sexta-feira, 22 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula precisa de feitos, não de comunicação

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que se esvaiu saldo entre aprovação e reprovação ao petista; governo deveria cuidar do Orçamento

Pesquisa realizada pelo Datafolha detectou alguma piora da avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A queda do prestígio do presidente é mais notável no saldo entre avaliações positivas e negativas.

Em dezembro, a parcela do eleitorado que considerava o governo Lula ótimo ou bom atingia 38%; no levantamento deste março, são 35%. Já aqueles que avaliam a gestão como ruim ou péssima passaram de 30% para 33%.

Trata-se, a rigor, de variações no limite da margem de erro da pesquisa. A diferença entre aprovação e reprovação, entretanto, caiu de 8 pontos para meros 2 pontos percentuais —no melhor momento de Lula 3, em junho de 2023, o saldo chegava a 10 pontos.

A mudança de humores contrasta, à primeira vista, com a melhoria de indicadores que expressam a variação das condições materiais de vida da população. Há mais empregos, os salários crescem, mais pessoas recebem benefícios sociais e a inflação diminuiu.

O eleitor está algo mais frustrado, de qualquer modo. Para 58%, Lula fez menos pelo país do que o esperado; eram 51% em março do ano passado. Apenas 15% consideram que o presidente fez mais do que o esperado, ante 18% há um ano.

As expectativas quanto ao desempenho do mandatário, porém, continuam positivas, bem mais do que avaliação do momento. Para 46%, Lula ainda fará uma administração ótima ou boa.

As baixas da popularidade do petista mais dignas de nota ocorreram no Sudeste, entre homens, eleitores de 35 a 59 anos, moradores de regiões metropolitanas e aqueles que se declaram pretos. O presidente resiste entre moradores do Nordeste e jovens.

Lula tem requerido de seus ministros maior ativismo político e divulgação de programas governamentais. Mas provavelmente será difícil convencer os brasileiros de que sua vida está melhor do que imaginam ou de que sua opinião política esteja equivocada.

O país ainda se recupera de uma década de retrocesso social e econômico. É preciso levar também em conta que as avaliações continuam marcadamente diferentes a depender do voto na eleição de 2022, se em Lula ou em Jair Bolsonaro (PL). A assim chamada polarização permanece um fator preponderante na opinião.

Um plano político alternativo mais duradouro, aliás imprescindível, seria Lula dedicar-se mais à precária estabilização fiscal, condição para o aumento do ritmo do crescimento, deixar de lado confrontos ideológicos gratuitos e dar alguma contribuição à solução de problemas que costumeiramente são motivo de queixa dos cidadãos, como segurança e saúde.

A realidade ainda fala alto.

Cartada constituinte

Folha de S. Paulo

Apelar à mudança da Carta colombiana mostra mais fraqueza do que força de Petro

O roteiro é conhecido. Quando um governante enfrenta percalços políticos, saca da algibeira a proposta de convocar uma Assembleia Constituinte. Foi o que fez o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, num discurso a apoiadores.

A maioria dos colombianos deu seu voto ao programa esquerdista de Petro, mas também escolheu pelas urnas o Legislativo, que pode ter um perfil ideológico diferente daquele do governante.

É da essência da democracia que propostas do Executivo sejam escrutinadas no Parlamento —trata-se do sistema de freios e contrapesos. Se faz parte do jogo político que os atores busquem apoio popular para seus projetos, é preciso cuidado para não lançar as instituições umas contra as outras.

A jogada de Petro, contudo, tem tom um pouco menos antissistema. A Carta colombiana, de 1991, prevê, entre as fórmulas de reformas regulares do texto, a convocação de Assembleia Constituinte.

A proposta precisa passar pelas duas Casas do Legislativo —que definirão escopo das mudanças, formato, prazo de conclusão— e ser submetida à população. Se os eleitores acatarem a criação da assembleia, ainda haverá um novo pleito para escolher seus membros.

Um processo difícil, portanto. Ademais, parlamentares de vários partidos rechaçaram veementemente a ideia do presidente na sessão plenária do Senado.

Há duas situações em que dirigentes propõem alterar a Constituição. Na primeira, quando estão enfraquecidos. Parece ser o caso de Petro, que enfrenta dificuldades para aprovar projetos, perde apoio de partidos e ainda se vê enredado em escândalos relativos a financiamento de campanha.

