segunda-feira, 4 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PIB de 2023 mostra desafios ao crescimento sustentado

Valor Econômico

O investimento, em especial, continua fraco, e a atividade econômica ficou estagnada no segundo semestre

O crescimento da economia brasileira em 2023 ficou em 2,9%, superando com folga o 0,8% projetado no fim de 2022. Pelo segundo ano seguido, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma expansão por volta de 3%, número que está longe de ser exuberante, mas é razoável para os padrões brasileiros de 2014 para cá. O resultado pode ser visto como positivo, mas uma análise mais detalhada dos números evidencia os desafios que o país ainda tem para crescer a taxas mais altas de modo sustentado. O investimento, em especial, continua fraco, e a atividade econômica ficou estagnada no segundo semestre.

Ao analisar os componentes da demanda doméstica, o crescimento veio em grande parte do consumo das famílias, que avançou 3,1% em 2023, e do consumo do governo, com alta de 1,7%. A força do mercado de trabalho, as transferências de renda e a queda da inflação alimentaram o poder de consumo das famílias. Mas o investimento, fundamental para garantir a expansão da economia a um ritmo mais forte e duradouro, caiu 3%. Sem que se invista mais, o crescimento cedo ou tarde esbarrará em gargalos na produção, que tendem a se traduzir em pressões inflacionárias.

Os juros elevados desestimulam o setor privado a investir, o que ajuda a explicar o desempenho ruim de 2023. Com a Selic em queda, porém, é provável que mais empresas desengavetem projetos para modernizar e ampliar a capacidade de produção. No entanto, os economistas ainda não acreditam numa retomada firme do investimento em 2024 – o Bradesco projeta queda de 1%, enquanto a MB Associados estima alta de 0,6%.

Incertezas sobre o ambiente de negócios atrapalham o investimento no Brasil, e tentativas do governo de interferir na sucessão do comando da Vale são um exemplo do que pode abalar a confiança do setor privado no país. A aprovação da reforma tributária, em compensação, vai na direção contrária, e pode dar mais segurança ao investimento de longo prazo no Brasil, por simplificar e corrigir distorções do sistema de impostos, um dos grandes entraves ao crescimento nas últimas décadas.

Pelo lado da demanda, o setor externo teve um peso expressivo no crescimento em 2023, respondendo por quase 60%. As exportações avançaram 9,1% no ano passado, puxadas especialmente pelas vendas de soja, petróleo e minério, enquanto as importações recuaram 1,2%. Para 2024, as projeções apontam um bom desempenho das vendas ao exterior, o que tende a levar o setor externo a ter nova contribuição positiva para o PIB.

Do lado da oferta, 2023 contou com o resultado excepcional da agropecuária, que cresceu 15,1%. O país teve uma safra recorde e houve o aumento do volume exportado de produtos como a soja. Além disso, há o efeito do agro sobre outros setores da economia. Em 2024, porém, a agropecuária não terá o mesmo desempenho – o Bradesco, por exemplo, projeta estabilidade para o setor.

Outro segmento de commodities teve contribuição expressiva para o crescimento do ano passado – o da indústria extrativa. O setor fechou 2023 em alta de 8,7%, com o bom desempenho da produção de petróleo e minério de ferro. Mesmo assim, a indústria no PIB teve alta de apenas 1,6% no ano passado, puxada para baixo pelo segmento de transformação, que encolheu 1,3%, e pela construção civil, com recuo de 0,5%. O setor de serviços, por fim, cresceu 2,4% em 2023, número que pode se repetir em 2024, na visão da MB, que projeta crescimento de 2% para o PIB neste ano.

