O Globo
Lula resiste a pressões e mantém ministra,
mas desgaste evidencia dificuldades na gestão e inabilidade na política
O presidente Lula resolveu bancar a
permanência no posto da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Resiste, assim, à
maior pressão já feita pela cabeça de um titular do primeiro escalão do atual
mandato — e não localizada apenas no Centrão, mas disseminada por todas as
siglas da base aliada, com apoiadores também na classe médica.
A avaliação do Planalto é que ceder ao clamor
pela substituição da ministra em meio à crise sanitária do recorde de casos e
óbitos de dengue seria não uma concessão, mas uma “rendição” ao Congresso, que
pretende comandar a área que abarca a maior quantidade de recursos do
Orçamento.
Descrita pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como “um luxo para o Brasil”, Nísia tem um currículo que justifica o aposto. Cientista social e professora universitária, foi à frente da Fundação Oswaldo Cruz de 2017 a 2022 que ela se tornou um símbolo em defesa da ciência durante a pandemia de Covid-19. Foi essa condição que a credenciou para assumir o ministério, numa clara determinação de Lula de marcar com nitidez a diferença na condução que daria à pasta, sobretudo ao Programa Nacional de Imunizações, em relação ao negacionismo de Jair Bolsonaro.
Mas o teste da gestão tem se mostrado mais
complexo para ela. A pasta tropeçou na gestão da crise de dengue, a ponto de a
decisão de aplicar a vacina pelo SUS se tornar um problema, em vez de um sinal
de mudança dos ventos. Custou até que houvesse um esquema de crise, e o
resultado é que a adesão à vacinação, mesmo com aplicação para um público
restrito, foi baixíssima. Depois da demora no início da vacinação, agora existe
o risco de doses vencerem por falta de procura das faixas-alvos.
Os políticos são implacáveis: se fosse no
governo Bolsonaro, o que a comunidade científica e médica e a imprensa estariam
falando? O próprio Lula se referiu à epidemia de dengue como ponto negativo na
última reunião ministerial.
Na relação com o Congresso, sobram acusações
de falta de transparência na destinação de recursos da Saúde para municípios. A
presidência da Câmara enviou ao ministério um ofício cobrando a elucidação de
critérios de distribuição de verbas, e a resposta foi considerada vaga.
Lideranças de diversos partidos articulam nos bastidores, como último recurso
caso Lula resolva mesmo bancar a permanência da ministra, aprovar sua
convocação para depor não numa comissão, mas no plenário da Casa.
A avaliação é que Nísia “não resistiria” à
artilharia num tipo de audiência que, para ficar num exemplo clássico, custou a
cabeça de Cid Gomes no Ministério da Educação quando entrou em rota de colisão
com Eduardo Cunha no governo Dilma Rousseff.
No Palácio, essas ameaças são vistas como
tiro no pé. Embora o próprio Lula tenha reparos à atuação da equipe da ministra
e a tenha chamado para uma “parte 2” da reunião a fim de apertar alguns
parafusos, não pretende capitular diante de uma onda de ataques considerada
covarde, com contornos machistas e misóginos.
O Ministério da Saúde é uma estrutura
complexa, pesada, que exige uma sofisticada combinação de expertise técnica e
inteligência política. Nísia Trindade, uma cientista respeitada e gestora
séria, patinou mais que o recomendável diante da necessidade de remontar uma
pasta que teve, no curso da maior emergência sanitária do Brasil no século,
nomes ineptos como o general Pazuello entre seus comandantes.
Tendo em vista o volume de recursos
orçamentários envolvidos num ano curto, marcado pela campanha antecipada pelo
comando da Câmara e do Senado e por eleições municipais encarniçadas, hesitação
e falta de traquejo político podem ser fatais. Ela fica, por ora, mas não se
sabe até quando, nem em que condições.
Talvez ela seja uma grande cientista sem aptidão política,nem defeito é,só está no lugar errado.
ResponderExcluirExcelente análise da colunista!
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