domingo, 31 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

60 anos do golpe; 39 anos de democracia

Folha de S. Paulo                             

Conquistas atestam o compromisso da sociedade com o regime democrático, o melhor para 71%, segundo o Datafolha

Há 60 anos, os militares fulminaram pelo golpe o regime constitucional iniciado em 1946. Há 39 anos, o país enterrou a ditadura e instalou o seu mais longevo período democrático. É preciso relembrar, por motivos distintos e complementares, esses dois marcos.

A ruptura de 1964 ilumina alguns aspectos da atualidade, em meio às investigações da Polícia Federal sobre movimentações golpistas para impedir a sucessão presidencial decretada nas urnas em 2022.

O Exército de Humberto Castello Branco não é o mesmo Exército de Marco Antônio Freire Gomes. O primeiro aderiu em bloco e sem hesitar ao intervencionismo em voga na Força desde 1889. O segundo repeliu o assédio de um presidente da República autoritário.

O organismo político desenvolveu imunidade ao vírus do retrocesso. Segundo o Datafolha, 71% da população entende que a democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo.

A insurreição que depôs João Goulart recebeu apoio de vários setores da sociedade civil, do empresariado à imprensa —inclusive o desta Folha, um erro já admitido pelo jornal. Em 2022 os nostálgicos da truculência ficaram isolados.

É lamentável, aliás, que o atual presidente se veja constrangido a evitar atos de governo a respeito do aniversário do golpe.

Rememorar as conquistas do regime democrático fundado em 1985 —e consolidado na Carta de 1988— completa o quadro dos ensinamentos suscitados pela efeméride e nos informa sobre as razões da solidez institucional do Brasil.

Os últimos dois terços das seis décadas que nos distanciam de 31 de março de 1964 foram percorridos ininterruptamente sob a democracia. Milhares de eleições foram realizadas na Nova República, com todos os resultados rigorosamente respeitados. Oposições e governos ganharam e perderam.

O período sob o regime das liberdades já é longo o suficiente para que mais da metade da população brasileira atual tenha nascido na vigência da democracia. Não passa pela cabeça da esmagadora maioria se submeter a tiranetes que decidem o que se pode fazer ou dizer no país.

A democracia controlou a inflação, equilibrou as contas externas, universalizou o acesso ao ensino básico e à saúde e estendeu um amplo colchão de seguridade social, feitos de que o regime anterior jamais chegou perto.

Não se cogita enfrentar as mazelas que persistem —como a má qualidade do ensino, a desigualdade da renda, a precária cobertura do saneamento e a baixa produtividade econômica— por outro caminho que não o do Estado democrático de Direito.

Os poucos celerados que recentemente desafiaram esse rochedo institucional responderão por seus atos nos tribunais. A eles estarão garantidos os direitos ao contraditório e ao devido processo, itens que jamais facultariam a seus opositores na ditadura que, em seus delírios, pensaram em reinstalar.

O palácio e a Cracolândia

Folha de S. Paulo

Gabinete do governador pode remodelar o centro se evitar fiasco como Nova Luz

Avança na direção correta o concurso arquitetônico lançado pelo governo paulista para o entorno do parque Princesa Isabel, no centro da capital. O projeto de transferir o gabinete do governador para a região tem bom potencial de revitalização urbana —desde que inclua atenção redobrada para detalhes e contorne conflitos entre interesses privados e os do bem público.

O bairro Campos Elíseos, que abriga o palácio do século 19 com o mesmo nome outrora utilizado como moradia do governador, degradou-se como poucos. A omissão das autoridades de assistência, saúde e segurança permitiu que ali vicejasse a cracolândia.

Não existe remédio fácil nem rápido para a chaga aberta no coração de São Paulo. Fazer o mandatário estadual, seu segundo escalão e 22 mil servidores despacharem na vizinhança acarretará, no mínimo, prioridade para o problema.

Não se trata de expulsar moradores de rua e dependentes químicos ali concentrados, mas de reverter a exclusão continuada de comerciantes, transeuntes e residentes pela insegurança crescente.

Urge reorientar o uso do espaço urbano decadente pela oferta de novos serviços, como lazer, gastronomia, cultura e escritórios em prédios inteligentes e sustentáveis.

O custo estimado da empreitada é de R$ 3,9 bilhões, um gasto atualmente impensável sem o apoio de recursos empresariais.

Convém recordar que não será o primeiro megaprojeto de revitalização dos arredores da cracolândia. O programa Nova Luz, de 2005, revelou-se incapaz de atrair capital privado e foi cancelado em 2013.