Os números do quarto trimestre mostraram uma economia parada, repetindo o desempenho do terceiro, com estabilidade em relação aos três meses anteriores. O consumo das famílias e o investimento surpreenderam. O primeiro recuou 0,2%, enquanto as projeções apontavam alta de 0,3%, e o segundo aumentou 0,9%, após quatro trimestres em queda — a estimativa era de baixa de 0,1%. A dúvida é se a alta do investimento é pontual ou se será o início de um processo de recuperação mais consistente. A queda dos juros, como já foi dito, pode dar algum gás a esse processo, que também depende da redução de incertezas em várias frentes — em relação às contas públicas, ao ambiente de negócios, à segurança jurídica, fatores que dependem em boa parte do governo.

A taxa de investimento terminou 2023 em 16,5% do PIB, abaixo dos 17,8% do PIB de 2022. É um número baixo, bastante inferior ao de outros emergentes. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2023, essa taxa foi de 23,4% no Chile, 24,1% no México, 31,7% na Índia e 42,5% na China.

Para 2024, os juros mais baixos devem ajudar também o consumo das famílias, ao baratear o crédito. Estimulada também pelo mercado de trabalho ainda firme e pelas transferências de renda, a demanda privada deve ser o principal impulso à atividade em 2024, ajudando o PIB a crescer 2% ou um pouco menos. Não é com a expansão do consumo das famílias, porém, que o Brasil vai conseguir crescer a taxas mais altas de modo sustentado. Sem mais investimento e sem uma agenda para aumentar a produtividade, o crescimento potencial (aquele que não causa pressões inflacionárias) se manterá medíocre.

Israel falha na proteção de civis palestinos

O Globo

Netanyahu negligenciou segurança interna e tornou país corresponsável por crise humanitária em Gaza

A tragédia em Gaza não começou no ano passado. Vem de longe e agravou-se em 2007, quando o Hamas deu um golpe depois das eleições de 2006. De lá para cá, o grupo terrorista controla a região de maneira ditatorial, usando bilhões de ajuda internacional não para benefício de sua gente, que vive de maneira indigna, mas para, clandestinamente, se armar, construir túneis e preparar ataques. Tudo com o objetivo de cumprir seu intento declarado de pôr fim ao Estado de Israel. Em 7 de outubro, num ato de selvageria, invadiu Israel, matou 1.200 pessoas e sequestrou mais de 200. Sabia que a resposta seria devastadora e que seu povo estaria em grande perigo.

Israel exerce desde então seu direito legítimo de defesa, que não pode e não deve ser questionado. Mas, como democracia que resiste numa região dominada por regimes autoritários, tem de manter íntegros seus padrões éticos e morais. Quando contra-atacou, tinha claro o que encontraria pela frente: terroristas inescrupulosos e a população civil à mercê deles, usada como escudo.

Em diversas ocasiões, Israel comprovou a falsidade de acusações que recaíram sobre si. Foi o caso da explosão no Hospital Al-Ahli, em Gaza, provocada por um foguete defeituoso de aliados do Hamas. Israel afirma tomar precauções para evitar vítimas civis e insiste que sua atuação é cirúrgica. A esta altura, porém, já ficou claro que esse adjetivo é absolutamente inadequado. Diversos eventos precisam ser investigados para afastar a hipótese de crimes de guerra. É o caso da morte, na semana passada, de dezenas de palestinos que buscavam comida e acabaram alvejados a tiros ou atropelados em Gaza.

Os civis palestinos vivem uma crise humanitária gravíssima, e Israel, não há como negar, é corresponsável por ela. Tem falhado ao garantir o afluxo contínuo e apropriado de água e mantimentos. Tem falhado também ao garantir abrigo àqueles que perderam suas casas. É verdade que o Hamas não está preocupado com essa situação, mas Israel deve estar. Deve dar demonstrações inequívocas de que sua conduta se pauta pelo direito internacional. Tal tarefa está nas mãos da população israelense. Só ela há de encontrar uma solução interna que traga um mínimo de razoabilidade ao comando de seu país.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já era nefasto para Israel antes da guerra. Tentou quanto pôde minar a vibrante democracia de seu país em benefício próprio, para fugir de acusações de corrupção. A sociedade e as instituições lhe disseram não. Seus objetivos mesquinhos o fizeram neglicenciar a segurança interna — e não está longe o dia em que será julgado por isso.