Na segunda, quando gozam de força política e popular. Essa é a situação mais perigosa, com maior risco de mudanças que retiram limitações necessárias ao poder do governante. Já vimos esse filme, com Vladimir Putin, Hugo Chávez, Viktor Orbán ou Nayib Bukele.

Espera-se que Petro evite a trilha autoritária e busque convencer a classe política de que suas propostas merecem aprovação —ou procure adaptá-las, como recomenda o caminho mais democrático.

Cautela do BC é necessária diante da rigidez da inflação

Valor Econômico

Aumentou a probabilidade de que fatores adversos à queda da inflação tenham maior influência à frente

A mudança da orientação do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a trajetória futura dos juros - do plural para o singular, de dois cortes de 0,5 ponto para um só - assinala um momento de cautela. Em si, a liberdade de apontar dois cortes à frente nas reuniões é um luxo ao que os principais bancos centrais, o Federal Reserve americano e o Banco Central Europeu, fugiram. O motivo para isso é o mesmo alegado pelo Banco Central brasileiro (BC) no comunicado do Copom: as incertezas são grandes e é necessário manter maior liberdade de movimentos para a autoridade monetária. Por si só, isso não significa que o ritmo de corte de juros será reduzido, mas a mudança indica que aumentou a probabilidade de que fatores adversos à queda da inflação tenham maior influência à frente.

Há dissonâncias no comunicado do Copom que talvez sejam harmonizadas na ata, que tem maior espaço para explicações. Os indicadores econômicos do início do ano apontam vigor maior do que o previsto nas atividades econômicas, e todos eles foram divulgados antes da reunião do BC. No entanto, o comunicado registra que “o conjunto dos indicadores de atividade econômica segue consistente com o cenário de desaceleração da economia antecipado”.

Em certo sentido isso pode ser considerado lógico - se a economia crescerá abaixo de 3% em 2024, haverá desaceleração, mas não resolve a equação da política monetária. Após dois trimestres de estabilidade no PIB, há sinais de reativação importantes, em qualquer setor da economia para o qual se olhe. Talvez isso explique que as “medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”. O fato não parece combinar com a perspectiva de amortecimento das atividades econômicas.

A alteração da orientação futura faz sentido tanto agora quanto se ocorresse na próxima reunião do Copom. Como o BC vem cortando a taxa Selic desde agosto e mais da metade do caminho já foi percorrido - 3 pontos percentuais de redução -, a própria lógica indica que em algum momento o aceno de redução de 0,5 ponto percentual duas reuniões à frente teria um fim. O argumento do ambiente de incertezas para fazê-lo é perene e esteve presente nas atas desde a pandemia.

O cenário externo não se modificou tanto entre janeiro e março. Os bancos centrais continuam hesitantes em relação ao momento em que irão reverter suas políticas contracionistas porque há uma resistência inesperada da inflação - como no cenário doméstico.

O Copom continua mantendo o balanço de riscos simétrico, mas os itens apontados como fatores de uma queda maior da inflação que a esperada parecem não ter mais o peso que tiveram. São eles “uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada” e “os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado”.

Os dois fatores estariam em ação se os bancos centrais dos países desenvolvidos continuassem a aumentar a carga de juros, o que não ocorreu, ou as principais economias estivessem a caminho de uma recessão. Não é o que está acontecendo. A zona do euro chegou a um passo do crescimento negativo, mas não deu chegou lá. Nos EUA, os membros do Federal Reserve, em sua “trama de pontos”, fizeram um movimento surpreendente, ao elevarem a mediana da projeção de crescimento da maior economia do mundo de 1,4% para 2,1%, uma alteração muito expressiva em um intervalo de apenas três meses. A China colocou como meta para o ano uma expansão de 5%, mas pode crescer menos, embora isso tenha muito pouco a ver com os juros domésticos, que estão em queda.

Quanto à desinflação global ser mais forte do que a esperada, esse poderia até ser um desejo passageiro das autoridades monetárias dos países ricos. Após queda expressiva, os índices de preços ao consumidor da Europa e dos EUA recuam muito vagarosamente e ainda estão distantes da meta. O presidente do Fed, Jerome Powell, gostaria de ter a certeza de que houve um aperto exagerado da política monetária e assim reduzir mais rapidamente os juros, mas a realidade não lhe dá essa chance. A economia americana exibe vigor impressionante diante da maior carga de juros em 23 anos. Na Europa, as atividades esmoreceram, mas o mercado de trabalho exibe vigor e os salários seguem em alta.