Há que aprender com as lições do passado para que uma intervenção complexa assim consiga coordenar necessidades públicas com as oportunidades de lucro visadas pelo setor imobiliário. O concurso arquitetônico oferece chance de pôr a iniciativa sob escrutínio de urbanistas e do público em geral.

Conciliar não é esquecer

O Estado de S. Paulo

A despolitização das Forças Armadas e a responsabilização do Estado pelos mortos e desaparecidos na ditadura são duas formas, sem revanchismos, de cicatrizar as feridas de 1964

Há 60 anos, os brasileiros são convocados a trafegar entre dois caminhos igualmente desconfortáveis em relação ao golpe militar de 1964. De um lado, a apologia inconveniente de quem celebra o “movimento revolucionário”, tentando preservar a visão do golpe como uma vitória da vontade geral do povo, das Forças Armadas e da liberdade contra o radicalismo. De outro lado, a defesa da reparação pelas atrocidades promovidas por agentes da repressão naqueles anos. No primeiro grupo, persiste o medo de se verem vítimas de revanchismos, algo que seria contrário, segundo militares, à conciliação prevista na Lei da Anistia de 1979 – mantida desde então e sacramentada, em 2010, pelo Supremo Tribunal Federal. No outro, o temor de que o passado fique no passado e de que o País permaneça sob uma suposta tutela militar. Entre ambos, uma desconfiança mútua que só atrapalha a esperança de que possamos seguir adiante. Sem traumas, medos ou dívidas do passado.

Já passou da hora de um melhor ajuste com a história, necessidade ampliada com as sequelas deixadas pelo 8 de Janeiro. As investigações já demonstraram a inegável conivência e até mesmo entusiasmo de alguns militares com o golpismo bolsonarista. Se é verdade que não se pode julgar as Forças Armadas pelo comportamento de alguns poucos, estimulados nos últimos anos por Jair Bolsonaro – um mau militar, como qualificou o general Ernesto Geisel –, também é verdade que o bolsonarismo intoxicou os quartéis com a fumaça do golpismo. Em meio às tensões que persistem desde a transição para o mandato do presidente Lula da Silva, parece haver hoje uma evidente disposição do atual comando militar com a democracia e a pacificação, retribuída por Lula ao evitar transformar a data de aniversário do golpe em ato de governo. A palavra de ordem mútua é um providencial silêncio.

É preciso, porém, mais do que silêncio e moderação. Cabe ao comando militar o urgentíssimo trabalho de despolitização das Forças Armadas – parte delas dragada pelo espírito extremista e golpista de Bolsonaro, uma liderança vocacionada a fazer o que foi impedido ao ser defenestrado do Exército em 1988: insuflar a baderna, tratar adversários com truculência e demonstrar seu desapreço pela Constituição. O descumprimento de seu papel constitucional dentro do regime democrático é péssimo negócio tanto para as instituições militares quanto para o País. Contra isso, revoguem-se as interpretações excêntricas sobre o artigo 142 da Constituição – as Forças Armadas não são um poder moderador da República,

como defendeu o breviário golpista da extrema direita. Convém ainda frear qualquer ímpeto de militares que desejam misturar a vida nos quartéis com a política e aceitar a ideia de que o Brasil não cicatrizará as feridas deixadas pelo regime militar sem confrontar-se com o passado.

Eis por que é imperativo que o presidente Lula reabra a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, importantíssima para levar o Estado brasileiro a ser responsabilizado pela contumaz violação de direitos humanos por seus agentes durante a ditadura militar. Criada em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a comissão se destina a reconhecer oficialmente pessoas que morreram ou desapareceram por sua atuação política durante a ditadura militar, permitindo, por exemplo, a emissão de atestados de óbito, a localização de corpos e a reparação por meio de indenizações. A comissão foi extinta por Bolsonaro nos estertores de seu mandato, mas Lula tem a oportunidade de reparar tal erro.

Assim como conciliação e anistia não significam esquecimento, memória e justiça não levam à revanche. Esse reconhecimento duplo de qualquer democrata, seja civil ou militar, é fundamental para que o País possa se debruçar com maturidade sobre um momento crucial de sua história. É, esse sim, o caminho adequado para a exata compreensão da responsabilidade do Estado pela morte presumida de cidadãos que estavam sob sua custódia e para pôr fim à longa noite que ainda assombra e divide o País.

