segunda-feira, 25 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Prisões no caso Marielle trazem alento e preocupação

O Globo

Alento, porque os suspeitos de ordenar o crime foram presos. Preocupação, pelo envolvimento de autoridades

Seis anos e dez dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, a Polícia Federal (PF) prendeu o deputado federal Chiquinho Brazão (ex-União-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa. Os irmãos Brazão foram apontados como mandantes do crime. Barbosa, segundo a PF, planejou o assassinato. As prisões ocorreram depois da homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da delação do sargento reformado da PM Ronnie Lessa, um dos dois responsáveis pela morte de Marielle e Anderson (o outro é o ex-PM Élcio de Queiroz).

Segundo as investigações, Marielle defendia, contra interesses do clã Brazão, a ocupação social de uma área na Zona Oeste do Rio reivindicada por milicianos para incorporação imobiliária. Os atritos ganharam corpo pela oposição dela a um projeto de lei defendido pelos irmãos. Na delação, Lessa afirmou que a divergência pode ter sido o estopim para o crime.

As investigações da PF expuseram de forma contundente o submundo da Polícia Civil do Rio e a promiscuidade dos criminosos com instituições que deveriam combatê-los. A demora para esclarecer os mandantes dos assassinatos não foi, segundo a PF, acaso nem incompetência. Ex-chefe de Polícia Civil e ex-chefe da Delegacia de Homicídios (DH), Barbosa, em tese responsável pelas investigações, é agora acusado de obstruí-las.

Barbosa contava com a confiança de familiares das vítimas, a quem prometera esclarecer o crime. “Foi uma surpresa, um choque”, disse Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle. Em 2019, o depoimento de um miliciano ao Ministério Público já atribuía atividades espúrias ao delegado. Um detento acusado de envolvimento no assassinato afirmara que Barbosa recebia dinheiro para engavetar investigações. O estrago na polícia fluminense não se restringe a ele. Outro delegado e um comissário que estiveram à frente do caso foram alvos de mandados de busca e apreensão e afastados por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Embora a PF tenha dado a investigação por encerrada, há pontos que mereceriam esclarecimento. Um deles é a ascensão de Barbosa. Indicado para ocupar a Secretaria de Polícia Civil uma semana antes do assassinato, ele assumiu o cargo na véspera do crime, quando a segurança do Rio estava sob intervenção militar.

O desfecho do caso Marielle traz ao mesmo tempo alento e preocupação. Alento porque o Estado prevaleceu, apesar de tudo. É louvável que a PF e o Ministério Público tenham enfim chegado aos mandantes do crime, dando uma resposta esperada há seis longos anos pelas famílias e pela sociedade.

Preocupação porque instituições que deveriam combater o crime se mostram contaminadas por ele. As investigações só deslancharam quando a PF entrou no caso. No momento em que o país vive uma grave crise de segurança, demandando ações eficazes da polícia para baixar os índices de violência, só a PF parece ter a independência necessária para apurações que envolvam organismos de Estado. Mais uma prova da necessidade de uma política nacional de segurança pública, a cargo do governo federal. Só assim será possível identificar quem está do lado do crime e quem está contra.

É preciso mais energia na repressão ao tráfico de animais silvestres

O Globo

Não pode haver leniência com comércio ilegal no país com uma das maiores biodiversidades do planeta

A prisão recente, no Rio, de três suspeitos de integrar uma quadrilha de tráfico de animais silvestres chama a atenção para a necessidade de reprimir com mais energia esse crime. Negócios antes fechados em feiras livres migraram para as redes sociais. É possível encomendar, às vezes para pronta entrega, macacos-pregos, répteis, aves e incontáveis outros animais. Em aplicativos de mensagem, uma iguana era ofertada por R$ 3 mil e uma arara-canindé por R$ 6 mil. O Brasil é dono de uma das maiores biodiversidades do planeta, por isso não pode haver leniência diante desse comércio ilegal.