Ele demonstra também que fracassa na necessária resposta ao Hamas. O grupo terrorista, em suas próprias palavras, ainda representa forte ameaça. Estima-se que haja mais de 130 reféns nas mãos dos terroristas — não se sabe quantos vivos. A situação desesperadora da população civil em Gaza tem levado a opinião pública a se voltar contra Israel. No Brasil, 50% discordam que a reação contra o Hamas seja exagerada (36% concordam). Mas a visão favorável do país caiu de 52% a 39% em quatro meses, segundo pesquisa Quaest.

Isso não pode acontecer. É preciso que a democracia israelense encontre um modo de se livrar de Netanyahu, derrotar o Hamas, libertar os reféns e alcançar a solução de dois Estados lado a lado, em paz e segurança. Para que Israel continue a ser exemplo de liberdade e democracia para a região.

Cessão da Estação Leopoldina para município do Rio é exemplo ao país

O Globo

Governo federal ainda tem ao redor de mil imóveis abandonados ou sem uso que deveriam ser reaproveitados

Finalmente o governo federal transferiu ao município do Rio o prédio quase centenário da Estação Leopoldina, na região central da cidade. O imóvel, degradado pelo abandono de anos, deverá abrigar moradias, escolas e um espaço cultural. Espera-se que agora, sem as amarras burocráticas, a Prefeitura restaure o edifício histórico e ponha em prática os projetos anunciados para o local.

Igualdade salarial não se obtém por canetada

Folha de S. Paulo

Lei acerta ao dar transparência à disparidade entre gêneros, mas fenômeno é mais complexo do que a mera discriminação

Muito em breve serão conhecidos os números da diferença salarial entre gêneros nas empresas com cem ou mais funcionários no Brasil. A divulgação desta informação é resultado do que determina a lei 14.611, sancionada em 2023.

Não será nenhuma surpresa se for constatado que mulheres recebem remuneração inferior à dos homens neste novo relatório. No Brasil, é sabido que, para cada R$ 100 recebido por um homem, as mulheres recebem em média R$80.

Entretanto dar publicidade à diferença existente em cada empresa representa um passo além, já que transparência e a responsabilização são dois importantes catalisadores de transformação.

Com isso, o governo fornece insumos para o debate —e para que indivíduos e organizações tomem medidas efetivas para eliminar as desigualdades que ainda se observam nos ambientes de trabalho.

A transparência aumenta o poder de barganha das mulheres nas negociações salariais e compromete a imagem pública das empresas, induzindo mudanças.

Com o relatório, o Brasil passa a se alinhar às melhores práticas internacionais, a exemplo do que se faz no Reino Unido e na Austrália.

Mas a lei também dá ao governo um enorme protagonismo para determinar o que constitui desigualdade salarial, para impor sanções com base nesse diagnóstico e para estabelecer que membros de sindicatos participem da elaboração dos planos de ação das empresas. Neste aspecto, a lei é um retrocesso.

A visão de que cabe ao Estado determinar e punir a disparidade de remunerações parte de um entendimento de que o diferencial é puramente discriminatório, ou resultado de uma ação deliberada das empresas, e que a interferência governamental é a melhor forma de resolver o problema.

Não é. A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é um fenômeno muito mais complexo, afetado por decisões tomadas ao longo de uma vida —das profissões escolhidas até as jornadas de trabalho— e que respondem fortemente às normas sociais e culturais em vigor, como na divisão de tarefas domésticas.

A discriminação existe. Comprová-la, porém, é extremamente difícil, como se demonstra nos trabalhos de Claudia Goldin, vencedora do prêmio Nobel.

Estabelecer que o Estado seja o fiel da balança na questão amplia os custos trabalhistas e compromete reajustes salariais por produtividade e desempenho.

Melhor do que tentar punir algo que não se poderá provar seria avançar em pautas que promovem mudanças em normas sociais e culturais, a exemplo da regulamentação da licença-paternidade e da maior oferta de creches.