Mais do que uma banda podre

O Estado de S. Paulo

A associação do crime organizado com agentes públicos, escancarada pelas investigações sobre a morte de Marielle, pode servir de inspiração para mudar o modelo de polícia no Brasil

Crises gravíssimas, seguidas de grande clamor popular, costumam ser más conselheiras, sobretudo quando resultam em pressa na distribuição de responsabilidades e na exigência de respostas rápidas à indignação nacional. Mas podem também, como no caso das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, converter-se numa oportunidade providencial para mudanças inadiáveis. Reformar as polícias é uma dessas mudanças. No caso do Rio de Janeiro em particular, convém não só assegurar mais eficiência para uma instituição que reconhecidamente vem falhando no dever de garantir mais segurança pública e menos violência, como também construir os diques de contenção do crime e seu avanço inaceitável sobre a estrutura estatal.

Um dos nomes centrais do crime, como se sabe agora, teria sido o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da área de Homicídios e posteriormente de toda a Polícia Civil fluminense e o principal responsável pela investigação do caso na esfera estadual. O relatório da PF acusa o delegado de ter colocado a corporação à disposição de milicianos, bicheiros e políticos dispostos a pagar caro pela sua omissão e pela proteção do jogo do bicho e das milícias – a mutação sombria da parcela criminosa da polícia. Também teria exercido o papel de “planejador” da ação executada por Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.

Barbosa é o quarto chefe de polícia do Rio afastado e preso por acusação de envolvimento com o crime. Em 2008 foram Álvaro Lins, preso por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, e Ricardo Hallack, por corrupção, formação de quadrilha e também lavagem de dinheiro. Em 2022, foi a vez de Allan Turnowski, por suspeita de organização criminosa e envolvimento com o jogo do bicho. Nos anos 1990, tornou-se célebre a expressão “banda podre da polícia”, cunhada pelo delegado Hélio Luz, então chefe da Polícia Civil fluminense, para definir a simbiose entre o crime organizado e policiais que deveriam combatê-lo.

No passado, agentes públicos criminosos trabalhavam em favor do tráfico de drogas. Hoje, como se constata, além do tráfico, policiais se imiscuíram também nos negócios das milícias e do jogo do bicho, incluindo a disputa por territórios, o controle da regularização de ocupações ilegais e dos serviços, no comércio e no voto das comunidades do Rio. Nada disso seria possível sem a devida participação de políticos, a omissão de integrantes do Ministério Público e a cumplicidade de juízes e desembargadores.

A longevidade das crises e a extensão desse Estado paralelo e indissociável do crime justificam mudanças. A natureza e a profundidade dessas mudanças podem ser debatidas e detalhadas num indispensável debate democrático, mas não restam dúvidas de que o modelo atual é absolutamente disfuncional. Não faltará ceticismo, o que é compreensível, pois promover reformas de instituições policiais requer lideranças políticas comprometidas com mudanças reais e núcleos do alto comando das corporações igualmente dispostos a isso – e hoje quem deveria ser essa liderança parece ser parte do problema.

Apesar da gravidade, não se trata de um caminho sem volta. A repercussão e o choque podem inspirar o impulso reformador, a fim de termos nas polícias o que delas se espera: capacidade de afastar, de maneira contínua, policiais corruptos ou excessivamente violentos; ter gestores bem formados com capacidade para implementar procedimentos sólidos que possam ser supervisionados e revisados frequentemente; garantir planejamento estratégico para a atuação territorial e abordagens policiais; promover integração entre as duas polícias (Civil e Militar); investigar o envolvimento de policiais com corrupção e morte; e, enfim, descobrir e explicar por que investigações são sabotadas.

A mudança pode começar com um pacto contra a impunidade. Um levantamento recente do Instituto Sou da Paz mostrou que o País esclarece somente 35% dos homicídios dolosos (quando há intenção de matar). O Rio, ora vejam, é o Estado brasileiro com a menor taxa de esclarecimento dos crimes contra a vida. São dois dados que dizem quase tanto quanto o perverso enredo que levou Marielle à morte.

Ano fatal para migrantes

O Estado de S. Paulo

Só em 2023 morreram 8.565, enquanto o discurso anti-imigração ganha força na Europa e nos EUA

A Organização Internacional para as Migrações (OIM), vinculada à ONU, constatou que 8.565 pessoas morreram ou desapareceram em 2023 durante suas desesperadas jornadas para escapar de conflitos, da violência e de perseguições em seus lugares de origem – ou para superar a falta de perspectiva de uma vida melhor. O ano revelou-se o mais mortal desde 2014, quando a OIM iniciou sua série estatística.