Pelos dados do Ibama, apenas em 2022 foram apreendidos 62,7 mil animais. Muito mais que isso deve ter passado ao largo dos controles. Um indicador sugere que esse mercado clandestino é maior: entre janeiro e outubro do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu, no trecho paulista da Rodovia Fernão Dias, 1,3 mil animais silvestres, 257% a mais que os 364 recuperados no mesmo período do ano anterior.

Entre os presos pela Polícia Federal na operação no Rio está o sargento do Corpo de Bombeiros Fabiano Gouveia Monteiro, acusado de ser o chefe da quadrilha. As investigações, iniciadas em janeiro do ano passado, partiram da apreensão de dois macacos-pregos na casa da influenciadora digital Nicole Bahls, em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio. A documentação dos animais era falsa, produzida pela quadrilha do sargento.

É comum também serem falsificados as anilhas presas ao pé das aves vendidas de forma legal e os microchips colocados em macacos que nascem em criadouros registrados. A quadrilha que acaba de ser desbaratada contava com a ajuda de servidores do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Comando de Policiamento Ambiental (CPam). Reunia ainda uma universitária e dois médicos veterinários, caçadores e receptadores.

Todos a serviço de um negócio que retira da natureza brasileira aproximadamente 38 milhões de animais por ano, pelas estimativas da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). No ano passado, o GLOBO monitorou alguns desses grupos e registrou intensa negociação em torno da oferta de “documento de macaco”. Um dos negociadores dizia ter vendido “300 macacos” com papelada falsificada.

Na primavera, período de acasalamento para várias espécies, aumentam os alertas sobre o tráfico. Os traficantes aproveitam para roubar filhotes e até animais adultos, mais vulneráveis ao cuidar das crias. Seria a época ideal para reforçar campanhas de conscientização e denúncias. Mais do que coibir um negócio ilegal, combater o tráfico de animais é preservar a diversidade biológica do país.

Avanço da dengue expõe ineficiência do governo

Folha de S. Paulo

Descaso com a doença é histórico, mas fatores da epidemia atual eram notórios e poder público poderia ter se precavido

O Brasil vive uma tragédia anunciada com a epidemia de dengue. Do começo do ano até 21 de março, o país ultrapassou a marca de 2 milhões de casos prováveis, alta de 19% em relação ao registrado ao longo de todo o ano de 2023. Em apenas 81 dias, foram 682 mortes em decorrência da doença e outras 1.042 são investigadas.

Sabe-se que a enfermidade é periódica e cíclica, com piora no verão e picos epidêmicos a cada quatro ou cinco anos. Mas o que se verifica em 2024 é ponto fora da curva e, pior, há sinais de que o governo poderia ter se antecipado.

Nísia Trindade, chefe da pasta da Saúde, disse no começo do mês que o elevado número de casos se deve à mudança climática, que aumenta temperaturas e chuvas, intensificada pelo fenômeno El Niño.

A ministra está certa. O problema é que essa correlação era notória desde janeiro do ano passado, quando a Organização Mundial da Saúde emitiu alerta global para a "ameaça pandêmica" da dengue, justamente devido à questão ambiental. Em julho, novamente, a entidade chamou a atenção para possível recorde de casos em 2023.

A alta do calor e das chuvas em regiões de clima mais temperado, como Sul e Sudeste, tende a multiplicar contaminações. As populações dessas regiões, que historicamente tiveram menos contato com alguns dos sorotipos do vírus, estão mais desprotegidas.

São quatro sorotipos e, como uma pessoa só adquire imunidade para o qual já contraiu, a interação com um novo pode agravar sintomas, levando até a mortes.

Assim, a crise era previsível —e cabia ao poder público se precaver com campanha de conscientização robusta sobre o perigo vindouro e alocação de verbas em estrutura ambulatorial, considerando diferenças regionais.