Caso Evaldo, 5 anos

Folha de S. Paulo

Flerte com impunidade põe na berlinda o papel da Justiça Militar em democracias

Nem 257 tiros disparados por 8 militares em direção a um carro ocupado por civis parecem o bastante.

Em 7 de abril de 2019, no Rio de Janeiro, o veículo em que estavam Evaldo Rosa dos Santos e sua família foi alvejado por 62 desses disparos. Evaldo morreu no local, e o catador de material reciclável Luciano Macedo, que tentou socorrer as vítimas, teve o mesmo destino alguns dias depois.

Após cinco anos, o caso chega ao Superior Tribunal Militar, mas há sinais alarmantes de impunidade.

Na quinta (29), dois ministros da Corte votaram pela absolvição dos réus pela morte de Evaldo e, no caso de Luciano, pela tipificação de homicídio culposo (sem intenção de matar), o que causaria uma redução de até 28 anos da pena.

Com o abrandamento para cerca de três anos, os envolvidos cumpririam a punição em regime aberto. Um pedido de vista, contudo, suspendeu o julgamento.

É descabido que um tribunal castrense julgue, em plena vigência de um regime democrático, militares processados por crimes cometidos contra a vida de civis.

Dos 15 ministros do STM, 10 são fardados. O órgão não exige formação jurídica de seus membros e está imbricado em corporativismo e na hierarquia militar, mesmo quando julga ações que constituem violação de direitos humanos.

Trata-se de uma anomalia de constitucionalidade duvidosa, ora sob análise do Supremo Tribunal Federal. Cabe ao STF e ao Congresso Nacional reexaminar o alcance das cortes castrenses —na Argentina, por exemplo, a Justiça Militar foi abolida em 2009.

A competência militar para julgar crimes contra a vida de civis foi estabelecida por lei em 2017, sob o argumento de que seria a forma mais célere e rígida de punição contra abusos em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

O caso Evaldo, no entanto, não ocorreu durante ação de GLO e já acumula cinco anos sem desfecho, para nem falar do risco de penas incompatíveis com sua gravidade.

Se persistir no caminho da impunidade, a Justiça Militar produzirá evidência contra sua credibilidade e sua adequação aos princípios do regime democrático.

De acordo com o governo do Rio, a ideia é aproveitar o entorno da estação para construir pelo menos 35 blocos residenciais com 560 apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida, escolas técnicas, um centro de convenções (em parceria público-privada), terraço, jardins e uma nova Cidade do Samba, ocupada pelas escolas da Série Ouro (antigo Grupo de Acesso).

Inspirada na Victoria Station, de Londres, e inaugurada em 1926, a Leopoldina há muito integra o acervo de prédios antigos abandonados pelo poder público. O imóvel está totalmente pichado e caindo aos pedaços, pondo em risco a segurança de pedestres que circulam por ali. Desde 2013, o Ministério Público Federal cobra da União obras de recuperação. Na prática, pouco se fez para impedir a degradação contínua. Ao longo dos anos, muitas foram as propostas cogitadas (pensou-se até em usá-lo no delirante projeto do trem-bala entre Rio e São Paulo, no governo Dilma Rousseff). Nada vingou.

Pela importância histórica, a transferência da Leopoldina ao governo do Rio serve de exemplo a todo o país. A velha estação faz parte de uma lista de bens do governo federal que serão repassados a estados e municípios no Programa de Democratização de Imóveis da União. Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, um estudo preliminar apontou mais de 500 prédios sem uso, abandonados ou subutilizados, mas estima-se que o total chegue a mil.