Há uma grave, antiga e bem conhecida crise humanitária por trás desses números. As razões para milhões de pessoas abandonarem seus lares a cada ano envolvem situações de brutalidade recorrente e de expectativas mínimas de sobrevivência – não contornadas pelas autoridades locais e muito menos pela comunidade internacional. No entanto, a adoção de políticas imigratórias mais restritivas nos últimos anos pelos principais países de destino, sobretudo os da Europa e os Estados Unidos, expõe os migrantes a trilhas irregulares e de maior perigo. Isso explica, segundo a OIM, a escalada do total de mortes em 2023, em sua maioria por afogamento e acidentes.

As estatísticas da OIM mostram que o total de mortes no ano passado superou o registrado em 2015 e em 2016, o auge da crise migratória do Oriente Médio para a Europa, via Mediterrâneo. Os conflitos historicamente empurram contingentes humanos a jornadas de alto risco. Assim foi quando migrantes árabes, sobretudo da Síria, se lançaram em precárias embarcações rumo à Grécia e à Itália na década passada.

Não é diferente agora. Na África, guerras e golpes de Estado têm empurrado seus cidadãos a empreitadas arriscadas através do Deserto do Saara, do mesmo Mediterrâneo e do entorno das Ilhas Canárias. Em 2023, 1.866 pessoas morreram nessas travessias. Perseguições políticas, étnicas e religiosas estão igualmente na raiz de fluxos migratórios. Na Ásia, 2.138 perderam suas vidas no ano passado, sobretudo afegãos em fuga da opressão do regime Taleban e rohingyas perseguidos pelo regime de Mianmar.

O caminho trilhado por latino-americanos e caribenhos, inclusive do Brasil, até a fronteira do México com os Estados Unidos levou 1.275 migrantes à morte – dos quais 87 eram crianças. O que os move a desafiar as barreiras de Washington à imigração, a ação de cartéis de tráfico humano e os riscos da travessia por desertos e florestas é a perspectiva de melhores condições de vida.

A estatística da OIM reforça o quão distante as nações estão de cumprir as premissas básicas de direitos humanos consagradas pelas Nações Unidas. A proteção aos civis é sumariamente negligenciada nos países marcados por conflito. Na outra ponta, o endurecimento de regras imigratórias pelas economias avançadas, onde a intolerância tornou-se peça-chave em processos eleitorais, demonstra inegável descaso humanitário.

A aversão à imigração estará explícita nas eleições presidenciais nos EUA e para o Parlamento Europeu deste ano e dificilmente será contrariada pelos seus candidatos. O fato de 512 migrantes terem morrido até fevereiro não gera nem mesmo compaixão na maioria do eleitorado – muito menos senso de responsabilidade dos Estados. É como se a morte de cada migrante se devesse exclusivamente à sua ambição por uma vida mais segura.

Caso Marielle traz oportunidade para reerguer segurança

O Globo

Investigação poderia ser a semente de uma força-tarefa que asfixiasse crime entranhado nas instituições

O resultado da investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, traz a oportunidade para o início de uma reviravolta na política de segurança pública nacional e aponta o caminho para impedir o avanço do crime organizado sobre as instituições.

Polícia Federal (PF) prendeu suspeitos não apenas de mandar matar Marielle, mas também de sabotar as investigações para proteger os executores e a própria organização criminosa. No emaranhado de fatos envolvendo o crime, ainda há muitos fios a puxar. Em linhas gerais, o relatório da PF cita denúncias de que a Polícia Civil do Rio recebia propina para engavetar a apuração de homicídios da contravenção. É preciso retomá-la, bem como esclarecer as mortes de suspeitos vinculados aos acusados de tramar o assassinato — e “apagados” no caminho como queima de arquivo. É fundamental, além disso, entender como esses acusados ascenderam na estrutura do Estado e quem lhes abriu as portas do poder.

Mais que um exemplo de como o crime organizado se infiltra no Estado, o caso Marielle pode ser a semente de uma investigação exemplar, capaz de mudar a política de segurança pública brasileira. É preciso agir contra o crime organizado antes que a contaminação institucional cresça. O governo federal não pode mais fugir à responsabilidade de enfrentar as máfias que aterrorizam o país. Não pode delegar exclusivamente aos estados a missão de combater organizações criminosas que agem como multinacionais do crime. Eles não dispõem dos recursos financeiros nem dos meios necessários para isso.