A morosidade para aprovar a distribuição de imunizantes pelo sistema de saúde foi particularmente temerária. A vacina japonesa Qdenga, que age contra os quatro sorotipos, havia sido aprovada para venda no país pela Anvisa em março de 2023, mas a oferta pelo SUS só foi autorizada em dezembro.

Até 21 de março, apenas 14,5% do público-alvo (crianças de 10 a 14 anos) e 0,2% da população brasileira haviam sido vacinados.

Por óbvio, há também um descaso histórico de diversos governos com fatores ligados à doença, como saneamento básico precário e crescimento urbano desordenado.

A presente epidemia, porém, recebeu impulsos recentes, conhecidos pela gestão de turno. Resta, agora, correr atrás do prejuízo para minimizar os efeitos da crise.

Ademais, já passou da hora de o Brasil aprender que o combate à dengue deve ser feito a partir de ações contínuas e no longo prazo.

Sem saída

Folha de S. Paulo

Governo e Congresso deveriam acordar alternativa ao fim de benefício para presos

Como se esperava, a Câmara dos Deputados aprovou, sem maiores resistências, o fim da saída temporária de detentos em datas comemorativas, encerrando a tramitação legislativa do tema.

Se o texto for sancionado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como está, ficarão autorizadas apenas as saídas para estudo ou trabalho. Será exigido ainda exame criminológico para progressão de regime.
Não se trata de mudança menor. O Parlamento esvaziou um benefício que é concedido há quase quatro décadas —e não sem critérios.

Hoje, detentos em regime semiaberto fazem jus ao direito, condicionado a autorização judicial, cumprimento de um sexto da pena (no caso de réu primário) ou um quarto (para reincidentes).

A lei atual impede a saída de presos por crimes hediondos; a nova regra estende o veto a crimes com violência ou grave ameaça.

O principal argumento dos defensores do endurecimento das regras é que parte dos beneficiados não retorna às penitenciárias —foram cerca de 5% no Natal de 2023— e acaba voltando a delinquir. Em vez de aperfeiçoar a legislação, optou-se por uma restrição draconiana que ameaça o manejo do sistema carcerário.

A saída temporária funciona como um incentivo ao bom comportamento, um meio de ressocialização dos detentos e um paliativo para a superlotação dos presídios.

Entre 2000 e 2022, o número de encarcerados no país aumentou em 257%, chegando a 832 mil. Facções criminosas que dominam as prisões se beneficiam da escalada dessa mão de obra potencial.

Acuado na área da segurança pública, o governo Lula tem chances escassas em um enfrentamento direto com o Congresso em torno da questão —um veto integral ao texto aprovado por maioria acachapante será quase certamente derrubado pelos parlamentares.

Resta o caminho da negociação e da melhoria de políticas penitenciárias, incluindo mais estímulos para o trabalho e o estudo por parte dos detentos. Cumpre recordar que o objetivo inicial do projeto era apenas impor critérios mais rígidos para a saída temporária. A racionalidade precisa ser retomada.

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio

Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história.

Há fome por trás do aquecimento global

O Estado de S. Paulo

Nações Unidas alertam para a tragédia humana causada pela temperatura recorde do planeta no ano passado: 333 milhões de pessoas em insegurança alimentar e 735 milhões de desnutridos

A escalada da temperatura global empurra para cima indicadores de insegurança alimentar, fome e desigualdade socioeconômica. Dados divulgados recentemente pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM), uma agência especializada das Nações Unidas, confirmam essa premissa e expõem sua assustadora dimensão humana. Em 2023, quando a temperatura global cravou o recorde de 1,45°C acima da média registrada no período de 1850-1900, pelo menos 333 milhões de pessoas estavam vivendo em situação de insegurança alimentar mundo afora.

A mudança climática não é, obviamente, a causa primária dessa massa de desvalidos, como ressalta a OMM em seu recente relatório Estado do Clima

Global. Conflitos, violência, crises econômicas locais, preços de alimentos e quebras de safras agrícolas estão comumente no epicentro do problema. Porém, são agravados por secas, inundações e eventos climáticos cada vez mais acentuados e frequentes – os efeitos há muito reconhecidos do aquecimento global. Esse quadro explica o aumento da pobreza e da fome no planeta e a desesperada migração de contingentes humanos vulneráveis para locais onde esperam, no mínimo, sobreviver.