Não faz sentido o governo federal manter imóveis sem uso em avançado estado de degradação ou mesmo ocupados, enquanto esses espaços podem ser mais bem empregados. Como a União não teria recursos para recuperá-los, nada mais sensato que passá-los a quem quer e pode aproveitá-los, de preferência envolvendo a iniciativa privada para garantir recursos. Muitas dessas construções ficam em regiões urbanizadas, com boa infraestrutura de transportes. Podem abrigar universidades, unidades de saúde, polos culturais ou projetos habitacionais de que tanto o país precisa. Além de ganharem vida nova, melhorarão a vizinhança.

Quando tais imóveis não forem simplesmente vendidos à iniciativa privada — possibilidade que jamais deveria ser descartada —, é preciso que o governo federal fiscalize se receberão os projetos anunciados ou permanecerão fechados e sem uso. Burocracia e desleixo costumam estar presentes nos três níveis de governo. A realidade mostra que gestores são pródigos em fincar placas de obras antes de abandoná-las. A ideia do programa é louvável, mas seria uma lástima se o abandono apenas trocasse de mãos.

Juiz sem juízo

O Estado de S. Paulo

Ao falar de Bolsonaro, Gilmar Mendes mostra maus hábitos de alguns ministros do STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes foi duro e claro ao comentar o discurso que o ex-presidente Jair Bolsonaro fez durante a manifestação de 25 de fevereiro na Avenida Paulista. Em entrevista ao Estadão, Gilmar Mendes disse que as declarações de Bolsonaro parecem uma confissão de culpa em relação à chamada “minuta do golpe”, e foi além: acha que o ex-presidente saiu de uma situação de “possível autor intelectual para pretenso autor material” da tentativa de golpe de Estado; que há elementos “severos que indicam intuitos golpistas”; que “não faz o menor sentido” a ideia de anistia a ser concedida às pessoas envolvidas no ato de 8 de janeiro de 2023; e que o “movimento” de Bolsonaro “para mostrar que tem apoio popular” não muda “qualquer juízo ou entendimento do STF”.

A verborragia de Gilmar Mendes não seria um problema se ele fosse não o magistrado da mais alta Corte do País, e sim um analista político. A ele, ao lado de seus dez colegas de Supremo, caberá julgar em breve os atos, fatos, materiais e personagens que foram objeto da análise da entrevista. Sob qualquer ótica, portanto, é disfuncional um ministro do STF antecipar juízo fora dos autos e comentar em público sobre um tema em análise, presente ou futura, da Corte. Uma contradição com o que diz a Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura e a sensatez. Ademais, é uma dádiva para os radicais bolsonaristas justamente no momento em que estes se empenham em questionar a lisura do Supremo e a suposta militância política de alguns ministros contra Bolsonaro.

Mendes não está sozinho. Com as raríssimas exceções de praxe, há doses rotineiras de intervenção pública – e política – por parte dele e de seus colegas do STF. A discrição judicial parece ter virado exceção no Brasil. Essa opção pelo comportamento apropriado (aquilo que a literatura jurídica internacional chama de judicial propriety) foi trocada pela vulgarização do papel público.

Credita-se essa desenvoltura ao contexto da democracia brasileira nos últimos anos e ao vácuo deixado pelos outros Poderes. Convém acrescentar outros dois fatores: o individualismo onde deveria prevalecer a institucionalidade da Corte e, sim, a vaidade. Somadas, essas razões explicam a normalidade com que ministros emitem pareceres a jornalistas, passeiam e palestram por eventos patrocinados pelo setor privado, concedem entrevistas recomendando e cobrando decisões do Executivo e do Congresso e cumprem, sem modéstia, expectativas messiânicas como protagonistas de uma democracia em desencanto.

É preciso reconhecer que o STF realizou um notável trabalho em defesa da democracia brasileira. Ajudou a rever os excessos processuais e políticos cometidos pelos artífices da Lava Jato, contribuiu para o avanço de direitos de minorias e serviu como o principal dique de contenção dos radicalismos e das pretensões golpistas de Jair Bolsonaro. Tais feitos, porém, não lhe concedem um salvoconduto para o tipo de protagonismo que muitos dos seus ministros advogam ou os devaneios imperiais praticados por alguns deles. Além das tentações midiáticas, o desarranjo procedimental do STF inclui ainda a oscilação da jurisprudência, ou seja, a variação das decisões conforme o caso concreto, o excesso de decisões monocráticas (algumas delas sem observar a orientação firmada pelo plenário) e a politização indevida, levada ao paroxismo agora com a nomeação de Flávio Dino, aquele que, na definição do presidente Lula da Silva, será ali o ministro com “cabeça política”.