No balanço de riscos, os de alta se sobressaem, já que mencionam a persistência das pressões inflacionárias globais, um fato, e, no campo doméstico, “a maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado”, que pode estar correlacionada à inflação subjacente acima da meta. O balanço de riscos parece pender levemente para o lado da alta da inflação, com salários, emprego, consumo e gastos públicos em alta. Mas cotações de commodities mais baixas, menor impulso do setor agrícola e externo ao PIB e possível valorização do real, quando o Fed se mover, tendem para o lado oposto. Tudo pesado, o BC tem razão em mudar sua orientação, embora o cenário em que se baseou seja distinto.

Mudança do ensino médio depende só de aval do Senado

O Globo

Câmara enfim destravou projeto. Senadores têm de correr para reforma de 2017 entrar em vigor em 2025

A Câmara aprovou enfim o Projeto de Lei que define mudanças na reforma do ensino médio. É um avanço fundamental na agenda da educação. Enviado ao Congresso no fim do ano passado, o projeto estava empacado devido a um impasse entre o MEC e o relator, deputado Mendonça Filho (União-PE). O principal entrave dizia respeito à carga horária destinada à formação comum a todos os estudantes. Felizmente, governo e parlamentares chegaram a um acordo para não atrasar ainda mais a implantação da reforma aprovada em 2017, cujo cronograma estava suspenso desde abril de 2023. O Senado deveria aprovar logo o projeto para que as mudanças entrem em vigor em 2025.

As negociações entre o relator e o ministro da Educação, Camilo Santana, foram tensas. O importante é que o texto aprovado mantém o espírito e os objetivos da reforma: ampliar a carga horária, valorizar o ensino profissional e tornar o currículo mais flexível. O estudante terá mais liberdade para se aprofundar em áreas de seu interesse e adquirir formação que permita um encaixe adequado no mercado de trabalho. O projeto acerta também ao estabelecer que as diretrizes curriculares dos itinerários formativos (parte flexível do currículo) serão definidas pelo MEC. A falta de parâmetros nacionais era um dos problemas da reforma, resultando numa profusão de propostas de cursos desconectadas da realidade.

Sempre haverá quem aponte problemas na nova versão do projeto. Mas já se perdeu tempo demais com discussões que não levam a lugar algum, favorecendo os grupos sindicais que defendem a revogação da reforma para deixar tudo como está, em detrimento dos alunos. A educação brasileira vai mal, como atesta o desempenho pífio dos estudantes em exames nacionais e internacionais. O ensino médio é um dos gargalos. Os cursos, distantes demais do mercado de trabalho, não são atraentes. É preciso mudar, e rápido, porque o Brasil ficou para trás. Por isso o Senado precisa correr para aprovar logo o texto da Câmara.

Ainda que não seja o texto ideal, ele corrigiu falhas do projeto original, facilitando a implementação das mudanças aprovadas no governo Michel Temer e afastando o temor de que sejam revogadas. Um de seus méritos é aumentar a carga horária da formação básica (que inclui disciplinas como português, matemática, física, química, biologia etc.). Originalmente, estavam previstas no máximo 1.800 horas do total de 3 mil horas. Pela versão aprovada, para os cursos regulares serão no mínimo 2.400 horas, como queria o MEC (o relator defendia 2.100 horas). O restante será dedicado à parte flexível do currículo.

No ensino técnico, o acordo entre governo e oposição prevê carga horária de 2.100 horas para a formação básica, mas será possível usar 300 horas de forma articulada com o ensino técnico. A distinção é necessária para atender cursos profissionalizantes de saúde e tecnologia, que demandam até 1.200 horas de formação. Nesses casos, a carga das disciplinas obrigatórias cairia para as 1.800 horas, como na versão original. Apesar de haver quem critique a distinção, ela foi o consenso possível entre as necessidades e os desejos. O impasse não favorecia ninguém. Espera-se que o Senado aprove o texto ainda neste semestre. Ainda assim, já terão passado dois longos anos para implementar uma reforma fundamental para o desenvolvimento do Brasil.