“A crise climática é o maior desafio da humanidade e está diretamente relacionada à desigualdade e ao aumento da pobreza e da instabilidade, com agravamento da insegurança alimentar, de deslocamento de populações e da perda de biodiversidade”, resumiu Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.

Os detalhes do relatório trazem constatações mais dramáticas. Entre elas, o fato de ter triplicado o número de pessoas submetidas à situação de insegurança alimentar entre 2019, antes da pandemia de covid-19, e 2023. Esse total passou de 149 milhões para 333 milhões. No mesmo período, o contingente de desnutridos manteve-se em 735,1 milhões – o equivalente a 9,2% da população mundial no ano passado. Embora estarrecedores, esses números se referem ao monitoramento das Nações Unidas em apenas 78 países.

Embora subestimados, como assinala a própria OMM, tais dados servem como referência para a cooperação internacional no combate às causas climáticas da insegurança alimentar e da fome. Há urgência nessa comunhão de esforços de nações, organismos multilaterais e regionais e empresas, visto que são mínimas as chances de o cenário climático provar-se menos ruim em 2024 e nos próximos anos. O rastro de males e tragédias deixado em 2023, quando a concentração dos principais gases do efeito estufa foi 50% maior do que na era pré-industrial, é altamente preocupante.

Nada o ilustra melhor do que a evidência da OMM de que, na Antártida, uma área de gelo equivalente à soma dos territórios da França e da Alemanha desapareceu – literalmente, virou água. As consequências ambientais de tal destruição são inimagináveis, mas é certo que a perda da cobertura gelada acelera ainda mais o aquecimento global. Os dados do relatório indicam que houve ondas de calor em um terço dos oceanos no ano passado, o que gerou prejuízos aos ecossistemas e ao sistema alimentar em todo o mundo. Assim como a Antártida, os glaciais remanescentes e a Groenlândia perderam camadas de gelo, antes consideradas eternas, em níveis recordes.

Diante de sucessivos alarmes disparados por entes científicos altamente respeitados, completados agora pelo relatório da OMM, surpreende o fato de a resposta internacional à crise climática continuar aquém da necessária. Sobretudo, quando se trata do financiamento de ações para conter o aquecimento global, mitigar seus efeitos e promover a transição energética em países mais pobres e em desenvolvimento.

No período 2021-2022, o total disponível para essas tarefas foi de US$ 1,3 trilhão – cifra insuficiente, segundo a organização. Em seus cálculos, esses fundos terão de crescer a US$ 9 trilhões ao ano em 2030 e, depois, saltar para US$ 10 trilhões anuais até 2050 para contornar minimamente a crise. O resgate da dignidade de centenas de milhões de pessoas desprovidas de alimentos dependerá desses aportes e dos compromissos mais ambiciosos das nações para conter o aquecimento global.

À espera do setor privado

O Estado de S. Paulo

Ministro terá de se esforçar para convencer investidores estrangeiros a participar dos leilões de portos

O governo Lula da Silva pretende leiloar 16 áreas em portos espalhados por todo o País neste ano. A expectativa, segundo o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, é que esses terminais recebam o equivalente a R$ 8 bilhões em investimentos privados. Até o fim de 2026, a estimativa é levantar outros R$ 6,5 bilhões com concessões e arrendamentos de outras 19 áreas. Os números impressionam, e tomara mesmo que o ministro consiga convencer a iniciativa privada de que vale a pena realizá-los.

A infraestrutura brasileira é sabidamente insuficiente e precisa de investimentos pujantes para ser mantida e ampliada, bem como para digitalizar processos que reduzam a burocracia e o tempo que navios gastam para atracar e desatracar. Porém, com um Orçamento engessado por despesas obrigatórias, como salários do funcionalismo público e aposentadorias, o governo tem pouquíssimo espaço para investir.