Não faz muito tempo, o ministro Luís Roberto Barroso – ele também presença constante na ribalta política – afirmou que todas as instituições democráticas estão sujeitas à crítica pública e devem ter a humildade de levá-la em conta, repensando-se onde for possível. Barroso sabe da lição de Confúcio, o pensador chinês, quando um governador lhe perguntou como servir ao príncipe: “Diga-lhe a verdade, mesmo que o ofenda”. Não há ofensa, contudo, ao lembrar-lhes: é hora de preservar a instituição. Retomar a discrição judicial e a compostura fora dos autos, priorizar a colegialidade, atuar com menos teatralidade, dar mais atenção aos rituais da imparcialidade – tudo isso ajudará a aplacar a desconfiança crescente sobre um tribunal já demasiadamente politizado.

Uma década perigosa para o mundo

O Estado de S. Paulo

Conflitos e tensões geopolíticas indicam que os gastos militares globais, de US$ 2,2 trilhões em 2023, crescerão nos próximos anos; Rússia está no epicentro dos temores não só na Europa

Os gastos militares no mundo cresceram 9% em 2023, comparados aos do ano anterior, e atingiram US$ 2,2 trilhões, segundo o mais recente Balanço Militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), centro de estudos com sede em Londres que há 65 anos avalia tensões geopolíticas e conflitos em curso. O aumento de despesas com segurança por Estados nacionais, como ensina a história, nunca é casual. No contexto das atuais guerras no Oriente Médio e na Ucrânia e de ameaças latentes da China e também da Rússia no Indo-Pacífico, o diagnóstico do IISS é de que o investimento em segurança crescerá por uma simples razão: o mundo “parece viver uma década mais perigosa”.

O estudo não chega a mencionar o início de uma nova corrida armamentista. Porém, assinala a decisão de diferentes governos ao redor do mundo – da Austrália aos Estados Unidos, passando pela Noruega – de alimentar seus estoques de munições e reverter carências identificadas em suas estratégias de segurança. Em função de ameaças muito bem delineadas, o orçamento global de defesa de 2023 alcançou o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) do México e instrumentos internacionais de controle de armas, como o da União Europeia, foram relaxados.

A Rússia de Vladimir Putin está no centro das razões do aparelhamento militar desde sua agressão à soberania da Ucrânia, há dois anos. Putin fez girar a roda da economia de guerra no país, com o aumento do orçamento militar de 2,64% do PIB, em 2021, para 4,01%. Os gastos russos chegaram a US$ 108 bilhões no ano passado, cifra três vezes maior do que os desembolsos da Ucrânia, dependente do apoio militar do Ocidente. Dificilmente as despesas russas recuarão diante do cenário de muitos anos de conflito em terreno ucraniano, já dado como certo. Poderão, ao contrário, aumentar, dada a ameaça latente de expansionismo russo sobre o Leste Europeu.

A elevação de 8,5% nos gastos militares no ano passado pelos países da Otan, excetuados os Estados Unidos, responde claramente a esse temor. Nesse grupo estão países europeus, a Turquia e o Canadá. E não há razões para recuar em 2024. O governo da Alemanha decidiu ampliar essas despesas em 2% do PIB. Entretanto, a preocupação com uma Rússia militarmente mais potente – e treinada para o conflito – não se limita à Europa. O IISS detectou tais temores até no Indo-Pacífico, região há décadas exposta ao estresse causado pela China. Não por acaso, a Índia ultrapassou o Reino Unido e assumiu o quarto lugar no ranking dos países com maiores despesas estratégicas.