Decisão do STJ no caso Robinho evita que Brasil seja refúgio para criminosos

O Globo

Ao decidir que ex-jogador deve cumprir sentença italiana, Corte coíbe violência contra mulher

A cada oito minutos há um estupro no Brasil. Os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que em 2022 foram registrados 65.569 casos contra mulheres e vulneráveis. O número tem variado ao longo dos anos, mas com tendência nítida de alta. No período entre 2017 e 2022, os estupros subiram 29,5%. Como a subnotificação é frequente, a realidade é provavelmente ainda pior.

Há uma série de medidas necessárias para reduzir a violência sexual contra a mulher, da melhor iluminação das vias públicas à educação. Uma tarefa, porém, se sobressai. É indispensável investigar acusados, abrir processos judiciais e, quando eles forem condenados, garantir o cumprimento rigoroso das penas.

É por isso correta a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinando que o ex-jogador de futebol Robinho cumpra no Brasil pena pelo crime de estupro cometido na Itália. Os investigadores italianos reuniram provas de que ele e outros cinco brasileiros praticaram violência sexual em grupo contra uma mulher de origem albanesa numa boate de Milão em 2013. A primeira condenação ocorreu em 2017. Os advogados de defesa recorreram e perderam mais uma vez em 2022.

Condenado a nove anos na Itália, Robinho estava em liberdade no Brasil. As autoridades italianas pediram a extradição, mas as leis brasileiras não a permitem para brasileiros natos. Diante disso, a Itália solicitou que a pena fosse cumprida no Brasil. Essa era a questão posta diante dos ministros do STJ. Não estava em debate se Robinho é culpado. Quanto a isso, não há mais dúvida. Ele já foi condenado em segunda instância, com amplo direito de defesa. Ao determinar o cumprimento da pena, os ministros do STJ impedem que o Brasil se torne um refúgio para condenados noutros países por crimes sexuais.

Robinho foi preso em Santos. A defesa recorreu, mas o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou liminarmente o recurso. Com isso, a última instância da Justiça brasileira reforça o precedente e dá uma enorme contribuição ao combate à violência sexual. Julgamentos envolvendo figuras públicas devem receber atenção especial, pelo poder de influenciar não apenas a população, mas também o comportamento de outras instâncias do Judiciário. O meio do futebol, conhecido pelo machismo contumaz e pela leniência diante dos crimes contra a mulher, oferece oportunidade ímpar para estabelecer um caso exemplar.

Ao confirmar a decisão do STJ, o Supremo demarca uma distinção fundamental com a Justiça espanhola, que concedeu, mediante fiança de € 1 milhão, liberdade provisória ao jogador Daniel Alves, condenado a quatro anos e meio por um estupro em Barcelona. Pela gravidade do crime, ele deveria aguardar a sentença definitiva atrás das grades. Infelizmente, os juízes espanhóis não tiveram a mesma clareza e determinação da Justiça brasileira.

A ansiedade de Lula

O Estado de S. Paulo

É mau sinal quando o adversário, a comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos do governo e do presidente e servem de desculpa para justificar a própria mediocridade

O presidente Lula da Silva está ansioso. Depois de três pesquisas que apontam fadiga de material no terceiro mandato, ele reuniu seus ministros, pediu-lhes pressa nas entregas e recomendou viagens pelo Brasil para divulgar as ações do governo. Pelo menos desta vez, não se recorreu à prática habitual dos populistas – fabricar ideias delirantes, adorná-las como novidade arrebatadora e tentar reescrever a história. Lula preferiu cobrar dos ministros que revisitem programas e ações já lançados, verifiquem o andamento de cada um e trabalhem por melhores resultados. Mas na sua fala pública, no início da reunião ministerial, deixou evidente um dos maiores e mais danosos vícios lulopetistas: creditar os problemas na desordem do antecessor e nas falhas de comunicação de sua administração. São os dois suspeitos de sempre para quem deseja esconder a própria mediocridade.

É mau sinal quando o adversário, a comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos e a ansiedade de um governo e um presidente – ansiedade que costuma ser péssima definidora de rumos quando inspirada pelo temor da derrota, estimulada pela conveniência e pautada pelos números dos institutos de pesquisa. Segundo os relatos da parte fechada da reunião, Lula teria desdenhado dos dados que apontaram corrosão de sua popularidade. Mas tanto ele quanto os caciques petistas têm recorrido com frequência ao diagnóstico de que a desaprovação, crescente desde agosto do ano passado, é fruto da incapacidade do governo de fazer a tal “disputa de narrativas”. No autocentrado mundo lulista da virtude, os males são sempre externos. O problema é da percepção pública, não dos fatos.