Na campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu separar os ministérios da Segurança Pública e da Justiça. No poder, não separou. Deveria ao menos assumir o protagonismo numa pauta fundamental para os brasileiros. A Polícia Federal, corporação mais imune à contaminação que as polícias estaduais, tem demonstrado independência para investigar casos que estas preferem abafar. Ela deveria ser o eixo de uma força-tarefa nacional para desarticular o crime organizado, envolvendo as demais forças de segurança, Ministério Público, juízes especializados, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Receita Federal. Como em toda iniciativa de sucesso capaz de desarticular máfias incrustadas no Estado mundo afora, investigar o rastro do dinheiro é fundamental para asfixiar financeiramente as organizações criminosas e impedir que continuem a alimentar a barbárie.

Só com um comando central, a atuação de uma força-tarefa que integre as diversas instituições e um plano de segurança robusto, será possível vencer o crime organizado. O grau alarmante de contaminação institucional revelado pelas investigações do caso Marielle deveria servir de alerta às autoridades. A tentativa de blindar o presidente da República dos desgastes associados ao combate à violência não faz sentido, pois Brasília não tem ficado imune ao descalabro. O tema está hoje no topo das preocupações dos brasileiros. O envolvimento da polícia com o crime organizado é, nas palavras do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “extremamente grave”. Ele defende a “refundação dessas instituições”. Não há tempo a perder. A hora é agora. A letargia só fará tudo piorar.

Vini Jr. precisa de mais apoio na luta contra o racismo na Espanha

O Globo

Ele recebeu aplausos da torcida e homenagem do Real Madrid. Mas ninguém foi punido por agredi-lo

O craque Vinicius Jr. voltou aos gramados do estádio Santiago Bernabéu, em Madri, não apenas para disputar uma partida de futebol pela Seleção. O amistoso contra a Espanha, no estádio de seu clube, o Real Madrid, coincidiu com as dificuldades enfrentadas pelo jovem atleta, perseguido por racistas que aproveitam os jogos do campeonato espanhol para agredi-lo pela cor da pele. Dirigentes brasileiros e espanhóis procuraram transformar o jogo — que terminou empatado em 3 a 3 — num ato contra a discriminação racial, sob o lema “uma só pele”. Outro gesto de apoio ao atleta ocorreu em outubro, na cerimônia de entrega da Bola de Ouro, quando Vini Jr. recebeu o prêmio Sócrates pela resistência antirracista.

Mas o enfrentamento do racismo na Espanha, infelizmente, precisa de algo além das ações de conscientização. É verdade que não falta apoio do Real Madrid, que homenageou Vini Jr. no Santiago Bernabéu depois dos pesados ataques que sofreu em maio do ano passado, num jogo em Valencia. O choro dele, ao abordar a questão do racismo em entrevista na véspera do amistoso, comprova seu estado de tensão.

Embora continue mantendo alto nível de jogo, a perseguição que lhe movem das arquibancadas espanholas cobra um preço emocional incalculável. Ele afirmou estar “cada vez mais triste” e ter menos vontade de jogar. Mas não sairá da Espanha. “Se saio daqui, dou aos racistas o que eles querem”. Na sua visão, a Liga Espanhola (LaLiga) tem evoluído no tema do racismo, mas ele considera que as leis ainda deixam a desejar.

É difícil aceitar que clubes importantes da Espanha não possam se unir para enfrentar com punições duras os times que abrigam torcedores racistas. No último Campeonato Brasileiro, o Corinthians teve de fazer um jogo em seu estádio vazio, como punição pelos cânticos homofóbicos da torcida num clássico contra o São Paulo (pelas estimativas, o clube perdeu receitas de R$ 1,5 milhão). A punição já constava das normas do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, mas foi preciso que a Confederação Brasileira de Futebol decidisse endurecer contra os crimes de homofobia, racismo e xenofobia para que fosse cumprida.

LaLiga poderia seguir o exemplo e endurecer as punições. Infelizmente, os clubes espanhóis têm sido lenientes. Até agora, houve mais de dez denúncias de atos racistas contra Vini Jr. Ainda não houve punição. Em maio do ano passado, a polícia espanhola deteve sete suspeitos de cometer injúrias raciais contra o brasileiro. Três foram liberados depois de prestar depoimento, e não há notícia de condenação contra os demais.