Para ter uma ideia, neste ano, segundo o Ministério, o setor público deve investir R$ 2 bilhões em portos, enquanto a iniciativa privada deve aportar R$ 10 bilhões, cinco vezes mais. É pouco, sobretudo quando se considera que a movimentação portuária registrou recorde no ano passado – foi 1,303 bilhão de toneladas, alta de 6,9% em relação a 2022, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) – e deve continuar a crescer nos próximos anos.

Em entrevista ao Estadão, Silvio Costa Filho afirmou ter sido procurado por investidores chineses, árabes e europeus interessados nos terminais, além de fundos de investimento locais. São, de fato, áreas importantes, entre as quais se incluem terminais dos portos de Itaguaí (RJ), para movimentação de granéis sólidos minerais; Paranaguá (PR), para granéis sólidos vegetais; e Santos (SP), para granéis líquidos.

O problema, como se sabe, não está na qualidade dos ativos nem nas estimativas sobre a movimentação de cargas no futuro, até porque os terminais estão conectados a cadeias produtivas que já estão consolidadas. O marco legal permanece o mesmo desde 2013 e não sofreu alterações recentes.

Porém, por mais que o ministro se esforce para convencer os investidores de que vale a pena investir no País, como ignorar que o processo de privatização do Porto de Santos, o maior do País e da América Latina, foi suspenso por uma decisão política de Lula?

O País precisa trabalhar com afinco para reduzir incertezas, melhorar o ambiente de negócios e fortalecer a segurança jurídica e as agências reguladoras. Além disso, Lula também ajudaria muito se não boicotasse as iniciativas de seu próprio governo.

O ímpeto intervencionista que Lula tem demonstrado em relação à Petrobras e à Vale não pode ser relativizado. No caso da Petrobras, o governo ainda pode argumentar que tem a maioria das ações da empresa, mas não há o que possa ser dito sobre a Vale, mineradora na qual a União nem sequer detém participação direta. Enquanto o governo insistir nessa toada, terá de aceitar leilões com poucos concorrentes e baixo nível de disputa, quando não vazios.

Bloqueio ‘light’ adia o acerto de contas com a meta fiscal

Valor Econômico

Salto das receitas no bimestre empurrou para a frente a decisão de rever ou não a meta. Avaliações de consultorias e economistas estimam déficit de 0,75% do PIB

A reavaliação bimestral de receitas e despesas feitas pelo Ministério do Planejamento não foi definitiva para a sobrevivência da meta de déficit zero, impressão predominante depois de o presidente Lula afirmar que o resultado fiscal não precisaria ser esse e desdenhar do objetivo traçado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O presidente foi convencido a esperar e não dinamitar os esforços de Haddad para obter aumento de receitas que melhorasse as chances de conseguir um resultado mais próximo possível do zero, ou um déficit de R$ 28,8 bilhões (-0,25% do PIB), a margem de tolerância do novo regime fiscal. Foi o aumento de arrecadação o motivo que levou à decisão de bloqueio suave de R$ 2,9 bilhões em despesas discricionárias.

O salto das receitas no bimestre empurrou para a frente a decisão de rever ou não a meta. Avaliações de consultorias e economistas estimam déficit de 0,75% do PIB. O bloqueio do orçamento correspondeu a 0,14% do total de despesas e foi cosmético. O governo não queria colocar nenhuma trava nas despesas, especialmente nas do PAC, fez uma interpretação criativa da regra fiscal para deter o contingenciamento máximo em R$ 23 bilhões (pela regra, poderia atingir R$ 53 bilhões) e consultou o Tribunal de Contas da União a respeito. O tribunal não decidiu, mas a área técnica do órgão fulminou a proposta, apontando que a ideia feria a Lei de Responsabilidade Fiscal e sua prática poderia incorrer em crime de responsabilidade.