“Todo mundo sabe que ainda falta muito para a gente fazer, por mais que já tenha recuperado Farmácia Popular, Mais Médicos, Bolsa Família...”, disse Lula em seu discurso, no momento da reunião que a imprensa pôde acompanhar. Na parte reservada do encontro, segundo relato do Estadão, Lula instou quatro ministros a se pronunciar sobre crises recentes que enfrentaram em suas respectivas pastas: Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e a fuga de presos na penitenciária de Mossoró; Nísia Andrade (Saúde) e os desafios gerados pela dengue, pelo aumento de mortes de indígenas yanomamis e pela crise nos hospitais federais do Rio de Janeiro; Paulo Pimenta (Comunicação Social) e as falhas da comunicação do governo. Também pediu ao ministro Camilo Santana (Educação) prazos para o programa Pé de Meia, que pagará bolsas para estudantes do ensino médio.

A despeito do fato de que nenhuma mente sã esperaria que a esta altura – mal iniciado o segundo ano do mandato – não houvesse ainda muito por fazer, chama a atenção a referência de Lula a programas petistas iniciados no passado. A aparência de reprise significa muito mais do que a mera recuperação, reforço ou continuidade de iniciativas supostamente bem-sucedidas. Há, isso sim, uma flagrante desatualização do governo de Lula, que governa em 2024 ainda aprisionado a modelos e práticas dos seus dois mandatos anteriores, encerrados 14 anos atrás.

Apesar de relativamente bem na economia, com crescimento razoável, inflação sob controle e emprego num bom nível, falta ao governo uma identidade mais clara, maior capacidade de enxergar o País não petista, além de resultados consideráveis em áreas-chave como segurança pública, saúde e educação. Curiosamente, os ministros da Segurança Pública e Saúde foram chamados a falar estritamente sobre crises imediatas e não resolvidas. Na educação, nada se disse sobre problemas estruturais – o esforço pela alfabetização na idade certa, pela aprendizagem ou por um novo ensino médio, problemas que o bemvindo Pé de Meia não ajudará a resolver.

Para Lula, é algo menor avaliar e aperfeiçoar programas, ajustar a gestão, corrigir rotas ou modelos que não mais funcionam. Ele tem a ambição desmedida de quem se enxerga um mítico representante dos interesses do povo. Para alguém assim, não há alternativa: diante de um mandato na melhor das hipóteses mediano e um amor popular apenas parcialmente correspondido, só restam a ansiedade e a frustração. Mal percebe que a frustração maior é da população.

A segurança pública precisa da União

O Estado de S. Paulo

Crime organizado está cada dia mais organizado, mas a União segue complacentemente desorganizada. Sem articulação dos órgãos de segurança do País, Estados continuarão a enxugar gelo

Há muito as pesquisas apontam que a segurança pública é a maior prioridade dos brasileiros e nos últimos anos a preocupação com a criminalidade só aumentou. É consequente: o Brasil detém 3% da população do planeta e concentra cerca de 14% de seus homicídios. O fracasso em garantir o direito fundamental do qual dependem todos os outros, o direito à vida, é o maior sinal da falência do Estado brasileiro. Se faltam garantias à integridade física e patrimonial dos cidadãos, não há como desfrutarem e aprimorarem plenamente a cidadania.

Paradoxalmente, a Constituição “Cidadã”, que concorre para o título de a mais prolixa do mundo, foi notavelmente lacônica ao tratar da segurança pública, reservando 1 – apenas 1 – de seus 250 artigos ao tema. Em outras áreas sociais – como saúde, assistência social ou educação – a lógica da universalização embasou a regulação e prestação de serviços, a partilha de responsabilidades e as diretrizes para uma atuação cooperativa entre os entes do Estado. O expoente mais vistoso desta lógica foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Já na segurança não houve inovações. Desde a primeira Constituição, em 1824, até a sétima, nunca houve atribuição de competências constitucionais à União na área de segurança. O Brasil nunca teve um sistema ou uma política nacional de segurança pública.