Pequim estará também consciente dos riscos vindos da Rússia, seu aliado, agora militarmente mais forte. Na atual conjuntura geopolítica, reduziu ligeiramente seu orçamento militar de US$ 1,3 bilhão para US$ 1,2 bilhão entre 2021 e 2023. Mas seu projeto de modernização das forças de defesa, com absorção de elementos de inteligência artificial, e o fato de dispor do maior contingente militar do mundo são por si sós ameaças óbvias ao restante da Ásia, à Oceania e também aos EUA e ao Canadá.

Os EUA, inegavelmente a força militar mais testada no último século, pouco alteraram seus dispêndios militares nos últimos anos. O país gastou 3,36% do PIB em 2023. Não há dúvida de que as decisões políticas de Washington têm repercussão nos conflitos em curso e na contenção de aventuras militares. Afinal, seus dispêndios representam 40% do orçamento militar global. Nem a China, com 10%, chega perto de tal volume de recursos.

É relevante sublinhar que um cenário adverso à paz, como o delineado pelo IISS para esta década, impõe aos Estados nacionais o dever de reforçar sua segurança – em detrimento de outras necessidades prioritárias. Cerca de US$ 31 bilhões foram alocados adicionalmente na rubrica “defesa” em todo o mundo. Ainda assim, infelizmente, nada garante que o caos da guerra e suas devastadoras consequências humanitárias e econômicas sejam evitados. É uma péssima notícia para todo o mundo.

Uma lupa sobre o plano industrial

O Estado de S. Paulo

Fixar prazos e metas a serem monitoradas é o mínimo que se espera de um plano de reindustrialização

O governo parece ter assimilado parte das críticas que recebeu ao lançar sua ambiciosa política de reindustrialização. O secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento, Sergio Firpo, disse que a área vai acompanhar a execução do plano para mensurar, de maneira contínua, se seus objetivos e missões estão de fato sendo cumpridos.

Trata-se, nas palavras de Firpo, de “jogar luz sobre o que funciona e o que não funciona”, um alento diante do péssimo histórico de políticas públicas brasileiras. Fiscalizar a aplicação de recursos públicos, estabelecer metas claras de desempenho e definir prazos para que elas sejam alcançadas é o mínimo que se espera de qualquer programa que envolva recursos públicos.

Anunciado com pompa e circunstância pelo governo e celebrado pelo setor, o Nova Indústria Brasil (NIB) prevê R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor até 2026. “O entendimento é de que essa política, se a implementação for de fato bem construída, pode ter impactos importantes, desde que ela monitore, avalie e dê prazo para que pontos que eventualmente não estiverem surtindo efeito sejam extintos”, explicou Firpo ao Estadão.

O secretário tem toda a razão. Políticas públicas lançadas para auxiliar qualquer setor que esteja passando por dificuldades – como é o caso da indústria – devem ser limitadas, monitoradas e temporárias.

Se o segmento se recuperou e já pode caminhar com as próprias pernas, a ajuda deve ser extinta porque surtiu efeito. E se não se recuperou, mais uma razão para ser encerrada, posto que nem a ajuda estatal foi capaz de garantir a sustentabilidade dos negócios.

O corpo técnico do governo tem todas as condições para fazer essa avaliação de maneira independente. O problema, como sempre, é vencer a resistência que se estabelece cada vez que se evidencia o fracasso de uma política pública já estabelecida.

Por melhores que sejam suas intenções, o NIB não parece suficiente para interromper o processo de desindustrialização que atinge o País há mais de dez anos. Falta ao programa um roteiro claro sobre aonde se pretende chegar, mas, sobretudo, um diagnóstico realista sobre o que levou a indústria brasileira ao estágio a que chegou.