O bloqueio reduzido foi referendado pela arrecadação proporcionada pelas medidas aprovadas pelo Congresso. Elas se somaram ao aumento de receitas decorrentes da boa performance da economia no começo do ano, que tem superado as expectativas. Em fevereiro, elas bateram recorde (R$ 186,5 bilhões) e cresceram 12,27%, descontada a inflação, na sequência de um janeiro também generoso. No primeiro bimestre, houve avanço real de 8,82% dos recursos arrecadados. Mas algumas receitas não são recorrentes e não se prevê a mesma performance ao longo do ano.

No relatório de reavaliação, porém, a previsão de receitas primárias foi revista para baixo em R$ 31 bilhões e a das receitas líquidas, após transferências, em R$ 16,8 bilhões. As despesas primárias aumentaram R$ 1,6 bilhão em relação ao previsto no orçamento. Já o resultado primário, cuja previsão heroica era de superávit de R$ 9,1 bilhões, transformou-se em déficit de R$ 9,3 bilhões.

O esforço quase único está voltado para ampliar arrecadação e não cortar gastos. O orçamento de 2024 tem uma exceção que permitirá que as despesas possam crescer ainda mais a partir de maio, via crédito suplementar, se a arrecadação for maior do que a estimada. Haveria até R$ 15 bilhões extras, se o déficit estimado até lá não ultrapassar R$ 13,8 bilhões, já que se admite como margem R$ 28,8 bilhões de resultado negativo (0,25% do PIB). A maioria das estimativas sobre as contas públicas feitas fora do governo tem números bem menos favoráveis. A Consultoria de Orçamento e Finanças da Câmara, por exemplo, avaliou no mês passado que o governo central terminará o ano com um déficit primário de R$ 70 bilhões, ou 0,6% do PIB, e que a chance de o déficit ser zerado é de 30%, enquanto a de ele ficar dentro da margem permitida é de 38%. Ela estima que a necessidade de limitação de recursos seria de R$ 41 bilhões, já estimando que será usada a margem da meta.

O Prisma Fiscal de março, composto de previsões de consultorias e bancos, melhorou suas projeções para a arrecadação e déficit, e, no entanto, apresenta uma mediana maior, de rombo de R$ 82,8 bilhões. O mesmo movimento vem sendo observado no boletim Focus do Banco Central, com o recuo do déficit de 0,8% para 0,75% do PIB.

Será um avanço reduzir o déficit primário dos R$ 138,1 bilhões de 2023 (excluindo os precatórios de R$ 92,4 bilhões) para algo em torno dos R$ 80 bilhões, mas a redução está sendo feita graças a mais carga tributária, e o resultado está muito aquém do que seria necessário. O Tesouro estimou que para estabilizar a relação dívida/PIB ao nível de 2024, de 77,3%, o superávit necessário seria de 2,8% do PIB, em linha com os cálculos de analistas privados. O governo promete superávit crescente de 0,5% a cada ano e sabe-se que eles são bastante incertos. O mesmo Tesouro indicou que o espaço para as despesas discricionárias (custeio da máquina e investimentos) que o governo pode fazer se reduzirá a zero em 2033, e será engolido pelos gastos mínimos em saúde e educação e as emendas parlamentares de execução obrigatória. Isto é, a margem de manobra para o Executivo executar o orçamento se tornará inexistente.

É preciso um esforço de corte de gastos, mas esse não parece ser o mote do governo. Se a meta estiver perto de ser descumprida, ela será mudada, porque as despesas teriam de ser bastante reduzidas em pleno ano em que o presidente Lula tentará a reeleição. Para seus próprios interesses políticos, seria importante que o Planalto se empenhasse em cumprir as metas que fixou, removendo as incertezas fiscais que desviam o país do caminho do crescimento que deve beneficiar o candidato governista nas urnas.