Essa acefalia é tanto mais gritante e mortífera numa época em que a hidra do crime organizado se nacionaliza e se internacionaliza aceleradamente, infiltrando-se e capilarizando-se com crescente sofisticação no mercado e no Estado, e dominando territórios onde instauram “Estados paralelos” (como nas favelas) ou “ecossistemas do crime” (como na Amazônia).

“No Brasil, construiu-se uma narrativa eficaz de que isso é um problema dos Estados, porque vemos muito a segurança pública como sinônimo de polícia”, disse em entrevista ao Estado a pesquisadora de segurança da FGV Joana Monteiro. “O que tem de mudar é uma pressão pública para dizer que isso não é só um problema dos Estados. Quem deve liderar, certamente, a iniciativa de desenhar a segurança pública do Brasil é o governo federal.”

Entre as prioridades apontadas por Monteiro para a União estão uma arquitetura de distribuição de responsabilidades e sua estrutura de governança; a estruturação de um sistema de inteligência; a unificação da compilação e compartilhamento de dados; e investimentos em capacidade investigativa. Este último aspecto é especialmente relevante para reverter o baixo índice de elucidação de delitos e para combater o crime organizado, em particular para desbaratar os circuitos financeiros que oxigenam o monstro.

Em 2018, o governo Temer criou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), justamente com o objetivo de materializar essas prioridades, articulando e integrando as ações dos órgãos de segurança do País, desde a prevenção à repressão, dos sistemas de inteligência aos sistemas prisionais.

Mas o Susp nunca saiu do papel. O presidente Jair Bolsonaro jacta-se de ser um campeão do combate ao crime, mas sua única política pública consistente foi a rigor uma antipolítica – armar cidadãos para que façam justiça com as próprias mãos – e seu maior resultado foi contraproducente – armar os bandidos. O presidente Lula padece da miopia ideológica da esquerda, e trata a criminalidade como mera externalidade negativa da desigualdade social. Segundo essa lógica, basta o Estado cuidar da educação e da saúde e a violência se resolverá num passe de mágica. Não surpreende que os planos fabricados por seu Ministério da Justiça sejam meras cartas de intenções genéricas. Tampouco surpreende que a segurança pública seja o setor mais mal avaliado de sua gestão. O arcabouço do Susp está à mão. Mas é pouco provável que Lula invista numa solução engendrada pelo “golpista” Michel Temer.

Eis o estado da questão: o crime organizado se organiza cada dia mais, enquanto a União segue complacentemente desorganizada. A população range os dentes sentada sobre um barril de pólvora, mas seu Estado dorme e ronca deitado em berço esplêndido.

Margem de manobra

O Estado de S. Paulo

Indicadores econômicos justificam cautela do Banco Central e mais flexibilidade para decisões futuras

Como era amplamente esperado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu reduzir a taxa básica de juros de 11,25% para 10,75% ao ano. O comunicado, no entanto, trouxe mudanças significativas sobre a forma como a autoridade monetária tem observado a atividade econômica. O BC passou a sinalizar uma nova queda de 0,5 ponto porcentual na Selic na próxima reunião, em maio, mas não mais nas próximas, como vinha indicando até então.

De um lado, o cenário-base não se alterou de maneira substancial. O BC manteve suas projeções para a inflação em 3,5% neste ano e em 3,2% em 2025 e reiterou que o cenário é consistente com a perspectiva de desaceleração da economia. Mas, se a inflação cheia continua a ceder, seus núcleos – medida que retira do cálculo choques transitórios e traduz a tendência do comportamento dos preços – continuam acima da meta de 3%.

Indicadores divulgados na semana passada mostraram comércio e serviços com forte crescimento em janeiro ante dezembro, respectivamente de 2,5% e 0,7%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o desemprego encerrou o trimestre terminado em janeiro em 7,6%, o menor resultado para o período desde 2015, também de acordo com o IBGE.

Em conjunto, esses indicadores justificam mais cautela quanto às decisões futuras. Isso não significa necessariamente que o BC vai reduzir a velocidade da queda dos juros para 0,25 ponto porcentual ou interromper o ciclo de queda antes do esperado, mas demonstra que a autoridade monetária quer ter mais flexibilidade para definir o que fará a partir de junho com base nos indicadores que mostram a evolução da economia.

Esse cuidado não é exclusividade do Brasil. Na Europa, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que o processo desinflacionário precisa avançar mais antes que a instituição possa reduzir os juros. Foi além: afirmou não ser possível se comprometer com uma trajetória de cortes mesmo após os juros começarem a cair.