A experiência internacional prova que políticas industriais bem-sucedidas priorizaram investimentos em pesquisa e inovação, o aumento da produtividade e o desenvolvimento de capital humano, a partir de áreas nas quais os países já tinham competitividade. No Brasil, no entanto, voltaram, sob nova roupagem, medidas que incluem subsídios, exigência de conteúdo local e incentivo às compras públicas, bem como a ajuda camarada aos setores de sempre.

Nesse sentido, o estabelecimento de metas e prazos talvez não seja suficiente para corrigir um problema que está na origem do programa: a reedição de um receituário já testado no passado e que não produziu os resultados almejados. Conseguir convencer seus chefes a abandonar velhas convicções talvez seja o maior desafio que o secretário terá ao avaliar a política industrial.

Entre a obesidade e o sobrepeso

Correio Braziliense

A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que 2,3 bilhões de adultos pelo mundo estejam com sobrepeso e outros 700 milhões com obesidade

Hoje é o Dia Mundial da Obesidade e, à medida que o tempo passa, o tema sobe no ranking das piores doenças da humanidade. Os números são prova disso. A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que 2,3 bilhões de adultos pelo mundo estejam com sobrepeso e outros 700 milhões com obesidade, ou seja, 3 bilhões de pessoas com problemas de saúde. Ainda segundo a OMS, 40% dos casos de câncer poderiam ser evitados se os fatores de risco não fossem aplicados pelos pacientes no dia a dia, e aqui incluem-se sedentarismo, má alimentação, consumo de bebidas alcoólicas, produtos ultraprocessados, negligência quanto ao autocuidado e por aí vai.

Embora a citação acima se refira a adultos, crianças e jovens também são protagonistas quando o assunto é ganho de peso. Se na década de 1990, 31 milhões de crianças e adolescentes eram considerados obesos, hoje são mais de 159 milhões deles – número que mais que quadruplicou até 2022.

Endocrinologistas, oncologistas e clínicos gerais têm alertado a população para a piora desse quadro. Pelo menos 13 tipos de câncer já têm alguma relação com a obesidade, a exemplo do fígado, mama, tireoide, ovário, rim, pâncreas e estômago. E já no ano que vem, segundo uma pesquisa feita por cientistas de Harvard, publicada em 2018, serão 29 mil novos casos de câncer decorrentes do excesso de peso. A obesidade perde apenas para o tabagismo como principal causa evitável de câncer, sendo que, devido a uma considerável queda do número de fumantes em todo o mundo, ainda é capaz de ultrapassar o tabagismo e ocupar a liderança em pouco tempo. Isso sem falar no que os médicos chamam de comorbidades, muitas atribuídas ao aumento drástico do peso, como diabetes, doenças cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais (AVCs).

Outro ponto relevante é que a obesidade pode aumentar a produção de hormônios masculinos, já que o tecido adiposo produz mais testosterona, e o aumento de concentração desse hormônio pode levar a distúrbios na ovulação, com ciclos menstruais irregulares ou falta de ovulação. Resultado: a mulher tem maior dificuldade de engravidar.

A verdade é que, assim como no caso do Aedes aegypti, a sociedade e até mesmo os profissionais de saúde estão exauridos de fazerem discursos e campanhas contra gordura saturada, álcool, cigarro, açúcar, sedentarismo e tantos outros péssimos hábitos. Mas falta uma contribuição mais que importante: o desenvolvimento e execução de políticas públicas que invistam não somente em conscientização, mas na relação entre obesidade e doença ou não obesidade e saúde.

Nisso, podemos citar as propagandas colocadas nos maços de cigarro. Sim, algumas imagens foram bastante criticadas, mas surtiram algum efeito em parte dos tabagistas adictos. Enfim, os governos não iriam comprar briga com as gigantes dos fast-foods ou com multinacionais de bebidas alcoólicas e refrigerantes. Seria, no mínimo, uma batalha desigual.

Portanto, a melhor forma de tentar reduzir os números de pessoas obesas e com sobrepeso é focar numa equação bem simples: alimentação adequada + prática de atividade física + autocuidado = saúde e, logo, mais anos de vida.

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