O Globo
PAC, Minha Casa, Minha Vida, Prouni e Mais Médicos soam como sânscrito para boa parte do eleitorado
Um dos pontos cruciais para a DR — sigla para
a “discussão da relação” comum ao léxico dos casais em crise — em que
forçosamente se transformará a reunião ministerial da próxima segunda-feira
deverá ser a completa ausência de marcas fortes do governo Lula 3. Não é por
falta de temas que possam se transformar nessas pautas, mas pela desconexão
entre as maiores preocupações do presidente e de boa parte do primeiro escalão
e essas possíveis bandeiras.
A mais evidente é a economia verde, com todo o seu enorme potencial de gerar investimentos bilionários e a visibilidade global que parece ser tão almejada por Lula. Passou da hora de o governo eleito com a promessa de mudar o desmonte e a destruição promovidos e defendidos por Jair Bolsonaro na área ambiental apresentar um projeto grande, ambicioso e transversal para as diversas áreas abrangidas pela agenda da sustentabilidade, a começar das muitas oportunidades de geração de recursos de fato volumosos na área de energia.
Existe toda uma pauta de interesses de
grandes atores do setor de energia sendo articulada no Congresso, com
porta-vozes de peso entre os caciques das duas Casas, sem que o governo assuma
o protagonismo da discussão. A disposição de grandes empresas globais de
investir em projetos bem estruturados de geração de energia renovável é total,
mas esses grupos olham para questões antigas do Brasil — como o cipoal
regulatório e a insegurança jurídica, para ficar só em duas — e para os sinais
trocados emitidos pelo Executivo, entre o desenvolvimentismo movido a petróleo
e um discurso de busca da sustentabilidade que ainda não superou o palanque, e
se retraem na hora de colocar a mão no bolso.
Existe uma aliança alvissareira entre Marina
Silva — a ministra que hoje é mais um símbolo a exibir no exterior que alguém
com poder para fazer deslanchar um projeto robusto na área ambiental — e
Fernando Haddad, que, além de tocarem bem de ouvido, têm a mesma leitura de que
o mundo mudou, e o Brasil tem a chance de liderar uma agenda depois de muitas
décadas como coadjuvante do banquete global, fornecedor de commodities e nada
mais.
Isso já representa um upgrade da condição de
Marina em sua passagem anterior pelo governo, porque ter a seu lado o ministro
da Fazenda pode, sim, fazer a diferença. Mas isso só se transformará em marca
de gestão se Lula finalmente entender que esse pode ser seu pulo do gato. E aí
parece fazer falta alguém que represente para a terceira gestão o que João
Santana significou para a reeleição de Lula em 2006 e dali em diante, até a
queda na Lava-Jato: a pessoa que entabulará uma estratégia de comunicação mostrando
que o governo tem um caminho.
Foi muito do talento de Santana que embalou
os projetos que até hoje, quase 20 anos depois, Lula insiste em fazer bombar,
como se o mundo de 2024 fosse o mesmo em que ele era “o cara”: PAC, Minha Casa,
Minha Vida, Prouni e Mais Médicos soam como sânscrito para boa parte do
eleitorado que já entrou no jogo depois que eles reelegeram Lula e elegeram
Dilma Rousseff duas vezes.
Esse público é um ilustre desconhecido para o
governo. Basta ver a dificuldade de falar com evangélicos, jovens, motoristas
de aplicativos, entregadores, ativistas ambientais, mulheres e outros segmentos
específicos, cheios de demandas que não estão no radar de Brasília.
Onde está um projeto para os cuidadores,
sobretudo mulheres, não remuneradas e invisibilizadas nos debates sobre
direitos trabalhistas e previdenciários?
Essas são as discussões contemporâneas, que
estão na boca do povo, essa entidade com que Lula já teve e ainda tem grande
conexão, mas que mudou de prioridades ao longo dos anos. Uma reunião
ministerial produtiva começaria por trazer esses assuntos e esses grupos para a
mesa oval.
Pode ser.
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