Qualidade de vida depende da preservação ambiental

Correio Braziliense

De acordo com a FAO, a expansão de espaços agrícolas e pastagem de gado vem sendo o maior motor do desmatamento global

Na última semana, duas datas em sequência jogaram luz às questões globais sobre o meio ambiente. Na quinta-feira (21), o Dia Internacional das Florestas foi celebrado. Criado em 2012 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o objetivo era destacar a importância desses ecossistemas, além de alertar sobre o perigo de degradação. Na sexta-feira (22), foi a vez do Dia Mundial da Água, instituído em 1993 para promover a conscientização e evidenciar a relevância do recurso. Mesmo depois de anos do estabelecimento de ambas as iniciativas, as propostas continuam urgentes.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) informa que as florestas cobrem cerca de 31% da superfície terrestre, sendo essenciais para a vida no planeta. A melhoria da qualidade do solo, da água e do ar, segundo a entidade, depende delas. Ainda conforme a FAO, a expansão de espaços agrícolas e pastagem de gado vem sendo o maior motor do desmatamento global.

Em 2020, relatório apresentado pelo Centro de Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em parceria com a FAO, mostrou que a taxa de desflorestamento teve redução nas últimas três décadas. Mas o estudo salientou que, apesar disso, as áreas de florestas continuam a diminuir e, de 1990 até a publicação do documento, 178 milhões de hectares desapareceram do planeta.

Na Amazônia, entre janeiro e fevereiro de 2023, foram derrubados 523km² de floresta. Em 2024, o registro é de 196km², significando que o desmatamento no bioma teve uma queda de 63% quando comparado com o mesmo período do ano passado. Um respiro importante, mas ainda aquém do ideal.

Diante da necessidade de recuperação, a ONU escolheu como tema deste ano Florestas e inovação: novas soluções para um mundo melhor, reforçando o papel fundamental da tecnologia na manutenção do verde. A campanha apontou as atuais alternativas de monitoramento, a exemplo do uso de drones, como respostas complementares na luta contra incêndios e no mapeamento de terras de conservação. A modernização da produção de materiais sustentáveis também foi levantada.

O Dia Mundial da Água apresentou a proposição Água para a prosperidade e a paz. A gestão sustentável do recurso foi destacada como essencial para a promoção de benefícios a indivíduos e comunidades, incluindo saúde, segurança alimentar e energética, proteção contra riscos naturais, desenvolvimento econômico e de serviços. A importância do uso consciente e a necessidade de acabar com a poluição são metas constantes, mas o acesso ao recurso entra cada vez mais na pauta dos debates. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que aproximadamente 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada por excrementos, expondo-se a doenças, como a cólera, hepatite A e disenteria.

Ainda no campo da saúde, as mudanças do clima — intimamente relacionadas com o desmatamento e as questões da água doce e salgada —, têm influenciado na propagação de vetores. As doenças mais sensíveis a essas alterações são as infecciosas, como leishmaniose, malária, dengue e outras arboviroses. As consequências são tão diretas que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realiza estudos prospectivos e de análise de riscos para avaliar o impacto no surgimento ou no ressurgimento de enfermidades. No Brasil, a elevação das temperaturas e as ondas de calor estão contribuindo para a epidemia de dengue que o país enfrenta, conforme análise também desenvolvida pela Fiocruz e publicada na revista Scientific Reports.

Os debates acontecem, as pesquisas são desenvolvidas, o assunto é matéria nas escolas e motivo de conversa em encontros informais. Diante da emergência climática que se coloca, a sociedade percebe a relevância de medidas individuas e coletivas de cuidado com os recursos naturais. Novas políticas públicas, amplas e em âmbito global, não podem ser adiadas. Os resultados dos excessos humanos estão à mostra e já caminham para um ponto que pode ameaçar a sobrevivência em partes do planeta. As efemérides mobilizam. Mas que, nos casos dos dias das florestas e da água, elas possam ser festejadas, em um futuro próximo, com ganhos ambientais vitais para a humanidade.

 

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