A revolta justa dos atletas contra o racismo tem feito parte dos esportes ao longo de décadas. Vini Jr., entre lágrimas, disse que só quer jogar futebol, fazer tudo pelo seu clube e sua família. Tem sido forçado a ir além. Ao ser substituído no segundo tempo do empate entre Brasil e Espanha, foi aplaudido efusivamente no Santiago Bernabéu. Conforta, mas não resolve. Ele precisa de mais apoio nessa luta.

 Um viva para a democracia

Correio Braziliense

O Brasil tem todas as condições de fortalecer a democracia, e deve fazê-lo com urgência e veemência, sem complacência com aqueles que propagam ideias nocivas no campo dos direitos civis e sociais

O golpe militar de 1964, que resultou em 21 anos de ditadura no Brasil, completa seis décadas neste domingo. É uma data que jamais deve ser esquecida pela população, para que nunca mais se repita. Não há valor maior para uma sociedade do que a democracia. É esse sistema político que vem sendo tão questionado mundo afora que assegura os direitos individuais, a liberdade de expressão e as escolhas de cada um. Cabe ao Estado criar todas as condições para o pleno funcionamento das garantias constitucionais, não limitá-las.

O Brasil esteve muito próximo do retrocesso, como explicitou o fatídico 8 de janeiro de 2023. Tentou-se, naquele dia, romper o Estado Democrático de Direito, com o ataque ao coração da República. Por muito pouco, um golpe não derrubou um governo eleito pela maioria dos brasileiros. Felizmente, a sociedade que preza pelas liberdades e dá o valor exato à democracia reagiu à altura e o país não sucumbiu. A resiliência das instituições permitiu que hoje se possa, mais uma vez, dar um viva à democracia.

Há, no entanto, razões de sobra para preocupação. Num mundo extremamente conturbado, é cada vez menor o número de países em que impera a democracia. As ditaduras escancaradas e as autocracias disfarçadas são maioria, sinal gravíssimo de que as lideranças que defendem as liberdades já não conseguem convencer o grosso da população dos benefícios de um regime que, mesmo imperfeito, é o que melhor protege os direitos dos cidadãos.

A batalha está sendo perdida para a desinformação, praga disseminada tanto pela extrema esquerda quanto pela ultradireita. Há um movimento deliberado no sentido de minar os pilares da democracia. Os extremistas têm se aproveitado do ressentimento provocado pela globalização. Camadas da sociedade, sobretudo a de classe média, se veem relegadas pelo Estado e vítimas das instituições democráticas.

Não por acaso, tornam-se presas fáceis do populismo. Acreditam que a política tradicional é culpada por todas as mazelas que atingiram suas vidas. Embarcam no discurso fácil e palatável de autocratas, normalizando o extremismo que ataca os direitos de minorias, aqueles que pensam diferente e a separação dos Poderes. Muitos dos defensores desse modelo antidemocrático se travestem de políticos de centro para ludibriar segmentos expressivos da sociedade, inclusive, tendo como arma a religião.

Exemplos não faltam à esquerda e à direita de ditaduras e autocracias. E é preciso nominá-las pelo que são, ainda que algumas tenham a desfaçatez de realizar eleições como se democracia fossem. Os brasileiros devem se mirar nesses casos para que jamais percam o direito ao voto livre. O poder de escolha é fundamental para um regime democrático forte. A história está aí para comprovar que, todas as vezes em que a sociedade abriu brecha para o autoritarismo, as liberdades ruíram, com o massacre dos divergentes. Não se pode esquecer a história, especialmente quando ainda há feridas abertas, como no Brasil. Há mais de 200 desaparecidos da sangrenta ditadura, cujas famílias ainda esperam pela reparação do Estado.

Certos militares continuam a ser uma sombra para a democracia, como se viu recentemente, em que muitos flertaram com a tentativa de um golpe de Estado. As instituições têm sido alvos de constantes e consistentes ataques de fake news. Os jovens, em boa parcela, simplesmente ignoram o passado e se deixam pautar pela desesperança. São fatos que precisam ser enfrentados e superados, mas com ações e argumentos consistentes e que reforcem o Estado Democrático de Direito.

O Brasil tem todas as condições de fortalecer a democracia, e deve fazê-lo com urgência e veemência, sem complacência com aqueles que propagam ideias nocivas no campo dos direitos civis e sociais. A sociedade não pode fraquejar frente a uma minoria saudosista que idealiza um passado que não existiu, de bonança e avanços. Em ditaduras e autocracias, as benesses se restringem a grupos específicos, aos vassalos do poder. É na democracia que a voz do povo se faz ouvir. Portanto, ditadura nunca mais. Um viva à democracia.

 

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