ceder. Se prosseguir com ultimatos e ameaças, porá a perder os passos positivos para a reconstrução da Argentina que já deu. Milei correria o risco de ver rejeitadas pelo Congresso todas as suas iniciativas e tornar-se um presidente impotente.

 Água cada vez mais escassa

Correio Braziliense

Mesmo tendo o maior potencial hídrico do planeta, o Brasil tem perdido oportunidades importantes para preservar esse bem tão precioso e cada vez mais escasso

O Dia Mundial da Água será comemorado amanhã, mas são poucas as razões para celebrar. Mesmo tendo o maior potencial hídrico do planeta, o Brasil tem perdido oportunidades importantes para preservar esse bem tão precioso e cada vez mais escasso. Desde 2014, o país vem convivendo com períodos de seca extrema em várias regiões, levando a racionamentos em grandes centros urbanos, um tormento, sobretudo, para as populações mais pobres, menos assistidas pelo poder público.

Há razões de sobra para explicar os motivos de tantas pessoas conviverem com a escassez de água. O primeiro, e mais importante, é a falta de gestão. Há deficiências enormes no controle e na distribuição do recurso hídrico. Estima-se que o Brasil desperdice quase 38% da água que deveria chegar às casas da população. Tal perda corresponde a 8 mil piscinas olímpicas por dia. Se economizada, essa quantidade de água seria suficiente para atender 67 milhões de brasileiros em um ano.

Ao mesmo tempo em que joga fora bilhões de litros, o país convive com uma concentração de água na região menos povoada. Quer dizer: 70% de todos os rios e lagos estão na região Amazônica, que abriga 20% da população. Até por razões ambientais, é difícil fazer parte dessa água chegar onde está o grosso dos consumidores, as regiões Sudeste e Nordeste. Essa última tem parte do território composto pelo semiárido, onde a seca é persistente.

Mais assustador é saber que cerca de 30 milhões de pessoas sequer têm água potável encanada. São, principalmente, mulheres e crianças, negras e pardas. É a desigualdade escancarada. Pelo novo marco legal do saneamento, aprovado pelo Congresso em 2020, o país terá de atender 99% da população com esse recurso natural até 2033. Pouca gente acredita que essa meta será alcançada, tal a incapacidade dos setores público e privado de tocarem os investimentos necessários.

Ao descaso, soma-se à falta de educação da população para enfrentar os desafios de preservar os recursos hídricos, ameaçados pelas rápidas mudanças climáticas. É preciso implantar ações imediatas para conter a devastação de nascentes e florestas. Os brasileiros precisam aprender a poupar água, mas não só em períodos de racionamento, como se viu no Distrito Federal e em São Paulo. Cada cidadão do país consome, em média, 148,2 litros de água por dia, quando o recomendável pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de, no máximo, 110 litros.

Essa conscientização deve começar muito cedo, nos bancos das escolas, mostrando, por exemplo, a importância do reuso, do reaproveitamento e do acúmulo adequado das águas das chuvas. Há projetos espetaculares país afora que podem servir de referência, como o de um agricultor do Mato Grosso, que decidiu "plantar água". Com recursos próprios, ele construiu mais de 40 açudes no seu terreno. A água acumulada pelas chuvas vai se infiltrando no solo, repondo os aquíferos e fazendo renascer nascentes.

Ou seja, basta ter vontade e compreensão de que todos, sem exceção, devem fazer a sua parte para que, num futuro próximo, a falta de água não seja uma rotina, um tormento. Instrumentos há de sobras, projetos vitoriosos, também. Nas universidades, pesquisadores têm recorrido à tecnologia para ampliar o acesso à água, inclusive, por meio da dessanilização, num país com mais de 7 mil quilômetros de costa marítima. Não há mais desculpas para o desperdício. A hora é agora.

A guerra por água já começou em várias partes do mundo, levando ao êxodo de milhões de pessoas. São movimentos assustadores, que vão se tornar frequentes. O Brasil ainda está em uma situação privilegiada, mas, em pouco tempo, poderá ser obrigado a prestar contas com o fracasso. E a fatura será cara, muito cara.

 

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