O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) manteve os juros no intervalo entre 5,25% e 5,5% pela quinta vez consecutiva, maior patamar dos últimos 22 anos. Não descartou, no entanto, a possibilidade de efetivar três cortes de 0,25% nos juros neste ano.

Talvez nada simbolize a preocupação dos bancos centrais com o comportamento da inflação quanto a anedótica elevação dos juros no Japão nesta semana – a primeira em 17 anos. Depois de oito anos de taxas negativas e uma consistente deflação, o Banco do Japão (BoJ) decidiu aumentar os juros para o intervalo entre 0 e 0,1%. E o que motivou esse aumento das taxas foi o reajuste dos salários dos trabalhadores, de 5,28%, que tende a impulsionar o consumo no país asiático.

São tempos estranhos e incertos, mas os bancos centrais não podem titubear – sobretudo no Brasil, onde a economia tem dado claros sinais de aquecimento, as expectativas de inflação seguem acima da meta e a política fiscal enfraquece o vigor da política monetária.

Os brasileiros e as compras em supermercados

Correio Braziliense

O hábito de consumo dos brasileiros baliza uma série de ações estratégicas das empresas e, por isso, acaba sendo estudado e revisado diversas vezes ao longo do ano

O hábito de consumo dos brasileiros baliza uma série de ações estratégicas das empresas e, por isso, acaba sendo estudado e revisado diversas vezes ao longo do ano. Esta semana foi divulgado o levantamento Tendências de Bens de Consumo 2024, desenvolvido pelo ecossistema de tecnologia e inteligência de dados Neogrid e pela Opinion Box, que atua no setor de pesquisa do mercado e experiência do cliente. O foco é o comportamento de compra nos supermercados.

Para grande parte dos entrevistados, 66%, o preço ainda é o fator determinante na decisão de compra, e aqui estamos falando tanto do varejo físico quanto do on-line. Pesquisar quanto custa o pimentão vermelho esta semana e quanto custava nas semanas anteriores é uma espécie de “mania” do brasileiro. A qualidade do produto vem em segundo lugar (60,1%), seguido por promoções e descontos (59,8%).

Outro hábito frequente é pesquisar preços em diferentes supermercados ou entre marcas variadas: 77% dos entrevistados afirmaram que sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50% disseram que sempre comparam o preço entre marcas que consideram adquirir. Sem falar nos rótulos, que estão mais à mostra e explicativos, o que demonstra que o cliente está mais atento ao que consome. O levantamento foi feito em dezembro do ano passado com 2.212 pessoas de todo o Brasil, acima de 16 anos e de todas as classes sociais, sendo 48% homens e 52% mulheres.

Ficar de olho nas tabelas faz todo o sentido, ainda mais que temos produtos que resistem em ficar mais baratos. A inflação oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), encerrou 2023 com alta acumulada de 4,62%. Os nove grupos de produtos e serviços analisados apresentaram alta. A maior veio de alimentação e bebidas (1,11%), que acelerou em relação ao mês anterior (0,63%) e exerceu o maior impacto sobre o resultado geral.
Em janeiro, os preços subiram 0,42%, acumulando 4,51% nos últimos 12 meses. Sozinho, o grupo de alimentação teve peso de 0,29 ponto percentual no índice geral do primeiro mês de 2024. Em fevereiro, o IPCA saltou para 0,83%, acima das projeções do mercado, e turbinado, novamente, pelos gastos com alimentos, que se somaram, especialmente, às despesas com educação, típicas do início de ano.

Há especialistas que projetam alta de 4% nos preços dos alimentos em 2024, decorrente de fenômenos como o El Niño, que impacta a produção de culturas de ciclo curto, afetando o preço da soja e do milho, por exemplo.

Com valores de produtos em elevação e a forte tendência dos clientes de pechinchar, os supermercados se veem às voltas com estratégias para segurar esse consumidor, oferecendo, entre outros benefícios, o pagamento parcelado em até três vezes sem juros no cartão de crédito. E quem diria que o brasileiro seria tão fã de parcelar as compras semanais de supermercado... O que é uma necessidade para dar conta de arcar com o orçamento doméstico pode acabar virando bola de neve, com dívidas se acumulando. O alimento foi comprado e consumido e ainda está longe de ser quitado.

 

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